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2. Direitos Humanos: Conceitos e Efetividade 14

1.4. Classificação dos Direitos Humanos 34

T.H.Marshall foi o primeiro autor a separar as diversas dimensões dos direitos, baseado no processo histórico inglês. Ele separa os direitos em civis, políticos e sociais, e vê um processo incremental: primeiro, lutou-se pelos direitos civis, que deram base para a luta pelos direitos políticos; sem as liberdades, principalmente de expressão, e reunião, não haveria como reivindicar o direito ao voto; os direitos sociais, por sua vez, foram conquistados a partir da eleição de operários, e a formação de sindicatos, que foram conquistando os direitos sociais, pouco a pouco. (BRESSER-PEREIRA, 1997).

No entanto, isso não significa que exista linearidade cronológica no desenvolvimento dos direitos do homem, ou fundamentais, principalmente em países pobres, com baixos graus de desenvolvimento econômico. A de função reivindicatória de mudança dentro do estado das coisas que os direitos humanos possuem não é negada aqui em nenhum momento. No entanto, a classificação de T.H.Marshall, e o historicismo de Bobbio podem levar à conclusão de que existe uma ‘ordem’ a ser seguida quando se pensa a conquista de direitos humanos ou se faz políticas públicas voltadas par essa área. Não é bem assim, principalmente na América Latina. De acordo com Carvalho (2004), o ideal de cidadania plena – o exercício de todos os tipos de direitos, civis, políticos e sociais, - pode ser semelhante em todos os países, principalmente naqueles de tradição ocidental, mas os caminhos de cada sociedade para alcançar esse ideal, ou pelo menos, chegar muito próximo, são distintos e nem sempre seguem linha reta: pode haver desvios e retrocessos.

A classificação mais tradicional diz respeito aos direitos fundamentais, e no campo do direito. É feita cronologicamente e pelo seu conteúdo. Entretanto, não se pode dizer que haja um consenso entre os autores que utilizam essa classificação,

principalmente quanto ao conteúdo de cada uma das gerações. A classificação apresentada abaixo é, descrita por Barcellos (2003), e na nossa opinião, representa, na média, a categorização mais conhecida e utilizada:

• Direitos de primeira geração: compostos pelos direitos civis e de participação política. Os direitos civis correspondem ao direito de liberdade, direito à igualdade, direito à propriedade, direito de ir e vir, direito à vida, à segurança, à intimidade, liberdade de expressão e assim por diante. Os direitos civis asseguram ao indivíduo uma esfera livre da intervenção da autoridade política ou da burocracia pública. O século XVIII foi marcado pela luta e conquistas dos direitos civis, e esses direitos constituem o cerne da tradição liberal. Já os direitos políticos consideram a liberdade de associação e reunião, o direito de organização de partidos políticos, o direito de ser eleito segundo requisitos estabelecidos em lei, o sufrágio universal e outras formas de manifestação popular semidireta, como o referendo e o plebiscito. Os direitos políticos procuram instrumentalizar a participação dos indivíduos na escolha de seus governantes, na forma de governo que foi adotada, seguindo as regras do sistema de governo e as regras eleitorais constitucionalmente estabelecidas. Foram conquistados durante o século XIX, ainda que o sufrágio realmente foi estendido a homens e mulheres, independentemente de sexo, raça e posição social e econômica apenas no século XX.

• Direitos de segunda geração: compostos pelos direitos sociais e econômicos e culturais; direito à saúde, à educação, ao trabalho, à previdência, ao seguro-desemprego, enfim, garantem o acesso ao bem-estar social. Esses direitos foram conquistados no século XX, a partir de lutas do movimento operário-sindical, e receberam muitas críticas e postura de oposição, até serem finalmente aceitos e equiparados aos direitos de civis e políticos. De acordo com Barcellos (2003), neste ponto,

a garantia dos direitos individuais clássicos tornou-se insuficiente, na medida em que o Estado deixou de ser o único opressor. A lógica aleatória e impessoal do mercado capitalista livre era capaz de negar aos indivíduos bens absolutamente fundamentais, a despeito da liberdade garantida e do empenho destes em obtê- los. Sem essas condições materiais mínimas, (...) os direitos individuais e políticos eram pouco mais que papel e tinta. (BARCELLOS, 2003, p. 15).

• Direitos de terceira geração: são direitos que são exercidos por coletividades que partilham determinadas características ou então por amplos grupos humanos (povos, nações, e à própria humanidade). Perfilam-se nesta categoria o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio-ambiente, direito ao patrimônio comum da humanidade, direito do consumidor, entre outros. São chamados de direitos difusos ou transindividuais, dado o seu caráter. Existe, ainda hoje, bastante resistência à aceitação desta nova categoria de direitos, principalmente pelo fato de terem titularidade coletiva, o que contraria a conceituação tradicional individual dos direitos humanos. Além disso, os destinatários das obrigações a eles correspondentes são indeterminados.

