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COALIZÕES PRÓ-LEIS MAIS RESTRITIVAS CAOLIZÕES PRÓ-LEIS MENOS RESTRITIVAS

7.2. Instituição de Sistemas de Monitoramento e Fiscalização

Em estudos empíricos realizados sobre governança de recursos naturais, os autores defendem que o monitoramento regular, bem como a existência de mecanismos que permitam impor a observância das leis e outras regras são condições necessárias para a gestão bem sucedida de recursos comuns (GIBSON; WILLIAMS; OSTROM, 2005). Portanto, o inadequado sistema de monitoramento em relação à ocupação irregular pode ser tomado como um dos principais gargalos ao fortalecimento da governança de terras.

No DF, foram criados pelos diversos governos nos últimos dezoito anos, por meio dos PDOTs e de outras legislações, arranjos institucionais que previam mecanismos ou sistemas de monitoramento e fiscalização do uso irregular do solo. Dentre eles, devem ser citados: o

Sistema Integrado de Fiscalização do Solo (SISIF), do início dos anos 90; o Sistema Integrado de Vigilância do Solo (SIV-SOLO), da década 90; a Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água (SUDESA) por meio da fusão dos antigos SIV-SOLO e SIV-ÁGUA em 2007; o Comitê Consultivo de Políticas Públicas, Normas e Ações de Fiscalização do Uso e Ocupação Irregular do Solo do Distrito Federal (COPPAF), por meio do Decreto nº 28.106, de 09 de julho de 2007; a Agência de Fiscalização do Distrito Federal AGEFIS, por meio da Lei nº 4.150, de 5 de junho de 2008; e a Secretaria de Estado da Ordem Pública e Social (SEOPS), que incorporou a SUDESA na sua estrutura organizacional (2011).

Porém, todo esse aparato legal não conseguiu estancar a proliferação dos condomínios e outras ocupações irregulares no DF, que continuaram surgindo por toda a região.

Os levantamentos feitos nesta pesquisa indicam que os principais motivos para a ineficácia na fiscalização de ocupação irregulares e combate a grilagem de terras no DF são:

• as ações desenvolvidas no sentido de um controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo permanecem, quando existentes, setorizadas no âmbito da atuação de cada um dos órgãos envolvidos com a problemática;

• a ineficiência do poder público, que muitas vezes não possui o efetivo necessário a uma fiscalização eficiente, integrada entre os diversos órgãos distritais responsáveis pela identificação e fiscalização das ocupações; e

• o envolvimento de políticos, gestores dos órgãos de fiscalização e grileiros, no sentido de obstaculizar a efetiva fiscalização.

Como exemplo dos problemas, veja-se esse trecho:

O trabalho de investigação da Divisão de Combate ao Crime Organizado (DECO) da Polícia Civil do DF apontou indícios de cobrança de propinas no órgão responsável pela fiscalização do cumprimento da lei. O esquema criminoso envolve grileiros, especuladores e empresários, além de auditores fiscais da Agência da Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). O Dinheiro ilícito era usado em um esquema de corrupção envolvendo grilagem de terras. (CAMPOS; LINS; SARAIVA, 2011, p. 20)

Atualmente, vivem nos parcelamentos urbanos irregulares do DF quase 600.000 pessoas, conforme o Gráfico 9 a seguir.

Gráfico 9 – Número de pessoas residentes nos parcelamentos urbanos informais implantados por região administrativa

Fonte: Greentec (2010, p. 20).

No DF, pode-se afirmar que o grande mote da desordenação do planejamento urbano se explica na tolerância que vários governos, especialmente nos mandatos do governador Roriz, tiveram em relação aos grileiros, especuladores e invasores de terras, em troca de apoio político. Nessa leitura, não há como não fazer a ligação direta com a Coalizão Patrimonialista.

Em entrevista, o representante do Instituto Brasília Ambiental (IBRAM) assevera: Acho um absurdo que não se dê conta de fiscalizar o DF, uma área com apenas 5.814 km2, na qual tudo é muito visível, desde que se abram os olhos (Entrevistado nº 4).

O GDF continuou, embora ilegalmente, homologando os poderes formais e informais dessas pessoas que, não raramente, usam meios de atuação ilícitos. O auge da ofensiva da Coalizão Patrimonialista pode ser identificado na distribuição de 150.000 lotes semiurbanizados na década de 1990 e 2000, evidenciando de forma inequívoca que as terras públicas no DF acabaram virando patrimônio de determinados atores políticos, que as usam obtendo votos ou outros benefícios mais diretos.

Fica claro nos estudos e levantamentos feitos que, nesses últimos dezoito anos, a Capital Federal foi comandada por um grupo de políticos que acumula riqueza e controla o poder à base da ocupação de terras públicas. A exceção foi o governo de Cristovam Buarque, de 1994 a 1998. Dados do estudo mostram que duas décadas de grilagens e invasões de terras

deixaram ainda mais complexa a solução para o problema habitacional e fundiário em Brasília.

