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Coalizões, mudanças e aprendizado orientado a políticas públicas: as hipóteses do MCD

2. MARCO TEÓRICO

2.2. O Modelo das Coalizões de Defesa (MCD)

2.2.5. Coalizões, mudanças e aprendizado orientado a políticas públicas: as hipóteses do MCD

Cabe dizer que, embora o MCD seja considerado pelos autores como um "enquadramento teórico" e não como uma teoria, Sabatier e seus colaboradores têm realizado um esforço sistemático de propor hipóteses que auxiliem na análise da atuação das coalizões, assim como no processo de aprendizagem e mudança ocorrido no âmbito de um determinado subsistema de políticas públicas. Trata-se, portanto, de uma estratégia analítica para gerar evidência empírica sobre as várias formas de atuação das coalizões de defesa e não da tentativa de formular hipóteses rigorosas que sejam falsificáveis a partir de experimentos cruciais.

Nas primeiras formulações do MCD, foram apresentadas nove hipóteses relativas à estrutura das coalizões e de seus sistemas de crenças. Algumas dessas hipóteses também tratam do processo de mudanças das políticas públicas e, especialmente, do processo de aprendizado entre as coalizões. São elas, segundo Sabatier e Jenkins-Smith (1993, p. 27):

Hipótese 01 (Hipótese de Coalizão 01): no âmbito de um subsistema de política pública, o alinhamento de aliados e oponentes em relação às controvérsias que envolvem core beliefs tende a ser consideravelmente estável ao longo de uma década ou mais.

Hipótese 02 (Hipótese de Coalizão 02): atores no âmbito de uma coalizão de defesa mostrarão consenso substancial em relação às questões pertinentes ao núcleo de políticas públicas (policy core), e menos em relação a aspectos instrumentais. 03 (Hipótese de Coalizão 03): um ator (ou coalizão) desistira de aspectos instrumentais de seu sistema de crenças antes de assumir fraquezas no núcleo de políticas públicas (policy core)

Essas hipóteses indicam que o MCD rejeita a visão de que atores que compõem uma determinada coalizão em um subsistema específico são primariamente motivados por interesses próprios de curto prazo.

Ademais, as hipóteses acima contestam a perspectiva pluralista tradicional no âmbito da Ciência Política e do estudo de políticas públicas, que preconiza que a formulação de políticas públicas, em um subsistema, é predominantemente dominada por coalizões de conveniência, cuja composição seria altamente variável ao longo do tempo.

Já em relação ao processo de mudança nas políticas públicas, a formulação original do MCD prevê as seguintes hipóteses (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 34):

Hipótese 04 (Hipótese de Mudança nas Políticas Públicas 04): Os atributos fundamentais de um programa governamental não serão significativamente revisados enquanto a coalizão que instituiu o programa permanecer no poder. Hipótese 05 (Hipótese de Mudança nas Políticas Públicas 05): Os atributos fundamentais de um programa de ação governamental não serão alterados na ausência de perturbações significativas externas ao subsistema, isto é, mudanças nas condições socioeconômicas, coalizões governamentais ou decisões políticas de outros ecossistemas.

Assim, para o MCD “[...] uma política pública tende a permanecer por tanto tempo quanto permanecer no poder a coalizão que a criou, tida como dominante” (FRANÇA, 2002, p. 101). Apesar de as coalizões minoritárias poderem tentar melhorar sua posição relativa no subsistema, em regra apenas poderão assumir o poder a partir da ocorrência de eventos externos significativos.

Cabe lembrar que, mesmo na ausência de eventos externos significativos, alterações relevantes podem ocorrer no nível das crenças que compõem os chamados aspectos instrumentais.

Em relação ao aprendizado entre as coalizões, colocaram-se inicialmente as seguintes hipóteses (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 40-54):

Hipótese 06 (Hipótese de Aprendizado 01): Aprendizado político entre sistemas de crenças é mais provável quando há um nível intermediário de conflito informado entre as coalizões. Nessa situação, é provável que: (a) cada coalizão possua os recursos necessários para se engajar em tal debate; e (b) o conflito seja entre aspectos instrumentais de um sistema de crenças e elementos do núcleo político (policy core) do outro ou, alternativamente, entre importantes aspectos instrumentais dos dois sistemas de crenças.

Hipótese 07 (Hipótese de Aprendizado 02): Problemas em relação aos quais existem teorias e dados quantitativos aceitáveis são mais conducentes a aprendizado político entre sistemas de crenças do que aqueles em que a teoria e os dados são em geral qualitativos, muitos subjetivos e ausentes.

