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Antes de iniciar a discussão sobre a relação entre a Psicologia e as políticas públicas da Assistência Social e o papel do/da psicólogo/as queremos contextualizar como essas políticas emergiram no cenário brasileiro, qual seu objetivo, seu público-alvo e programas oferecidos.

Neste sentido é importante destacar que a Assistência Social no Brasil é bem recente enquanto uma Política de Seguridade Social não contributiva, como direito do/da Cidadão/ã e dever do Estado em garantir o atendimento às necessidades básicas para as pessoas que dela necessitam. Anteriormente a essa Política, a Assistência Social era caracterizada como ações de caridade, filantropia e solidariedade, realizadas, principalmente, pelas práticas religiosas. Esse modelo assistencialista não possibilitava a emergência de um sujeito de direito e acabava por manter a condição de subalternidade aos/as que a ela recorriam além de não promover a autonomia.

Até o final da década de 1980, o Estado não tinha nenhuma ação para atender as necessidades dos/das despossuídos/as, foi somente com os avanços obtidos com a Constituição Federal de 1988 e com a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS de 1993,

que a Assistência, em 2004, começa a ser considerada como uma Política de Seguridade Social configurando o triângulo juntamente com a saúde e a previdência.

Assim, Política Nacional da Assistência (PNAS, 2004) passa a ser reconhecida legalmente enquanto política pública, “devendo garantir direitos e promover a cidadania de amplos os segmentos da população, que amargam, pela produção e acirramento das desigualdades sociais, o lugar de excluídos” (CREPOP, 2008, p.10).

A partir da aprovação do Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS, 2003) e das diretrizes estabelecidas pela LOAS (1993), a Política Nacional de Assistência Social passa a ser estabelecida por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS, 2005).

Dentro da PNAS, a família é considerada a unidade central da sociedade, pois é por meio dela que o sujeito se fortalece como cidadão/cidadã. Norteado por esse entendimento, as ações planejadas pelo SUAS têm o intuito de propor soluções para as famílias, no entanto não é qualquer e toda família que são foco de sua intervenção. As famílias e/ou sujeitos atendidos pelo SUAS estão desprovidos dos mínimos sociais necessários para sua sobrevivência e apresentam vínculos familiares e comunitários fragilizados ou rompidos e que necessitam de atenção para o fortalecimento desses vínculos ou para preservação de sua integridade (PNAS, 2004).

Neste contexto as propostas de intervenções do SUAS se dão a partir de duas grandes estruturas articuladas entre si: a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE) que se divide em Média complexidade e em Alta Complexidade.

A proteção social básica, segundo as PNAS (2004), tem como objetivos:

Prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e ou fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras) (PNAS, 2004, p.27).

Os/as usuárias da proteção básica são as famílias, seus membros e indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Os serviços oferecidos para esses sujeitos são diretamente executados pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) que são espaços físicos localizados estrategicamente em áreas de pobreza, prestando atendimento socioassistencial, articulando os serviços disponíveis em cada localidade e potencializando a rede de proteção social básica. Ele abrange a um total de até 1.000 famílias/ano (PNAS, 2004).

As atividades desenvolvidas nesses espaços estão relacionadas à acolhida dos/das usuários/as que podem ser crianças, adolescentes, jovens, adultos/as e idosos/as; acompanhamento das famílias desses indivíduos bem como a proteção próativa, ou seja, dá apoio às famílias e indivíduos na garantia dos seus direitos de cidadania, com ênfase no direito à convivência familiar e comunitária (PNAS, 2004).

Enquanto a proteção básica executa ações voltadas para “vigilância social, prevenção de situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários” (CREPOP, 2008, p.12), a proteção social especial ocupa-se com situações mais complexas que estão relacionadas a famílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados ou ameaçados por meio da: violência física ou psicológica, violência e abuso sexual, exploração do trabalho infantil, discriminações sociais, abandono, rompimento ou fragilização familiar etc. (CREPOP, 2013). Assim, a Proteção Social Especial, segundo a PNAS (2004) é:

[...] uma modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (p.28).

