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7.6. Mecanismos de Participação Social

A Constituição Federal de 1988 produziu um movimento de descentralização focado no fortalecimento do poder local e instrumentos que institucionalizaram a participação e o controle social na elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas. Na área da política urbana, a Constituição Federal, nos arts. 182 e 183, estabelece como atribuição do poder público municipal implementar a política de desenvolvimento urbano e ordenamento do território para cumprimento da função social da cidade e da propriedade imobiliária urbana. A regulamentação deste direito deu-se com a aprovação da Lei Federal nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001b, p. 7).

Fizemos análise dos mecanismos de participação pública, especialmente a consulta pública e a audiência pública, adotados pelo governo para garantir a oitiva dos atores sociais interessados nos rearranjos espaciais da cidade no processo de elaboração do PDOT/2009. Em relação a esse instrumento especificamente, traz o Estatuto da Cidade o seguinte texto:

Art. 40. § 4º. No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso a qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

Será que a vontade da maioria dos cidadãos realmente está sendo representada nos espaços de participação social no DF? Quais são os atores representados no PDOT? Um dos atores relevantes afirma:

O projeto foi essencialmente elaborado por urbanistas. Os ambientalistas e produtores rurais tiveram dificuldades em opinar e se fazer ouvir. Setores importantes do poder público foram excluídos: Caesb, Ibama, Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (MPDFT, 2009a, p.8-9).

Outros atores criticaram a fraca participação da sociedade organizada nos debates sobre a revisão do último PDOT aprovada em 2009. A entrevistada nº3 assevera que “[...] durante a elaboração da revisão do PDOT, não houve diálogo com a sociedade. Apenas tomamos conhecimento de um texto incompleto na terceira audiência pública, em junho de 2007”,

Deve ser ressaltado que mudanças nas formas e na abrangência da participação política, na corresponsabilidade para a definição dos objetivos da política urbana e outros aspectos de natureza política, são cada vez mais reconhecidas como elementos relevantes para explicar a qualidade da estrutura de governança em geral, e as questões espaciais, em particular (FREY, 2007; OSTROM, 1990).

A construção de mecanismos efetivos de participação emergiu como um grande desafio à melhora da qualidade da governança. Apesar de considerados a melhor forma de organização do processo de tomada de decisão em sociedades democráticas, os mecanismos e espaços de participação são particularmente difícil de criar e sustentar, e acabam geralmente marginalizando importantes encaminhamentos e decisões vindas de diversos setores da sociedade (HOLMES; SCOONES, 2000).

Defensor da gestão participativa, Sachs (1993, p. 33) adverte que “as estratégias do ecodesenvolvimento urbano não podem ser impostas de cima para baixo: elas devem ser desenhadas e implementadas com a participação popular e complementadas por eficientes políticas de capacitação”. Carvalho (2003, p. 281) reforça a assertiva anterior quando afirma que, a elaboração do plano diretor “deve ser expressão de um processo público, no sentido de ser aberto à participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para a manifestação clara e transparente das posições em jogo”.

No DF, identificamos que existem as formas convencionais de participação direta proporcionadas aos cidadãos, dentre elas as audiências e consultas públicas exigidas pela Lei Orgânica como uma etapa do processo formulação do PDOT, assim como dos processos de licenciamento de empreendimentos que gerem impactos no meio ambiente ou da aprovação de leis relativos à desafetação, mudança de destinação de áreas etc. (CLDF, 2000).

Entretanto, na realidade, as citadas reuniões públicas costumam ser essencialmente expositivas, apresentando aos interessados informações muitas vezes complexas, que não são apreendidas no pouco tempo disponível. Segundo Câmara (2011), o debate é considerado

insuficiente, e as reflexões e ideias surgidas geralmente não são levadas em consideração para o aperfeiçoamento do planejamento e da execução das políticas urbano-ambientais, tornando esse modo de participação popular meramente uma formalidade legal, cuja importância passa a ser apenas constar no processo de formulação das políticas públicas.

O mapa da Figura 6 abaixo mostra o descompromisso do governo com os espaços de participação. Ele mostra como, depois das audiências publicas com a comunidade sobre o PDOT/2009, ficariam as áreas de expansão urbana do DF (MACROZONA). Simplesmente tudo que foi discutido e acatado pelo governo no projeto de lei complementar, ao longo das mais de 165 audiências públicas, foi trocado por um “substitutivo”, trazendo um novo mapa completamente diferente com novas áreas de expansão urbana.

