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A coleta de dados ocorreu em duas etapas. Inicialmente, a pesquisadora visitou feiras agroecológicas, como ponto de partida para encontrar potenciais praticantes de Slow Food. As feiras agroecológicas foram previamente encontradas em páginas virtuais de mídias socias: Facebook e Instagram. Seguindo essa lógica, os seguintes espaços foram selecionados: b) Feira Agroecológica do Benfica, aos sábados pela manhã na Praça da Gentilândia; c) e Feira Caroá, aos sábados na Praça das Flores. A Feira Agroecológica e Solidária do CETRA não foi contemplada nesta pesquisa pois só acontece uma vez por mês, na primeira sexta-feira do mês. Foram realizadas seis visitas em duas feiras agroecológicas aos sábados, dias em que elas são organizadas na Praça das Flores (3) e na Praça da Gentilândia (3), durante o período de 16 de novembro de 2019 à 11 de janeiro de 2020.

Após fazer contato com diversos praticantes, foi solicitado, com o consentimento destes, a participação na pesquisa, o que levou à segunda etapa: Analisar outras duas práticas para entender o Slow Food no lar dos sujeitos: práticas de preparação e de consumo. Isso se dá, visto que as práticas alimentares são consideradas um composto de práticas integradas (i.e. envolvem compra, preparo e organização dos alimentos para o consumo) (WARDE, 2016).

Nicolini (2012) sugere que as questões de pesquisa são as responsáveis por indicar as melhores combinações de métodos a serem adotados para coleta de dados em estudos baseados em prática. De modo semelhante, Halkier (2017) discute como diferentes métodos podem ser combinados para produzir diferentes tipos de conhecimento em pesquisas de consumo que o entendam como parte das configurações sociais, cuja unidade de análise são as práticas sociais, não consumidores ou o consumo. Nessa lógica, métodos típicos são quase sempre combinações de vários métodos (e.g. observação participante, métodos etnográficos sensoriais e visuais, diferentes tipos de entrevistas qualitativas). Levando em conta essas considerações, observa-se que a questão norteadora desta pesquisa se enquadra dentro dessas discussões. Por isso, a coleta de dados empregou diversas técnicas, fazendo uso de metodologias típicas dos estudos desenvolvidos sobre práticas (BISPO, 2015). O protocolo de pesquisa está evidenciado no quadro 13:

Quadro 13 – Protocolo de pesquisa

Objetivos Específicos Aporte Teórico

Técnicas de Coleta Entrevistas semiestruturadas Observações Diário de campo Fotografias Roteiro Questões Identificar como se organizam as práticas alimentares no Slow Food;

- Elementos das práticas sociais (Shove, Pantzar e Watson, 2012).

- Elementos das práticas alimentares (Warde, 2016). Significados Materias Competências 1, 3, 5, 9, 10, 12, 13, 14, 17, 18, 21 Arranjos sociais Alimentos consumidos Incorporação. 1, 2, 5, 8, 11, 12, 14, 16, 18, 21 Descrever a interligação entre práticas de Slow Food.

Práticas alimentares (Bisogni et al., 2007; Gojard; Véron, 2018; House, 2018; O'nell et al., 2019; Paddock, 2016b; Warde, 2016) e literatura sobre Slow Food

Produção/ Compra 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 Preparo 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 Consumo 16, 17, 18, 19, 20, 21 Fonte: Elaborada pela autora (2020).

Este estudo utilizou aspectos visuais (i.e. fotografias) para que elementos materiais e competências constituintes da prática pudessem ser observados pela pesquisadora (e.g. Middha (2018) fez uso de selfies no Facebook para explorar práticas alimentares). As

fotografias foram tiradas tanto pela pesquisadora (e.g. nas feiras) como pelos participantes da pequisa, por meio do uso de diário fotográfico “no qual as pessoas captam aspectos e eventos no desenrolar de sua vida diária” (FLICK, 2009, p. 221), alinhado à noção de práticas sociais cotidianas. Assim, ainda segundo Flick (2009), os sujeitos podem revelar ao pesquisador opiniões relacionadas às suas próprias vidas cotidianas quando têm a oportunidade de escolher o que fotografar no que diz respeito às aspectos relevantes para o alcance dos objetivos de uma pesquisa. Para este estudo, tais aspectos envolviam fotografias dos momentos das refeições, com os alimentos dispostos no prato, da cozinha e de utensílios nesse espaço que os praticantes consideravam representativos de suas rotinas de prepação de suas refeições, feitos mediante solicitação junto aos participantes.