Hipótese 08 (Hipótese de Aprendizado 03): Problemas que envolvem sistemas naturais são mais conducentes ao aprendizado político entre sistemas de crenças do que aqueles que envolvem sistemas puramente políticos ou sociais, porque nos primeiros muitas das variáveis críticas não são estrategistas ativas e experiências controladas são mais factíveis.

Hipótese 09 (Hipótese de Aprendizado 04): aprendizado político entre sistemas de crenças é mais provável quando existe um fórum que é (a) prestigiado o suficiente para forçar profissionais de diferentes coalizões a participar; e (b) dominado por normas profissionais.

No MCD, níveis de conflito refletem o grau de incompatibilidade das crenças de coalizões concorrentes. Com o conflito forte, verificado quando o núcleo de políticas públicas dos sistemas de crenças está ameaçado, o aprendizado político entre coalizões é particularmente difícil. Além do nível de conflito, afetam a condução para o aprendizado a complexidade analítica da questão em estudo e a natureza do fórum em que o debate é conduzido.

A partir de estudos de casos aplicando o MCD ainda em uma fase inicial, verificou-se que as coalizões de políticas públicas são mais estáveis quando nelas predominam grupos de atores que se dedicam ao esforço de propor ideias e valores, os chamados grupos

propositores. Essas coalizões estariam menos sujeitas à presença de "caroneiros" (free rider)

do que os grupos nos quais prevalecem interesses materiais.

Outra constatação importante desses mesmos estudos diz respeito a como as agências governamentais reagem à influência das coalizões presentes em determinado subsistema de políticas públicas. As pesquisas conduzidas por Sabatier e seus colegas evidenciam que as agências governamentais interagem e são bastante suscetíveis à ação das coalizões. Elas não apenas reagem às disputas que ocorrem em um determinado subsistema, mas também se adaptam aos fatores externos que influenciam o sistema de crenças dessas coalizões

(SABATIER; WEIBLE, 2007; SABATIER; JENKINS SMITH, 1993; SABATIER; BRASHER, 1993).

Ao contrário do que preconizam alguns modelos tradicionais da administração pública e da área de estudos sobre burocracia, as agências governamentais não são atores neutros que agem de forma imparcial em um determinado subsistema. Muito pelo contrário, de acordo com o MCD, essas agências interagem, influenciam e, muitas vezes, integram as coalizões que atuam em determinado subsistema de políticas públicas.

Na verdade, essa tendência das agências governamentais interagirem com as coalizões é provavelmente explicada pelo fato de terem “[...] múltiplos soberanos/principais, com fontes de recursos, autoridade legal específica e visões políticas ligeiramente diferentes”, enfrentando uma necessidade de adaptação que não está presente em grupos de interesse (FRANÇA, 2002, p. 103).

Diante dessa constatação, Sabatier e colegas propõem duas hipóteses relativas às coalizões e uma referente ao aprendizado orientado para políticas públicas, a saber:

Hipótese 10 (Hipótese de Coalizão 04): Elites de grupos de interesses ideológicos (grupos propositores) são mais limitados em sua expressão de crenças e posições sobre políticas do que elites de grupos de interesses materiais (JENKINS- SMITH; ST. CLAIR, 1993, p. 152).

Hipótese 11 (Hipótese de Coalizão 05): No âmbito de uma coalizão, as agências governamentais geralmente propugnarão posições mais moderadas do que seus aliados em grupos de interesse (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 213).

Hipótese 12 (Hipótese de Aprendizado 05): Mesmo quando a acumulação de informação técnica não altera a visão da coalizão oposta, ela pode ter importantes impactos na política – ao menos no curto prazo – pela alteração das visões dos mediadores (policy brokers) ou outros importantes agentes governamentais (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 219).

Essa perspectiva sobre as agências governamentais acarretou uma revisão da Hipótese 04, para evidenciar que as autoridades governamentais, em certos casos, têm poder para revisar os programas, mesmo sem mudanças na situação de dominância entre coalizões; e da Hipótese 05, para deixar claro que os eventos externos, por si só, não são capazes de alterar diretamente os recursos e oportunidades dos atores do subsistema. As novas redações dessas duas hipóteses passaram a ser as seguintes:

Hipótese 04 revisada (Hipótese de Mudança 01): Os atributos fundamentais de um programa governamental não serão significativamente revisados enquanto a coalizão que instituiu o programa permanecer no poder, exceto quando a mudança for

imposta por uma jurisdição hierarquicamente superior (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 217).

Hipótese 05 revisada (Hipótese de Mudança 02): Mudar os atributos fundamentais de um programa de ação governamental requer ao mesmo tempo: (a) perturbações significativas externas ao subsistema (por exemplo, mudanças nas condições socioeconômicas, opinião pública, coalizões governantes, ou decisões políticas de outros subsistemas); (b) aproveitamento inteligente dessas oportunidades pela coalizão até então minoritária no âmbito do subsistema. (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 221-222).

