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5. O Quadro da Defesa contra o Tráfico Internacional no Brasil 124

5.1. Metodololgia de Análise 124

A tese principal deste trabalho é demonstrar, de maneira concreta, a necessidade de se pensar a defesa de direitos humanos como orientação para políticas públicas. Em primeiro lugar – e tentamos demonstrar isso no capítulo 1 – porque os direitos humanos são uma referencia de padrão de justiça, pelo menos na sociedade ocidental em que vivemos. Em segundo lugar, porque existe uma relação entre defesa de direitos humanos e legitimidade governamental, que emana justamente do fato se pensar o conceito de direitos humanos – civis, sociais, econômicos e culturais - como um modo de fazer as coisas, de tomar decisões de governo que traduz um valor maior, a justiça.

O tráfico de pessoas envolve violações a direitos civis e sociais. Envolve, também a distorção da idéia de dignidade humana. Nesse caso, promover direitos civis não significa omissão do Estado. Na verdade, é crueldade imaginar que o não fazer do Estado possa afirmar os direitos civis. Na nossa opinião, esse caso é ilustrativo da necessidade de se pensar a afirmação e promoção de direitos civis a partir de políticas públicas. No capítulo 2, tentamos mostrar que existe concretude para o modo de operar, orientar que se traduz em instituições. Se no capítulo 1 dissemos que há uma tendência de se considerar democracia e direitos humanos como positivamente correlacionados, e que é um equívoco pensar que no capítulo 2, tentamos demonstrar como essa correlação traduziu-se em termos de construção do aparelho do estado e de políticas públicas no Brasil.

No entanto, há outra particularidade interessante que chama a atenção nesse estudo de caso. A globalização acentua a vulnerabilidade das populações, tem aumentado o contingente de excluídos e traz consigo a transformação das relações sociais. Nesse sentido, a globalização traz desafios tanto à afirmação dos direitos humanos como padrão de justiça, quanto à capacidade de resposta do Estado, dadas as regras do jogo institucional, às vulnerabilidades e à novas necessidades sociais. A globalização, no contexto das atividades de tráfico de pessoas, tem papel de potencializar os lucros, facilitar a mobilidade das pessoas. Mas, principalmente, dá instrumentos tecnológicos e organizacionais para o florescimento do crime organizado. Analisar a resposta do governo brasileiro e da comunidade internacional

à violação sistemática dos direitos civis e sociais representada pelas atividades de tráfico de pessoas, através de políticas públicas, no primeiro caso, e do monitoramento, no segundo, é a maneira de mostrar em que medida o arcabouço institucional existente reflete e concretiza os ideais de justiça da qual os direitos humanos são uma expressão.

O primeiro plano desse estudo de caso é a revisão da literatura sobre tráfico de pessoas. Uma seleção de três pesquisas realizadas no Brasil sobre o tema dão o panorama geral das questões e dos direitos violados com a prática.

A Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual no Brasil (PESTRAF) foi realizada no ano de 2002. É uma pesquisa de âmbito nacional, coordenada pela instituição CECRIA – Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, e que envolveu cerca de 476 instituições da sociedade civil e do governo para fazer um primeiro levantamento acerca do tema tráfico de pessoas. A metodologia dessa pesquisa leva em conta 19 estados, suas capitais, mais 25 municípios e o Distrito Federal. As equipes regionais foram treinadas para em aspectos conceituais e metodológicos, para viabilizar a compreensão dos envolvidos na pesquisa e também para de alguma maneira, padronizar a coleta de dados. As informações utilizadas pela pesquisa para configurar o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes foram obtidas junto a organizações governamentais, organizações não governamentais, redes de comercialização de sexo e mídia. Há uma ênfase nesta última fonte, o que é justificado pela coordenação da pesquisa, em seu relatório final, a partir da importância da mídia na formação da opinião pública acerca do tema.

Assim, o relatório final foi baseado nos seguintes instrumentos: cobertura jornalística, estudos de caso, organizações governamentais e organizações não governamentais, redes hoteleiras, taxistas e outros; e caso precedente legal. (LEAL, 2002, p. 35). A coleta de dados foi feita através de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, seleção de entrevistados (membros de organizações governamentais ou organizações não governamentais, agências internacionais).

