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COALIZÕES PRÓ-LEIS MAIS RESTRITIVAS CAOLIZÕES PRÓ-LEIS MENOS RESTRITIVAS

6. ANÁLISE DA POLÍTICA DE ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANA À LUZ DO MCD (1991-2009): A DINÂMICA DO SUBSISTEMA

6.5. Eventos Externos e Mudanças Institucionais

Muitos constrangimentos de ordem jurídica, política e sócio-demográfica atuaram para a conformação dos interesses dos atores envolvidos nos processos relacionados à política de ordenamento territorial urbano no DF. A dinâmica do subsistema detalhadamente mostrada neste capítulo foi influenciada, em graus diferenciados, por eventos externos que merecem ser objeto de comentários específicos.

Gilardi (2004) explica o problema da incerteza política (political uncertainty) numa democracia, asseverando que políticas podem ser mudadas ou suprimidas quando um novo partido ou coalizão ganha o poder. Sabatier e Jenkins-Smith (1993) reforçam essa mesma perspectiva na Hipótese 04 revisada, quando afirmam:

Hipótese 04 revisada (Hipótese de Mudança 01): Os atributos fundamentais de um programa governamental não serão significativamente revisados enquanto a coalizão que instituiu o programa permanecer no poder, exceto quando a mudança for imposta por uma jurisdição hierarquicamente superior (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 217).

A revisão da hipótese 4 evidencia que as autoridades governamentais, em certos casos, têm poder para revisar os programas, mesmo sem mudanças na situação de dominância entre coalizões.

Em cada governo, há diferenças de atuação que não devem passar despercebidas. O Partido dos Trabalhadores (PT), sob a liderança do governador Cristovam Buarque, com suporte de movimentos sociais e ambientalistas, introduziu medidas diferentes daquelas instituídas pelo governador Roriz durante os seus três mandatos e pelo governador Arruda.

O primeiro governo do PT foi considerado pela convergência dos comentários da maioria dos entrevistados da pesquisa uma vitória da conservação ambiental e a retomada do papel regulador do Estado, onde a prioridade foi o adensamento de espaços vazios nas áreas já ocupadas. Os outros governos, ao contrário, instituíram um ordenamento francamente imobiliário, com prioridade à expansão urbana e ocupação de novas áreas.

Deve ser percebido que a redemocratização do país iniciada na década de 80 e consolidada na de 90 teve também repercussões no pensar e agir sobre o urbano dos atores das diferentes coalizões que atuam no ordenamento territorial do DF. Em tese, o planejamento deixa de ser um instrumento estratégico de poder centralizador e autoritário do Estado, com a marca tecnocrática e autoritária, ajustando-se aos interesses dos diversos atores que passam a dividir o cenário das cidades e a participar mais abertamente dos processos de tomada de decisão.

A incorporação da questão urbana em dois capítulos da Constituição Federal permitiu a inclusão nas constituições estaduais e nas leis orgânicas municipais de propostas democráticas sobre a função social da propriedade e da cidade. Esses dois capítulos foram regulamentados onze anos depois com a aprovação pelo Congresso Nacional do Estatuto da Cidade, considerado internacionalmente uma legislação avançada sobre gestão urbana (BRASIL, 2011; 2001b).

Após a Constituição de 1988, leis orgânicas e planos diretores foram aprovados, incorporando novos instrumentos. Essas novas ferramentas, criadas no bojo de uma nova ordem urbanística, pautada pelo ideário da reforma urbana, estabelecem uma forte ideia de democratização da gestão através da abertura de canais de participação, onde passam a se manifestar todos os grupos que atuam cotidianamente na construção dos mecanismos de gestão territorial.

A Constituição de 1988, ao ampliar a autonomia e competência dos municípios, lhe conferiu o relevante papel de aferir e promover a função social da propriedade urbana, portanto, concedeu-se aos municípios autonomia inédita sobre o desenvolvimento urbano por meio da lei do plano diretor e das demais normas sobre uso, parcelamento e ocupação do solo urbano. Os planos diretores ganham relevo e, em regra, devem ser elaborados da forma mais democrática possível.