Nota: na cor roxa as áreas urbanas deslocadas pelo projeto de lei complementar discutido e acordado com a comunidade; na cor vermelha as áreas urbanas acrescidas pelo “substitutivo”.

Figura 6 – Alterações na Macrozona Urbana do PDOT/2009 Fonte: Distrito Federal (2009).

Essa distorção não passou sem críticas:

Essas audiências públicas servem só pra iludir a população de que está havendo debate. Todo mundo sabe que o PDOT e as questões de gabarito e ocupação do solo são definidas nos gabinetes entre governo, distritais e construtoras interessadas, regado a muita propina e "doações" de campanha.” (Notas Taquigrafias das audiências públicas sobre PDOT/2009)

Nas três audiências públicas promovidas pelo Executivo para debater o último Pdot, que são obrigatórias, de acordo com o Estatuto das Cidades, foi discutido um projeto totalmente distinto do que chegou ao Legislativo, sendo aprovado e sancionado. (KOKAY, 2010, p.1).

O secretário Geraldo Magela garante que vai ouvir a população e os deputados distritais, antes de enviar a atualização do PDOT/2009 à Câmara Legislativa. “Defendemos a revisão do Plano Diretor porque não houve efetiva participação popular e por conta dos questionamentos do Ministério Público” (MADER, 2011, p. 2).

Ainda sobre a fragilidade da implementação e funcionamento dos espaços de participação no DF, o CONPLAN, órgão de deliberação máxima da política urbana, recebeu severas críticas de Barreto, professor da FAU/UnB, que assevera:

Os conselhos criados ao longo dos últimos vinte anos seguiram um formato nefando, aparentemente democrático, essencialmente aristocrático O CONPLAN apesar do nobilíssimo título e destinação, de “Planejamento territorial e urbano”, esse é um conselho civil do Executivo do DF, formado por uma maioria-chapa-branca, onde alguns representantes da sociedade civil são ingenuamente manipulados por experientes oficiais do urbanismo e de áreas políticas subsidiárias do governo no poder. Não é um conselho democrático ou tecnicamente consistente. É uma instância sob o férreo controle do Executivo. Nele, a agenda, o ritmo, a natureza e a forma das decisões são tomadas pelo Executivo. Seu destino é desgastar-se nos penosos assuntos das transformações do Plano Piloto de Brasília – que continuam a acontecer, descontroladas -, sem que o Executivo – ou o governador – se desgastem e, ainda por cima, empreste uma fachada democrática a todo o processo (BARRETO, 2004, p. 15).

Em geral, pode-se afirmar que se verificam dificuldades para garantir a participação efetiva da comunidade nos processos de tomada de decisão envolvendo tanto o Executivo quanto o Legislativo no DF. Formalmente, estão institucionalizadas ferramentas com esse objetivo. Na prática, contudo, decisões tendem a ser firmadas sem a oitiva popular ou, se os espaços de participação chegam a ser abertos, suas recomendações não são devidamente consideradas.

Abers (1998) traz alguns subsídios para explicar a pouca participação. Dentre elas, cita a persistência de elementos clientelistas e assistencialistas nas relações políticas. Apesar de importantes conquistas democráticas e crescente mobilização social, os padrões históricos de relação Estado-sociedade no Brasil ainda possuem elementos clientelistas e assistencialistas, que dificultam a emergência da sociedade civil auto-organizada (ABERS, 1998).

Segundo Abers (1998) contextos clientelistas dificultam formas mais participativas de organização cívica por duas razões: primeiro, há poucos incentivos para a organização coletiva, uma vez que o principal modo de obter benefícios não é através de protesto e

pressão, mas através da troca de favores pessoais, articulada por relações exclusivas entre um único líder comunitário e seus interlocutores políticos; segundo, há pouca experiência prévia com a ação cooperativa e o desconhecimento da população de temas relacionados às políticas públicas em debate nos espaços de participação popular. Holmes e Scoones, (2000) somam à explicação de Abers a questão da longa tradição dos processos decisórios não participativos, ainda baseados em um relacionamento vertical entre os setores envolvidos.

7.7. Comentários Gerais sobre a Aderência da Governança Territorial do DF aos