A segunda pesquisa em que baseamos o presente trabalho é a pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em 2003/2004, com financiamento da UNDOC – escritório Brasil. A pesquisa abarca dados levantados dos autos de inquéritos e processos judiciais pelo consultor contratado nos Tribunais de Justiça dos estados onde o projeto atua, bem como nas superintendências da Polícia Federal. É um

retrato do número de processos, inquéritos e condenações relativas ao crime de tráfico no Brasil, como um primeiro passo para a elaboração de um diagnóstico governamental sobre o assunto.

A terceira pesquisa foi desenvolvida para o Colóquio preparatório do XVIIª Conferência da Associação Internacional de Direito Penal, em 2002. O relatório resultado dessa pesquisa teve por objetivo consolidar informações produzidas por órgãos oficiais, notícias divulgadas pela imprensa brasileira e dados produzidos por organizações da Sociedade Civil que atuam em direitos humanos, sobretudo nas questões de gênero e nos problemas das crianças e dos adolescentes, nos últimos oito anos (1994-2001), além de identificar as ações do Poder Público, sobretudo Polícia Federal, Ministério da Justiça e Secretarias Estaduais de Justiça e Segurança Pública para identificar os traficantes, bem como para garantir os direitos e prestar assistência às vítimas. A principal preocupação foi a de verificar avanços na legislação nacional no que se refere à prevenção e repressão ao tráfico, a proteção das vítimas e a jurisprudência nacional.

Além das pesquisas, ainda há relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América de 2003 e material de referência pesquisada na Internet, Muito material de pesquisa está disponível na Internet, produto das atividades de organizações da sociedade civil internacionais ou nacionais de outros países e de organizações internacionais, como a ONU, que através de seu Escritório de Combate ao Crime Organizado, apóia ações de combate ao tráfico de pessoas. A preocupação dessas organizações é traçar padrões de tratamento de pessoas em situação de tráfico. Para tanto, têm editado manuais de atendimento. Além disso, muitos países têm tocado no assunto. Há mesmo material de acadêmicos de outros países, que têm se dedicado a este tema. A John Hopkins University montou um curso sobre o tema, e possui um centro de pesquisa sobre o tema: é o Protection

Project.

A política pública que perfaz o objeto do estudo de caso é Programa Global de Combate ao Tráfico Internacional de Seres Humanos para fins de Exploração Sexual. A descrição e análise da política pública federal brasileira e seus desdobramentos no âmbito estadual estão baseadas em depoimentos da responsável pelo programa de combate ao tráfico de pessoas à CPMI da exploração sexual e à CPI de tráfico de órgãos, a primeira conduzida entre 2003 e 2004 e a segunda, em 2004. A complementação é feita com entrevista à atual coordenadora

do programa no Ministério da Justiça, e informações obtidas através de reuniões e conversas com representantes da OAB-SP, Conselho da Condição Feminina do Estado de São Paulo, CLADEM – São Paulo, ASBRAD-Guarulhos, Serviço da Mulher Marginalizada e do consulado dos Estados Unidos em São Paulo. O material elaborado para o treinamento de operadores do direito e do governo, também elaborado pelo Ministério da Justiça também dá subsídios sobre a natureza do programa.

Para efeitos deste trabalho, qualquer outra finalidade de tráfico internacional de pessoas poderia ser estudada: seja para adoção, seja para transplante de órgãos, seja para trabalho forçado e práticas assemelhadas à escravidão. Entretanto, a política pública no Brasil foca a exploração sexual. Na nossa opinião, a escolha da administração pública brasileira por esse tipo de tráfico está relacionada aos seguintes fatores:

• A exploração sexual é mais visível do que os outros tipos de exploração (servidão domestica, sweatshops, etc.);

• As implicações morais que relacionam-se à prostituição forçada (em contraste à adoção da prostituição como profissão);

• Existe a sensação de que todas as formas de prostituição são inerentemente formas de exploração e desta forma, todas as trabalhadoras do sexo são consideradas vítimas de tráfico;

• Já existem práticas de enfrentamento à exploração sexual, promovidas por organizações não governamentais nacionais e internacionais; para essas organizações, conseguir financiamento para combate a exploração sexual é mais fácil do que para outros setores (principalmente se envolve exploração de crianças e adolescentes); e • Existe muito pouca informação sobre as outras modalidades; assim

sendo, é mais difícil formular um plano de ação para combater esses problemas.