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Slow food como composto de práticas sustentáveis no consumo de alimentos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, ATUÁRIA E CONTABILIDADE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO E CONTROLADORIA

MESTRADO EM ADMINSTRAÇÃO E CONTROLADORIA

ÉRICA MARIA CALÍOPE SOBREIRA

SLOW FOOD COMO COMPOSTO DE PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS NO CONSUMO DE ALIMENTOS

FORTALEZA 2020

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ÉRICA MARIA CALÍOPE SOBREIRA

SLOW FOOD COMO COMPOSTO DE PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS NO CONSUMO DE ALIMENTOS

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria, da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Administração e Controladoria. Área de Concentração: Gestão Organizacional.

Linha de Pesquisa: Organizações, Estratégia e Sustentabilidade.

Orientador: Prof. Dr. Áurio Lúcio Leocádio da Silva.

FORTALEZA 2020

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ÉRICA MARIA CALÍOPE SOBREIRA

SLOW FOOD COMO COMPOSTO DE PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS NO CONSUMO DE ALIMENTOS

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria, da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Administração e Controladoria. Área de Concentração: Gestão Organizacional.

Linha de Pesquisa: Organizações, Estratégia e Sustentabilidade.

Orientador: Prof. Dr. Áurio Lúcio Leocádio da Silva.

Aprovado em ____/____/_____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Áurio Lúcio Leocádio da Silva (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_____________________________________________________________ Prof. Dr. José Carlos Lázaro da Silva Filho

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_____________________________________________________________ Profa. Dra. Danielle Mantovani Lucena da Silva

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AGRADECIMENTOS

À Deus.

Aos meus pais. À minha mãe, por sempre me fazer companhia quando eu pedia para que ela não me deixasse dormir antes que eu terminasse cada etapa do trabalho.

Aos meus avós, que sempre contribuíram para a minha educação. Em especial, ao meu avô Calíope, que aparecia várias vezes na porta do meu quarto para dizer com certa felicidade, enquanto eu escrevia a dissertação: “você também está acordada como eu”.

Ao Prof. Dr. Áurio Lúcio Leocádio da Silva, pela excelente orientação e por ter aceitado ser mais uma vez meu orientador, agora no mestrado. Sempre disponível para tirar minhas dúvidas e contribuir de forma clara e objetiva com o desenvolvimento deste trabalho. Seus ensinamentos jamais serão esquecidos.

Aos professores participantes da banca examinadora José Carlos Lázaro Silva Filho e Danielle Mantovani Lucena da Silva pelo tempo, pelas valiosas colaborações e sugestões.

Aos amigos que fiz no mestrado: Clayton, Nicolas, Rebeka, Hyane, Rafael, Geison, Larissa, Priscila.

Em especial aos amigos Nicolas, Rebeka, Hyane e Aline por terem acompanhado o desenvolvimento deste trabalho, me escutando falar sobre ele várias vezes.

À minha gata, piccola, Picolina, por estar presente ao meu lado durante as noites em que eu estava acordada escrevendo a dissertação.

Aos chás e brigadeiros caseiros que tantas vezes fizeram parte das minhas noites enquanto eu escrevia esta dissertação sobre consumo de alimentos.

À Universidade Federal do Ceará (UFC) e ao Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria (PPAC), pelo suporte acadêmico. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo suporte acadêmico e financeiro.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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“Il cibo è ben più che un semplice prodotto da consumare: è felicità, identità, cultura, convivialità, nutrimento, economia di territorio, sopravvivenza” (Carlo Petrini)