Foram recebidas 40 fotografias enviadas pelos entrevistados quanto à praticas de preparação e consumo e 50 pela pesquisadora quanto à prática de compra no momento da feira. As fotos ajudavam a pesquisadora a relembrar da experiência na feira, sempre no intuito de, tambem, funcionar como suporte à adição de outras informações ou detalhes que não eram capturados no momento de escrever o diário de campo na feira. As observações se deram por meio de diário de campo para registrar e sistematizar as informações e reflexões provenientes do estudo realizado em campo (GERHARDT; SILVEIRA, 2009) sobre os elementos das práticas. Seis notas campo foram obtidas a partir de 6 observações realizadas pela pesquisadora nos dias de feira, cujo tempo de observação variava de 1 hora à 2 horas e 30 minutos.

Ademais, a realização de entrevistas semiestruturadas para o estudo das práticas foi uma técnica de coleta utilizada nesta pesquisa por ser coerente com o estudo empírico de práticas socias e amplamente utilizada em outras pesquisas (e.g. PADDOCK, 2016b). As narrativas sobre Slow Food como práticas foram investigadas nas entrevistas seguindo um roteiro estruturado em 27 questões, referentes às práticas de compra (7 questões), de preparação (8 questões), e de consumo (6 questões), além do perfil demográfico (6 questões) (Apêndice A). Foram abordadas questões que remetiam aos significados, materias e competências das práticas, ademais os arranjos sociais, alimentos consumidos e incorporação das práticas alimentares para momentos de compra, preparação e consumo.

Ao todo, foram realizadas 13 entrevistas semiestruturadas com visitantes das feiras selecionadas. De quinze convidados a participar da pesquisa mediante termo de consentimento (Apêndice B) apresentado na feira, sete realizaram a entrevista. Na ocasião, foram obtidas quatro recusas e quatro consentimentos que nao resultaram em entrevista após a pesquisadora entrar em contato e não receber retorno. As outras seis entrevistas se deram por meio de indicações, isto é, utilizando a técnica de bola de neve.

No termo de consentimento, o participante concordava estar ciente sobre a pesquisa, sobre o nome da pesquisadora, de seu orientador e do vínculo de ambos com a Universidade Federal do Ceará. A pesquisadora apresentou sua identificação acadêmica na ocasião das visitas às feiras para garantir aos potenciais entrevistados que aquela, de fato, era uma pesquisa confiável. Também se vestia de modo informal para não os intimidasse de alguma forma no momento do contato inicial. Tal fato também contribuiu para que participasse da forma mais natural possível do ambiente da feira durante as observações. Em geral, o contato se deu durante a formação de filas para compra de frutas, verduras e legumes, com o objetivo de ser menos invasiva o possível, uma vez que a pesquisadora não estava interrropendo o processo de escolha de produtos ou conversas entre consumidores.

No termo também estava explicitado que o estudo tinha finalidade de pesquisa acadêmica e que os dados do participante seriam preservados por meio de seu anonimato. As pessoas eram prontamente informadas que a entrevista se daria de acordo com o meio de sua escolha, podendo ser por vídeo ou áudio. Aqueles que aceitassem participar, concordavam em ser entrevistados em data e horário previamente definidos, permitindo a gravação das entrevistas para posterior transcrição. Além disso, o envio de fotografias solicitadas pela pesquisadora (i.e. cozinha, local de refeições, alguns utensílios e refeições), que poderia ser recusado caso desejado. De acordo com o termo, eles estavam cientes sobre a liberdade de deixar de responder a qualquer questão, assim como recusar participar da pesquisa, interrompendo sua participação, temporária ou definitivamente.

Foram obtidas seis entrevistas por vídeo e seis por áudio. Optou-se por não fazer qualquer tipo de alusão ao Slow Food no termo ou momento de entrevista, mas se referir à praticas sustentaveis no consumo de alimentos. Embora não mencionado, a alusão à ele tenha foi feita por meio de questões que remetiam aos seus princípios (e.g. para você, o que é um

bom alimento?) ou que, por seu caráter aberto de resposta, permitia que isso emergisse (e.g.

para você, o que é um alimento sustentável? – aqui, o “sustentável” tornava possivel à referência, caso ela emergisse, aos principios limpo e justo do Slow Food). Para assegurar o anonimato dos supermercados citados pelos entrevistados na pesquisa, o nome deles foi substituído por letras do alfabeto grego ao longo dos depoimentos (e.g. Alpha, Beta, Gama).

As 13 entrevistas resultaram em 5h51min de gravações, variarando de 16 à 57 minutos cada, e um total de 75 páginas de depoimentos transcritos. Para análise, elas foram gravadas e transcritas seguindo uma análise temática (BARDIN, 2011; BRAUN; CLARKE, 2006). Utilizou-se, ainda, a estrutura de elementos prática de Shove, Pantzar e Watson (2012) (i.e. materiais, competências e significados) para a análise das práticas.