O saldo do parcelamento irregular do solo, segundo o Gráfico 10, foi a criação ao longo dos anos de 513 condomínios irregulares, onde vivem mais de 600 mil pessoas, como anteriormente mencionado (GREENTEC, 2010). Na Figura 5, está apresentada a distribuição espacial desses parcelamentos irregulares.

Gráfico 10 – Evolução do nº de parcelamentos irregulares no DF

Nota: parcelamentos irregulares em amarelo; limites das RAs em vermelho.

Figura 5 – Distribuição espacial dos parcelamentos irregulares nas Regiões Administrativas do DF

Fonte: Greentec (2010, p. 22).

O primeiro condomínio irregular foi o “Quintas da Alvorada”, situado na Região Administrativa VII (Paranoá), em 1975. Em 1988, já eram 78. No período de 1989 a 2009, esse número cresce para 513, numa média de um condomínio irregular a cada cinco dias (CASTRO, 2011).

O baixo poder de enforcement dos órgãos de fiscalização, associados à “indústria de liminares” concedidas pelo Judiciário local, reforça ainda mais a incapacidade de o Estado ordenar o território. Diversas construções irregulares e ocupações de áreas ilegais acabam conseguindo liminares para o prosseguimento das construções e a manutenção de invasões, impedindo muitas vezes as ações de fiscalização dos órgãos governamentais. Segundo Brasil (2001, p. 140), “tem sido relativamente fácil para os grileiros obter liminares e protelações de ações judiciais e criando assim uma política de fato consumado”.

Esse fato tornou a situação da ocupação do solo no DF de grave descontrole, apontando para a consolidação de um quadro de deterioração do meio ambiente, levando ao provável esgotamento de mananciais de água com riscos de desabastecimento em prazo relativamente curto (cinco a dez anos, segundo manifestações de alguns técnicos nas audiências públicas analisadas).

A título de ilustração, comente-se que se implantou no DF a segunda maior favela do país. Segundo dados sobre aglomerados subnormais divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia, com 56.483 habitantes em 2010, perde apenas para a favela da Rocinha na cidade do Rio de Janeiro, onde viviam 69.161 pessoas (BRASIL, 2010b).

Em entrevista, uma fala destaca-se nessa linha:

A proliferação desses condomínios não se dá somente pela fiscalização insuficiente. A questão é mais complexa. Entre as causas dessa situação podemos citar interesses políticos, juízes corrompidos, omissão do governo e aquela velha mania do brasileiro de querer levar vantagem em tudo (Entrevistado nº 2).

A aplicação problemática dos instrumentos de monitoramento e fiscalização e seu baixo enforcement refletiram também no aumento paulatino de zonas de risco com moradias, conforme mostra o Gráfico 11 a seguir.

2 7 11 17 37 0 10 20 30 40 1970 1980 1990 2000 2012

Gráfico 11 – Evolução do nº de áreas de risco no DF

Fonte: elaborado pelo autor, a partir dos dados da Distrito Federal (2012e)

Esse quadro fica mais grave quando se analisam as ocupações por tipo de risco. A maioria das ocupações encontra-se em áreas de rico alto ou muito alto, apresentando ameaças à saúde e à vida de moradores, ao patrimônio público e privado e ao meio ambiente. Veja-se nesse sentido o Gráfico 12.

Gráfico 12 – Número de áreas ocupadas por tipo de risco

Fonte: elaborado pelo autor, a partir dos dados da Distrito Federal (2012e)

De acordo com o levantamento do Ministério Público do DF, 23 parcelamentos localizados nas regiões do Gama, Paranoá, Planaltina e Sobradinho estão implantados parcial ou totalmente em áreas de proteção de mananciais (MPDFT, 2011).

Cabe ressaltar também que, já em 2005, havia no DF 1.252 áreas com focos erosivos em dezenove regiões administrativas, sendo que a falta de planejamento urbano é a grande causadora de tais processos. Há vinte anos, os focos de erosão do solo somavam apenas 84, quase quinze vezes menos do que em 2005 (MARTINS, 2005).

Em suma, os arranjos institucionais que foram criados no DF para combater a produção irregular de lotes urbanos e o crescimento desnecessário da área de expansão urbana, por meio da aplicação efetiva de instrumentos de regulação do solo urbano e da adoção de mecanismos de controle e fiscalização eficazes, tiveram aplicação problemática.

Conforme cita Freitas (2009, p. 20) “é óbvio e gritante o desaparelhamento dos órgãos de fiscalização locais e federais e a desarticulação entre eles”. A esse desaparelhamento, contudo, devem ser somadas outras explicações para as deficiências existentes quanto ao princípio que demanda a instituição de sistemas eficazes de monitoramento e fiscalização.

Como já referido, as ações desenvolvidas nesse campo permanecem, quando existentes, setorizadas no âmbito da atuação de cada um dos órgãos envolvidos, com pouca coordenação entre eles. Além disso, há vários casos de cooptação de agentes do sistema de

fiscalização de ocupações irregulares por grileiros e alguns políticos, no sentido de se barrarem as ações fiscalizatórias. As ilegalidades nessa linha estão fartamente documentadas nas investigações já citadas neste trabalho.