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RESUMO

Os padrões de consumo no mundo são reconhecidamente insustentáveis há décadas. Diante deste cenário, padrões insustentáveis persistem em domínios críticos de produção e consumo, como o alimentar. O consumo sustentável neste domínio pode estar associado à significados diversos (e.g. comer menos carne, tornar-se vegetariano ou vegano, comprar alimentos locais, orgânicos ou Slow Food). Dentro desta perspectiva, as relações entre produção, consumo, consumidores e sistemas de provisão podem se dar por meio de práticas sociais. A "prática social" refere-se a um domínio da vida cotidiana, como "comer" ou "cozinhar" (SPAARGAREN, 2003), situadas no espaço e tempo, além de realizadas repetidas vezes (SCHATZKI, 2001). A partir do exposto sobre consumo sustentável, com ênfase no domínio alimentar e no movimento Slow Food, e utilizando a TdP como lente teórica para o estudo do consumo, o objetivo deste estudo é compreender o Slow Food como um composto de práticas sustentáveis no consumo de alimentos. Nesse enfoque, Warde (2016) argumenta que o Slow Food (SF) pode ser tomado como uma tentativa interessante de enquadrar os componentes constituintes em uma prática alimentar composta e coerente. Constitui, ainda, um fenômeno contemporâneo com capacidade “de interceptar e dar respostas, ao longo dos anos, às inquietudes do mundo atual e à demanda por práticas de produção e consumo críticas e alternativas” (GENTILE, 2016, p. 66), mais sustentáveis. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa e exploratória com consumidores que frequentam feiras agroecológicas da cidade Fortaleza (pessoas que não eram afiliadas à organização Slow Food, mas que podiam praticar seus princípios). O contato inicial foi feito nas feiras com o subsequente convite para participação na pesquisa. Ademais, foi utilizada a técnica de bola de neve. As práticas investigadas, as quais constituíam o Slow Food enquanto composto, foram práticas de compra, preparação e consumo. Como técnicas de coleta, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, observações, diário de campo e fotografias. Ao todo, foram obtidas 13 entrevistas, resultando em 5h51min de gravações e um total de 75 páginas de depoimentos transcritos. Para análise, foi realizada uma análise temática (BARDIN, 2011; BRAUN; CLARKE, 2006). Utilizou-se a estrutura de elementos da prática proposta por Shove, Pantzar e Watson (2012) (i.e. materiais, competências e significados) para a análise das práticas. Aliado à isso, informações sobre o Slow Food advindas de manuais e pesquisas desenvolvidas nesse tema. Os resultados evidenciaram que o Slow Food enquanto composto de práticas sustentáveis no consumo de alimentos se encontra em estágio de proto-prática para cada uma de suas práticas constituintes (compra, preparação e consumo). Foi identificado que essas práticas estão interligadas e relacionadas aos princípios e atributos de produtos de Slow Food. Ainda entre os achados, a importância de aspectos associados às emoções e afetos no estudo das práticas alimentares sustentáveis, como foi identificado para o estudo do Slow Food.

Palavras-chave: CCT. Consumo Sustentável. Teoria das Práticas. Práticas Alimentares. Slow

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ABSTRACT

Consumption patterns in the world have been known to be unsustainable for decades. Faced with this scenario, unsustainable patterns persist in critical areas of production and consumption, such as food. Sustainable consumption in this area can be associated with different meanings (e.g. eating less meat, becoming vegetarian or vegan, buying local, organic or Slow Food). Within this perspective, the relationships between production, consumption, consumers and supply systems can take place through social practices. "Social practice" refers to a domain of everyday life, such as "eating" or "cooking" (SPAARGAREN, 2003), located in space and time, in addition to being performed repeatedly (SCHATZKI, 2001). Based on the above on sustainable consumption, with an emphasis on the food domain and the Slow Food movement, and using TdP as a theoretical lens for the study of consumption, the objective of this study is to understand Slow Food as a composite of sustainable practices in the consumption of foods. In this approach, Warde (2016) argues that Slow Food (SF) can be taken as an interesting attempt to frame the constituent components in a compound and coherent eating practice. It is also a contemporary phenomenon with the capacity “to intercept and provide answers, over the years, to the concerns of the current world and the demand for critical and alternative production and consumption practices” (GENTILE, 2016, p. 66), more sustainable. To this end, a qualitative and exploratory survey was conducted with consumers attending agroecological fairs in the city of Fortaleza (people who were not affiliated with the Slow Food organization, but who could practice its principles). The initial contact was made at the fairs with the subsequent invitation to participate in the research. In addition, the snowball technique was used. The investigated practices, which constituted Slow Food as a compound, were purchasing, preparation and consumption practices. As collection techniques, semi-structured interviews, observations, field diary and photographs were used. Altogether, 13 interviews were obtained, resulting in 5h51min of recordings and a total of 75 pages of transcribed testimonials. For analysis, a thematic analysis was performed (BARDIN, 2011; BRAUN; CLARKE, 2006). The structure of elements of the practice proposed by Shove, Pantzar and Watson (2012) (i.e. materials, skills and meanings) was used to analyze the practices. Allied to this, information about Slow Food from manuals and research developed on this topic. The results showed that Slow Food, as composed of sustainable practices in food consumption, is in a proto-practice stage for each of its constituent practices (purchase, preparation and consumption). It was identified that these practices are interconnected and related to the principles and attributes of Slow Food products. Among the findings, the importance of aspects associated with emotions and affects in the study of sustainable eating practices, as identified for the study of Slow Food. Keywords: CCT. Sustainable consumption. Theory of Practices. Food Practices. Slow Food.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Proto-práticas, práticas e ex-práticas...27