Teoricamente, as três gerações de direitos costuma ser relacionadas à tríade “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, valores da Revolução Francesa. Os direitos de primeira geração correspondem ao valor liberdade; os direitos de segunda geração, ao valor igualdade, e os direitos de terceira geração, ao valor da fraternidade. Aponta-se hoje para a existência de novos direitos, relacionados principalmente ao direito ao desenvolvimento econômico, à paz, à democracia. Alguns autores vêem como novos desafios o desenvolvimento tecnológico, ligado à bioética e à tecnologia de informação, que devem de alguma forma ser incluídos no debate sobre direitos humanos. (SYMONIDES, 2003).

Bresser-Pereira (1997), vê uma relação íntima entre a conquista dos direitos historicamente afirmados perante o Estado como uma evolução nas relações entre Estado e sociedade. De acordo com este autor,

Primeiro temos os direitos civis e políticos: são direitos contra [em face de] um Estado autoritário e oligárquico; em seguida, temos os direitos sociais: são os direitos contra [em face de] os ricos ou poderosos; e finalmente, conforme procuraremos enfatizar neste trabalho, temos os direitos republicanos: são os direitos contra [em face de] os aproveitadores ou privatizadores da res publica.24 (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 106).

24 Com a inclusão da expressão entre colchetes, “em face de”, no texto original, queremos dizer que, processualmente falando, todos os direitos são garantidos contra o Estado, que detém o poder de pronunciar o direito, no sentido daquilo que é justo no caso concreto. Entretanto, os violadores do direito nem sempre se encarnam no Estado. Assim, quer-se dizer que a ação processual que garante um direito pode ser dirigida a diferentes sujeitos passivos – indivíduos que cometem determinadas ações violadores de direitos. Ao defender a emergência de direitos republicanos,

É interessante ressaltar a importância que o patrimônio público - estoque de ativos públicos e principalmente do fluxo de recursos públicos que o Estado e as organizações públicas não-estatais realizam periodicamente – tem para este autor. Isso porque esses fluxos são grandes e vulneráveis à captura por interesses privados. Essa captura pode ser feita de maneira tradicional (através de corrupção e desvios nos processos licitatórios) ou então, através de políticas de Estado que pretendem ser políticas públicas, mas na verdade não o são. Fica então, mais clara a preocupação do autor: o mau uso de recursos públicos podem constituir em violação de direitos humanos.

Existem autores25 que percebem a classificação das gerações de direitos como fomentadora de uma visão fragmentada dos direitos humanos, o que vai contra a visão de inter-relação e indivisibilidade dos direitos humanos. De acordo Alves (2003), o entendimento hoje é o de que os direitos humanos são interdependentes e indivisíveis. Este autor prefere a classificação de Jack Donnelly (ALVES, 2003, pp. 46-47), que utiliza os seguintes termos:

1. Direitos Pessoais, incluindo os direitos à vida; à nacionalidade; ao reconhecimento perante a lei; à proteção contra tratamentos ou punições cruéis, degradantes ou desumanas e à proteção contra a discriminação racial, étnica, sexual ou religiosa;

2. Direitos Judiciais, incluindo o acesso a remédios por violações a direitos básicos; a presunção de inocência; a garantia de processo público justo e imparcial; a irretroatividade das leis penais; a proteção contra a prisão, detenção ou exílio arbitrários; e contra a interferência na família, no lar e na reputação;

3. Liberdades Civis, especialmente as liberdades de pensamento, consciência, e religião, de opinião e expressão, de movimento e residência, e de reunião e de associação pacífica;

Bresser-Pereira (1997) coloca em evidência a proteção do patrimônio econômico público, contra todos os possíveis sujeitos passivos.

25 Entre eles, Celso Lafer, Antônio Augusto Cançado Trindade e José Augusto Lindgren Alves. Para esses autores, o fenômeno que se vê hoje é o de expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos, complementares e em constante interação entre si. Para autores adeptos deste raciocínio, a idéia de gerações compartimentaliza os direitos, dando a impressão (imprecisa, como se discutirá adiante) de que os direitos de primeira geração em nada se relacionam com os direitos de outras gerações. Entretanto, na nossa opinião, essa maneira de classificar é muito difundida pelo fato de fazer uma referência expressa ao processo histórico de lutas pelos direitos humanos e pelo fato de que é uma maneira simplificada de abordar o tema.

4. Direitos de Subsistência, particularmente os direitos à alimentação e a um padrão de vida adequando à saúde e ao bem estar próprio e da família;

5. Direitos Econômicos, incluindo principalmente os direitos ao trabalho, ao repouso e ao lazer, e à segurança social;

6. Direitos Sociais e Culturais, especialmente os direitos à instrução e à participação na vida cultural da comunidade e

7. Direitos Políticos, principalmente os direitos a tomar parte no governo e a eleições legitimas com sufrágio universal e igual, mais os aspectos políticos de muitas liberdades civis.