A PSE de média complexidade caracteriza-se como serviço especializado que necessita de uma maior estrutura técnica e operativa para lidar com os invíduos em situação de risco pessoal e social, por terem seus direitos violados. Em decorrência do agravamento dessas situações, faz-se necessário um “acompanhamento especializado, individualizado, continuado e articulado com a rede (BRASIL, 2011, p.20).

Os serviços ofertados dentro dessa proteção são executados por duas unidades de referência: o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP). Ambos são unidades públicas e estatais, porém a abrangência do CREAS é municipal e regional, enquanto a do Centro POP é só municipal (BRASIL, 2011).

Os serviços socioassistencias oferecidos pela PSE de média complexidade incluem segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009): a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); b) Serviço Especializado em Abordagem Social; c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de Prestação de Serviços à Comunidade

(PSC); d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.

Já a PSE de alta complexidade caracteriza-se por oferecer serviços especializados, em diversas modalidades e equipamentos, com o intuito de garantir segurança de acolhida a indivíduos e/ou famílias afastados temporariamente do convívio familiar e/ou comunitário de origem. As atividades desenvolvidas nessa proteção devem assegurar “proteção integral aos sujeitos atendidos, garantindo atendimento personalizado e em pequenos grupos, com respeito às diversidades (ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual)” (BRASIL, 2011, p.21). Esses serviços devem sempre buscar preservar, fortalecer ou resgatar sujeitos para convivência familiar e comunitária, ou ajudá-los a construir novas referencias, quando necessário.

Segundo Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009), essa proteção oferta os seguintes serviços: a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades: Abrigo institucional; Casa-Lar; Casa de Passagem; Residência Inclusiva; b) Serviço de Acolhimento em República; c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.

Os/as usuários/as dessa proteção são em especial crianças, adolescentes, idosos/as, pessoas com deficiência, populações LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), mulheres e suas famílias. Esses grupos são considerados mais vulneráveis à vivência destas situações de violência (BRASIL, 2011).

Contudo, as intervenções da PSE focam na “centralidade na família e como pressuposto o fortalecimento e o resgate de vínculos familiares e comunitários, ou a construção de novas referências, quando for o caso” (BRASIL, 2011, p.12).

Dentro deste cenário que o/a profissional de psicologia irá atuar. Esse/essa profissional tem um papel fundamental nas políticas públicas, pois nelas estão presentes a “diversidade e a subjetividade dos processos e das pessoas, configurando-se uma rede complexa de inter- relacionamentos” (CREPOP, 2008, p.17).

No entanto, muitos profissionais encontram dificuldades em atuar na área das políticas públicas, e no nosso caso, na Política de Assistência Social. Um dos motivos está relacionado com a falta de conhecimento dos/das profissionais psi em responder a essa demanda em decorrência de só recentemente existe orientação que essa temática faça parte dos currículos de psicologia (CREPOP, 2008).

Para sanar tal distanciamento entre a Psicologia, o/a psicólogo/a e as políticas públicas, o Conselho de Psicologia criou o Centro de Referência em Psicologia e Políticas

Públicas (CREPOP) que tem como objetivo “caracterizar o trabalho dos psicólogos nas diversas áreas das políticas públicas e produzir reflexões para atuação” (GONÇALVES, 2011).

Para isso, o CREPOP desde 2007, realiza debates, reflexões e pesquisa com psicólogos/as das mais diversas áreas das políticas públicas a fim de definir parâmetros para a atuação psi, pensando no seu fazer político, no seu lugar social e suas possibilidades de inserção. Assim, os Conselhos de psicologia têm defendido a necessidade dos/das psicólogos/as ocuparem espaços sociais que lhes possibilitem “fortalecer, no sentido de sua garantia, os direitos humanitários e os direitos sociais” (GONÇALVES, 2011, p. 61).

Assim, dentre outras publicações o CREPOP lançou dois documentos com referencias técnicas para a prática do/da psicólogo/a tanto nos CRAS (CREPOP, 2008) como nos CREAS/SUAS (CREPOP, 2013). Esses documentos trazem a importância do/da psicólogo/a compreender os aspectos políticos, econômicos, sociais e históricos que atravessam os indivíduos, suas famílias e comunidades para assim, poder compreender o fenômeno da pobreza sem naturalizá-lo e sim avalia-lo como um processo de exclusão e desigualdade social que nosso país vivencia (CREPOP, 2008, 2013).