Figura 2 - Três etapas no processo de práticas se tornando um feixe de arranjos de práticas...29

Figura 3 - O iceberg do consumo...31

Figura 4 - Consumo alimentar como um sistema de sistemas...34

Figura 5 - Oito dimensões interativas dos episódios de comer e beber que caracterizaram o consumo situacional...38

Figura 6 - Logotipo do Slow Food...41

Figura 7 - Manifesto pela Educação do Gosto...42

Figura 8 - Publicações do Slow Food Brasil...43

Figura 9 - Slow Food e suas abordagens...53

Figura 10 - Produtos das feiras...73

Figura 11 - Placas e banners informativos...74

Figura 12 - Cestas e sacolas retornáveis nas feiras...75

Figura 13 - Cozinhas dos entrevistados...87

Figura 14 - Utensílios de cozinha dos entrevistados...88

Figura 15 - Prática de levar marmita para o trabalho...93

Figura 16 - Disposição de refeições para consumo...99

Figura 17 - Pratos preparados pelos entrevistados...104

Figura 18 - Slow Food: práticas, princípios e atributos associados...107

Figura 19 - Estágio da prática de compra de Slow Food...120

Figura 20 - Estágio da prática de preparação de Slow Food...123

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Stakeholders e sua conexão com o SCP...20

Quadro 2 - Resumo de três posições ideais de SCP...22

Quadro 3 - Materiais: relações de infraestrutura, orientação à dispositivos e base em recursos.26 Quadro 4 - Modalidades de interconexões ou agrupamentos de práticas...28

Quadro 5 - Domínios e práticas relevantes para o consumo sustentável...32

Quadro 6 - Elementos das práticas alimentares...35

Quadro 7 - Teses e dissertações sobre Slow Food no Brasil...44

Quadro 8 - Estudos sobre Slow Food e suas abordagens ...55

Quadro 9 - Definição dos princípios de Slow Food...57

Quadro 10 - Atributos de produtos Slow Food na literatura...60

Quadro 11 - O que os membros do Slow Food evitam...61

Quadro 12 - Pressupostos de pesquisa...62

Quadro 13 - Protocolo de pesquisa...65

Quadro 14 - Slow Food como prática alimentar: critérios...68

Quadro 15 - Perfil dos entrevistados...71

Quadro 16 - Síntese dos elementos da prática de compra de Slow Food...84

Quadro 17 - Sintese dos elementos da prática de preparação de Slow Food...96

Quadro 18 - Síntese dos elementos da prática de consumo de Slow Food...103

Quadro 19 - Slow Food: princípios, práticas e atributos...106

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 11 1.1 Objetivos ... 13 1.1.1 Geral ... 13 1.1.2 Específicos ... 13 1.2 Justificativa ... 14 1.3 Estrutura do trabalho...17 2 CONSUMO ... 18 2.1Consumo Sustentável ... 18