Numa segunda fase, a partir de uma série de aplicações empíricas do modelo, Sabatier e Jenkins-Smith apresentaram alguns outros ajustes e complementações em relação às demais hipóteses do MCD.

Em relação às reformulações anteriormente apresentadas, estão presentes na redação atualizada das hipóteses apenas aperfeiçoamentos pontuais: Hipótese de Coalizão 01, inserção da referência aos subsistemas maduros, para explicitar a diferenciação dos subsistemas nascentes; na Hipótese de Mudança 02, ajuste de redação, para deixar claro que perturbações externas constituem causa necessária, porém não suficiente, para alterações nos atributos fundamentais de um programa governamental, e estudos empíricos feitos por Ingold (2009) atestam esse fato; e, por fim, acréscimo da Hipótese de Coalizão 06, derivada da tendência de os autores em situações altamente conflituosas perceberem seus oponentes como mais poderosos do que eles provavelmente são.

As redações com esses ajustes são as seguintes:

Hipótese de Coalizão 01 revisada: No âmbito de um subsistema de política maduro, o alinhamento de aliados e oponentes em relação às controvérsias que envolvem

core beliefs tende a ser consideravelmente estável ao longo de uma década ou mais.

(SABATIER; JENKINS-SMITH, 1999, p. 129).

Hipótese de Mudança 02 revisada: Perturbações significativas externas ao sistema (por exemplo, mudanças nas condições socioeconômicas, opinião pública, coalizões governantes, ou decisões políticas de outros subsistemas) constituem causa necessária, mas não suficiente, de mudança nos atributos fundamentais de um programa governamental (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1999, p. 147). Hipótese de Coalizão 06 revisada: Atores que compartilham crenças do núcleo político (policy core) são mais propensos a se submeter à coordenação de curto prazo quando veem seus oponentes como (a) muito poderosos e (b) muito capazes de impor custos substanciais sobre eles, se vitoriosos (SABATIER; JENKINS- SMITH, 1999, p. 140).

Ao longo dos últimos anos, as hipóteses relativas ao comportamento das coalizões de defesa, mudança e aprendizagem política foram sendo testadas por acadêmicos em de

diversos países. A grande maioria desses estudos encontrou evidências que, em grande medida, indicam que existem evidências empíricas que corroboram as proposições contidas nas hipóteses formuladas pelo MCD.

Embora não seja objetivo desta tese testar essas hipóteses à luz do caso DF, no intuito de apresentar o MCD é fundamental elencar o conjunto dessas hipóteses objetivando proporcionar uma melhor compreensão da conformação e da dinâmica do subsistema de políticas públicas em estudo, e do papel desempenhado pelas coalizões de defesa no processo de formulação da política em tela. Quando os dados coletados permitirem, serão registrados indícios que apontam para a sua conformação ou não.

Em suma, as hipóteses preconizadas pelo MCD em relação à estrutura das coalizões de defesa, propõem que o principal elemento aglutinador dessas coalizões é a concordância sobre crenças que compõem o chamado núcleo político. Essas hipóteses postulam que os grupos de aliados e os de oponentes num dado subsistema permanecem estáveis durantes períodos de até uma década ou mais.

Já as hipóteses relativas à mudança política postulam que uma política tende a permanecer por tanto tempo quanto permanecer no poder a coalizão que a criou, tida como coalizão dominante. Segundo essas hipóteses, a única maneira de mudar os atributos do núcleo de políticas públicas dá-se por meio de algum evento originado fora do subsistema, capaz de alterar substancialmente a distribuição de recursos políticos ou os pontos de vista das coalizões no âmbito desse subsistema.

As hipóteses restantes aplicam-se às condições conducentes à aprendizagem política entre sistemas de crenças, ou seja, entre coalizões. Baseando-se na premissa de que as coalizões resistem a mudanças em seu núcleo de políticas públicas ou, mesmo, em aspectos instrumentais importantes de seus sistemas de crenças, esse grupo de hipóteses defende que apenas evidências empíricas bastante sólidas podem conduzi-las a rever pontos de vista.

Por essas hipóteses, apenas evidências empíricas podem levar a mudanças, e é mais provável que essas evidências sejam desenvolvidas e aceitas: (i) em áreas do conhecimento onde haja disponibilidade de dados quantitativos e consenso quanto às teorias; (ii) mais no domínio das ciências naturais que nas ciências sociais; (iii) em subsistemas onde um fórum profissional prestigiado e respeitado; e (iv) em situações envolvendo um nível intermediário

de conflito, ou seja, complexo o bastante para justificar o empenho de recursos analíticos, mas não envolvendo conflito normativo direto (SABATIER; JENKINS-SMITH 1993, p.55).