Outra questão discutida diz respeito à intervenção do/da profissional psi que precisa ficar atento ao sofrimento psíquico dos sujeitos instalados nas comunidades, nos espaços onde as famílias estabelecem seus laços mais significativos tendo sempre em vista a complexidade no contexto de vulnerabilidade social relacionados com a falta de garantia de direitos.

É unânime nos dois documentos que a intervenção psi dentro da Assistência Social não se relacione com o atendimento psicoterápico, e sim psicossocial. Qualquer demanda que emerja de psicoterapia deverá ser encaminhada para as políticas de saúde.

Por fim, esses documentos também destacam a importância da intervenção psi ficar pautada dentro de uma visão interdisciplinar, na qual uma área do saber complementa a outra ou formam um novo saber juntos.

Assim, as práticas psi dentro das Políticas Públicas da Assistência devem estar voltadas para emancipação dos sujeitos por meio da garantia dos direitos que desencadeiam no desenvolvimento de sua autonomia e reconhecimento enquanto cidadão/, dessa forma, a atuação em Psicologia estará focada na promoção da vida.

É importante destacar que nos documentos de Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009), como também, o de Orientações Técnicas: Centro de Referencias de Assistência Social (BRASIL, 2009) e o de Orientações Técnicas: Centro de Referencia Especializado de Assistência Social (BRASIL, 2011) apontam atribuições para o

trabalho dos/das técnicas de nível superior nos serviços a serem ofertados pelo CRAS e CREAS sem fazer distinção por áreas de formação e ainda não especificam como devem ser realizadas a sua intervenção junto aos/as jovens. Também observamos que nos documentos do CREPOP (2008; 2013), onde se discute as atribuições dos/das psicólogos/as no CRAS e no CREAS se faz menção a atuação desses/dessas profissionais junto aos/às jovens.

Dentre os serviços ofertados pela Política da Assistência Social destinados especificamente a jovens com profissionais de Psicologia atuando na equipe técnica são: o Centro da Juventude (CJ) e o Centro de Referencia Especializado de Assistência Social – Medidas Socioeducativas (CREAS-MSE), ambos fazem parte da Proteção Social de Média Complexidade.

O CREAS – MSE oferta serviços especializados e continuados às famílias e jovens de 13 a 21 anos que estão cumprindo medidas socioeducativas em Liberdade Assistida (LA) e/ou Prestação de Serviços à comunidade (PSC).

O Centro da Juventude faz parte do Programa Vida Nova do Governo do Estado de Pernambuco, onde são promovidas ações de proteção social especial de média complexidade através de ações socioassistenciais e educativas, objetivando o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, bem como a qualificação profissional e inserção no mundo do trabalho de jovens com idades entre 16 a 29 anos (SEDSDH, 2009).

É importante destacar que ambos os espaços atendem jovens com perfis semelhantes, no entanto, no Centro de atendimento a Medidas Socioeducativas o serviço é prestado exclusivamente para jovens que estão cumprindo medidas. Majoritariamente esses/essas jovens são originários das classes populares, embora esse serviço destine-se a todos os/as jovens independente da classe social. Já o Centro da Juventude além de atender esse público advindo do Centro atendimento de Medidas Socioeducativas atende ainda jovens que pertencem à classe de filhos de trabalhadores assalariados ou que produzem a vida de forma precária por conta própria, sobrevivem da Bolsa Família e são desempregados. Jovens que são advindos de famílias desassistidas; vítimas de violências; sem moradia fixa; com baixa e/ou sem frequência escolar; gravidez precoce; dependentes de substâncias psicoativas; laços familiares fragilizados ou rompidos e que viviam em situações de mendicância e de rua, residem na periferia de Recife ou da RMR e se encontram em idades entre 16 a 29 anos (SEDSDH, 2009).

No próximo capítulo iremos discutir sobre as noções de juventudes que permeiam o campo da Psicologia, interrogando-nos se tais concepções têm possibilitado aos/as

profissionais que trabalham com essa categoria dentro das políticas Públicas da Assistência a compreensão das diversas formas de juventudes que se apresentam nesse espaço de atuação.

3 JUVENTUDES E JUVENTUDES POBRES: CONCEPÇÕES, PREDOMINÂNCIAS