2.2 Consumo sustentável como prática social ... 23

3 PRÁTICAS ALIMENTARES DE SLOW FOOD ... 34

3.1Consumo Alimentar e Teoria das Práticas ... 34

3.2 Slow Food: história, organização e projetos...40

3.3 Abordagens de Slow Food...45

3.4 Princípios de Slow Food e atributos de produtos...56

4 METODOLOGIA...63

4.1Delineamento da pesquisa ... 63

4.2 Sujeitos da pesquisa ... 63

4.3 Coleta e análise de dados ... 64

5 RESULTADOS...70

5.1 As feiras...70

5.2 Perfil dos entrevistados...70

5.3 Práticas de compra, preparação e consumo de Slow Food...72

5.3.1 Prática de compra e o Slow Food...72

5.3.2 Prática de preparação e o Slow Food...86

5.3.3 Prática de consumo e o Slow Food...98

5.4 Práticas interligadas de Slow Food...104

6 DISCUSSÃO...109

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...121

REFERÊNCIAS ... 123

APÊNDICE A...138

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1 INTRODUÇÃO

Os padrões de consumo no mundo são reconhecidamente insustentáveis há décadas (GIULIO et al., 2014). Estes ocorrem em diferentes amplitudes (i.e. do regional ao internacional), associados à diferentes categorias de consumo (e.g. alimentação, energia), produzindo impactos ambientais (e.g. poluição, lixo) e sociais (SAHAKIAN; WILHITE, 2014). Nesse sentido, consumo e produção sustentáveis (Sustainable Consumption and Production - SCP) são fundamentais para o efetivo alcance do desenvolvimento sustentável (WANG et al., 2019), além de poderem gerar benefícios econômicos, inclusão e bem-estar social, e redução de riscos ambientais (UNEP, 2015).

Em 1994, o consumo sustentável foi definido durante o Simpósio Olso como o “uso de bens e serviços que atendam às necessidades básicas e tragam uma melhor qualidade de vida, minimizando o uso de recursos naturais, materiais tóxicos e emissões de resíduos e poluentes ao longo do ciclo de vida” (LIM, 2017, p. 71), sem prejudicar as gerações futuras, isto é, não comprometendo suas necessidades.

Assim, padrões de consumo e produção mais sustentáveis foram "reconhecidos pela Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio + 20 e o Painel de Alto Nível (HLP) de Experts sobre a agenda de desenvolvimento pós-2015" (UNEP, 2015, p. 1), tornando-se cada vez mais discutidos nesse âmbito. Também fazem parte dos objetivos do desenvolvimento sustentável, visando "uma produção mais eficiente e lucrativa usando menos matérias-primas, bem como agregando valor a um produto enquanto cria menos poluição e desperdício no processo" (GOVINDAN, 2018, pp. 2-3).

Desde então, muitos consumidores estão mudando suas práticas de consumo na tentativa de reduzir impactos no meio ambiente, em vista de uma maior preocupação com as mudanças climáticas e a escassez de insumos naturais para as próximas gerações (PERERA; AUGER; KLEIN, 2016; WELCH; WARDE, 2015).

No entanto, padrões insustentáveis ainda persistem em domínios críticos de produção e consumo, como o alimentar (DAVIES; DEVANEY; PAPE, 2014), considerado de alto prejuízo ambiental, uma vez que envolve emissões de poluentes, perda da biodiversidade com o uso de agrotóxicos, afetando a economia, os indivíduos, a coesão social e a saúde pública (REISCH; EBERLE; LOREK, 2013).

O consumo sustentável neste domínio pode ser promovido "da fazenda ao garfo" ou "do mar ao prato" (‘from farm to fork’ or ‘from sea to plate’) ao longo de toda a cadeia

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alimentar (FAO, 2018) e, em geral, estar associado a significados diversos (e.g. comer menos carne, tornar-se vegetariano ou vegano, comprar alimentos locais, orgânicos ou Slow Food) (O’NEILL et al., 2019).

Dentro desta perspectiva, autores como Southerton, Chappells e van Vliet (2004) consideram que as relações entre produção, consumo, consumidores e sistemas de provisão se dão por meio de práticas sociais. A "prática social" refere-se a um domínio da vida cotidiana, como "comer" ou "cozinhar" (SPAARGAREN, 2003), situadas no espaço e tempo, além de realizadas repetidas vezes (SCHATZKI, 2001). Estas constituem as unidades fundamentais da análise social dos Estudos Baseados em Prática (EBP) ou da Teoria das Práticas (TdP).

As práticas alimentares são posicionadas como objeto científico a ser investigado no consumo de alimentos. Seus elementos componentes propiciam configurações de arranjos sociais, seleção de alimentos e processos de incorporação observados nas performances cotidianas desse tipo de consumo (WARDE, 2016). Além disso, estudos sobre como padrões de consumo alimentar podem se tornar mais sustentáveis por meio dessas práticas (MU; SPAARGAREN; LANSINK, 2019).

Nesse enfoque, Warde (2016) argumenta que o Slow Food (SF) pode ser tomado como uma tentativa interessante de enquadrar os componentes constituintes em uma prática alimentar composta e coerente. Constitui um fenômeno contemporâneo com capacidade “de interceptar e dar respostas, ao longo dos anos, às inquietudes do mundo atual e à demanda por práticas de produção e consumo críticas e alternativas” (GENTILE, 2016, p. 66), mais sustentáveis.