No caso do DF, planos diretores e suas revisões foram aprovados, como aqui se mostrou. Não se pode dizer, contudo, que foram observadas as perspectivas da reforma urbana. Houve um déficit democrático em muitas decisões sobre o ordenamento territorial e, além disso, Brasília expõe duramente a seus habitantes a marca da desigualdade social.

Ainda para Sabatier e Jenkins-Smith (1993) as mudanças nas condições socioeconômicas também impactam as mudanças nos arranjos institucionais no subsistema. Estudos sobre uso do solo mostram que as alterações nas características populacionais e biofísicas de um recurso, seja sazonal ou de longo prazo, podem levar os atores sociais a adaptarem o seu sistema de regras de governança dos recursos a novas condições, a fim viabilizar a manutenção de níveis de distribuição equitativa correta ou a sua sustentabilidade (BERKESE; FOLKE, 1998).

Na pesquisa, evidenciou-se que esse o quadro sociodemográfico está refletido na configuração institucional do ordenamento territorial e nas dinâmicas territoriais do DF. Pelo projeto original de Lúcio Costa, a população de Brasília deveria estabilizar-se em torno de quinhentos mil habitantes e, atualmente, comporta 2,6 milhões. Note-se que esse evento externo é compartilhado pela maioria dos atores das diferentes coalizões isto é, o crescimento demográfico foi uma das principais causas de problemas fundiários no DF, teve e continua a ter um efeito marcante na modificação dos arranjos institucionais que regulam o ordenamento territorial no DF.

O mapa da evolução da mancha urbana colocado no Apêndice B demonstra essa progressão populacional vertiginosa.

A política de distribuição de lotes e as invasões de espaços públicos fruto essencialmente, de pressões dos desenvolvimentistas e patrimonialistas e também da Coalizão Pró-Moradia Popular, fizeram a área urbana do Distrito Federal crescer 132% em pouco mais de duas décadas.

Dados do Gráfico 7 mostram que até finais da década de 80, apenas 28 mil hectares do território da cidade estavam ocupados. O DF limitava-se a doze centros urbanos com uma população de 1,3 milhão de habitantes. Hoje, são 32 regiões administrativas com os já citados 2,6 milhão de habitantes, demonstrando um processo desenfreado de urbanização. Esse processo fica claro nos Gráficos 7 e 8 expostos logo adiante (CODEPLAN, 2010)

Ao mesmo tempo em que o DF apresenta forte poder de atração da população migrante devido às possibilidades de trabalho, ainda bastante concentradas no Plano Piloto, há também uma força de expulsão de parte desses migrantes devido ao alto valor da terra e, consequentemente, o alto custo da moradia na área central. Isso faz com que muitos se alojem nas regiões administrativas periféricas ou mesmo saiam do DF para os municípios do entorno de Goiás, o que gera um forte movimento diário de locomoção pendular (BRASIL, 2010a, p. 22).

Há de ser destacado que esse crescimento rápido da Capital não foi acompanhado pela expansão adequada da infraestrutura urbana, como rede de água, de coleta de esgoto, iluminação pública, escolas, postos de saúde ou de segurança pública.

Gráfico 7 – Evolução multitemporal da área urbana do DF em hectares Fonte: Greentec (2010, p. 56).

0,00% 14,4% 8,2% 3% 2,8% 2,3% 3,0% 2,1% 2,5% 1,9% 1,6% 1,2% 0,00% 2,00% 4,00% 6,00% 8,00% 10,00% 12,00% 14,00% 16,00% 1960 1970 1980 1991 2000 2010 TCA DF TCA Brasil

Nota: TCA = Taxa de Crescimento Anual da População.

Gráfico 8 – Comparativo da evolução da taxa de crescimento populacional entre DF e Brasil (1960-2010)

Fonte: elaborado pelo autor, a partir de dados de IBGE (BRASIL, 2010b).

No capítulo seguinte, será apresentada a relação entre os princípios de governança trabalhados por Ostrom e seus parceiros, e as possíveis aderências ou não ao caso analisado. Tem-se na sequência, então, a aplicação da Lente II da pesquisa.

7. ANALOGIA ENTRE A GOVERNANÇA TERRITORIAL DO DF E OS