A análise dos elementos levou em conta orientações de Sedlačko (2017) para o trabalho em campo na realização de estudos sob as lentes da TdP: a) atenção ao que as pessoas fazem, aos materiais e espaços associados, além de suas interações; b) foco no cotidiano por meio da atenção aos locais, situações e arranjos sociais das práticas; c) foco no trabalho de estruturação e ordenação por meio da identificação de resistência, conflito, momentos de emergência, estabilização ou ruptura das práticas. Além disso, as contribuições de Warde (2016) e de outros autores foram utilizadas para a análise da prática alimentar de Slow Food (e.g. BISOGNI et al., 2007; GOJARD; VÉRON, 2018; O'NELL et al., 2019; PADDOCK, 2016b). Aliado à isso, informações sobre o Slow Food advindas de manuais e pesquisas desenvolvidas nesse tema, as quais foram apresentadas em seções anteriores. O código atribuído à forma de apresentação dos depoimentos dos entrevistados na análise foi: Pseudônimo do entrevistado, idade, feira (e.g. Sarah, 27, Caroá).

A análise das práticas de Slow Food investigadas nesta pesquisa foi baseada e estruturada de acordo como referencial teórico sobre Slow Food, o qual foi previamente classificado em termos de critérios considerados teoricamente relevantes para propor o seu estudo enquanto composto de práticas sustentáveis (QUADRO 14).

Quadro 14 - Slow Food como prática alimentar: critérios

PRÁTICAS ELEMENTOS

MATERIAIS SIGNIFICADOS COMPETÊNCIAS

Compra

- Dispositivos para realizar a prática de modo sustentável (e.g. sacolas retornáveis) - Barracas

- Dispositivos para informar sobre a sustentabilidade (e.g. certificações, placas) - Produtos sustentáveis e locais - Produtores e consumidores - Aquisição de produtos sustentáveis - Contribuição social e econômica para produtores - Enlace social com produtores - Produtos à preços acessíveis - Atmosfera de feira

- Planejamento pensando em evitar desperdícios de alimentos - Motivação de compra por aspectos políticos

- Aquisição de produto representante da cultura local

- Reconhece que têm dispositivos para realizar a prática de maneira sustentável (e.g. sacolas retornáveis) - Reconhece o enlace social com produtores

- Sabe avaliar produtos por seus atributos sustentáveis - Sabe como as feiras funcionam, suas rotinas - Reconhece diferença de gosto de produtos sustentáveis - Saber os benefícios da aquisição de um produto local

Preparação

- Cozinha (espaçosa) - Tem vários dispositivos de cozinha (bem equipada) - Usa recursos sustentáveis advindos da feira

- Prazer na atividade de cozinhar

- Bom alimento: envolve aspectos sensoriais e de sustentabilidade ambiental - Alimento sustentável: envolve aspectos de sustentabilidade ambiental e social

- Desperdícios de alimentos (evitar)

- Preparo de alimentos e pratos locais (cultura local)

- Sabe cozinhar

- Sabe utilizar utensílios de cozinha

- Buscam informações sobre o preparo

- Sabe sobre aspectos de sustentabilidade social e ambiental

- Reconhece e prepara pratos locais

Portanto, a análise foi orientada pela estrutura de critérios para a prática de Slow Food elencada no quadro apresentado, ou seja, com base na identificação da presença dos critérios de cada elemento e no compartilhamento desses critérios por todos os entrevistados.

Na seção subsequente são apresentados os resultados desta pesquisa.

- Sabe aplicar a lógica slow à preparação de comidas características de fast food

Consumo

- Local (em casa)

- Dispositivos (e.g. mesa, cadeiras, pratos, talheres) - Recursos sustentáveis - Conjuges, familiares, amigos

- Socialização

- Prazer com relação ao ato de comer

- Ir devagar, relaxar, se dar tempo para realizar as refeições - Cuidado e partilha

- Demonstrar saber como realizar a prática seguindo a lógica do Slow Food (relaxar, socializar, se envolver com o alimento durante as refeições) Fonte: Elaborado pela autora com base na literatura (2020).

5 RESULTADOS

Nesta seção serão apresentados os resultados da pesquisa, organizados de acordo com: a caracterização das feiras visitadas (item 5.1), o perfil dos participantes da pesquisa (item 5.2), as três práticas investigadas e seus elementos constituintes (item 5.3). Ademais, a interligação das práticas de Slow Food aos princípios e atributos de produtos do movimento (item 5.4).