Na sua concepção, o Slow Food adota, no contexto da alimentação, princípios do movimento iniciado por Carlo Petrini na Itália, em 1986, com o objetivo de “combater” o sistema de fast foods, que promove o consumo de alimentos de baixa qualidade e nutrição, problemas como obesidade, ameças à culinária local (VAN BOMMEL; SPICER, 2011). Além disso, visa fortalecer tradições e culturas alimentares locais em todo o mundo (HENDRIKX et al., 2017), e encorajar uma alimentação mais sustentável para os indivíduos (SLOW FOOD BRASIL, 2007). Segundo o Slow Food (2013, p. 10), o movimento “defende a biodiversidade no nosso suprimento de alimentos, promove a educação do paladar e conecta os produtores de alimentos de qualidade com os coprodutores através de eventos e iniciativas”. Ademais, visa influenciar os ritmos temporais de comer e o convívio nesta ocasião, afim de reformar os hábitos alimentares (PETRINI, 2003) e promover práticas sustentáveis, se baseando em princípios do alimento bom (buono), limpo (pulito) e justo (giusto) (LABELLE, 2004).

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A partir do exposto sobre consumo sustentável, com ênfase no domínio alimentar e no movimento Slow Food, e utilizando a TdP como lente teórica para o estudo do consumo, este projeto de pesquisa se fundamenta na seguinte questão norteadora: Como o Slow Food se

configura como um composto de práticas sustentáveis no consumo de alimentos?

1.1 Objetivos 1.1.1 Geral

Comprender o Slow Food como um composto de práticas sustentáveis no consumo de alimentos.

1.1.2 Específicos

a) Identificar como se organizam as práticas alimentares no Slow Food; b) Descrever a interligação entre práticas de Slow Food.

Este estudo adota a abordagem da teoria das práticas para o estudo do Slow Food como composto de práticas sustentáveis. Esta foi desenvolvida por volta dos anos de 1970 e 1980, embora mais conhecida desde o movimento chamado Practice Turn dos anos 2000 (SCHATZKI, 2001; SHOVE, 2003; SOUTHERTON; CHAPPELLS; VAN VLIET, 2004), que tem em suas raízes teóricas uma síntese de conceitos advindos dos sociólogos Pierre Bourdieu (1990), Anthony Giddens (1984) e Bruno Latour (1993), e dos filósofos Michel Foucault (1978) e Judie Butler (1990) (COHEN; BROWN; VERGRAGT, 2013). Considera as práticas sociais como unidades de análise dos mais variados fenômenos (NICOLINI, 2012), não os indivíduos ou os seus comportamentos e escolhas (MALLER, 2015). Busca, nesse sentido, compreender as complexidades da dinâmica social e as condições sob as quais as atividades “rotineiras” são socialmente realizadas (KUIJER, 2014).

A abordagem vem ganhando popularidade para um crescente corpo de pesquisadores por apresentar um impacto particularmente significativo em estudos sobre consumo sustentável (AKENJI, 2014; BROWNE et al., 2013; SHOVE; PANTZAR; WATSON, 2012; WELCH; WARDE, 2015). Segundo ela, a compreensão acerca do consumo mais ou menos sustentável foca mais em práticas sociais e não apenas nas atitudes, valores e crenças do consumidor individual (HARGREAVES, 2011), contrastando com as noções de comportamento individual, segundo as quais o indivíduo faz escolhas de acordo com as suas atitudes, em vez de ações realizadas devido às práticas (SHOVE, 2010).

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1.2 Justificativa

Investigações sobre o consumo sustentável fomentam debates sobre crescimento econômico, avanços sociais, mudanças climáticas e tendências de consumo cada vez mais imperativos para grupos de acadêmicos e outros profissionais interessados no tema (LIM, 2017).

As pesquisas sobre consumo sustentável podem contribuir em termos de formulação de políticas para a sociedade, as empresas e o meio ambiente (SAHAKIAN; WILHITE, 2014). Além disso, identificar domínios críticos para a sociedade que podem contribuir de maneira mais significativa para reduções de impactos ambientais (MYLAN, 2018), sendo relevante realizar estudos neste âmbito.

A importância do tema foi elevada a um nível sem precedentes nos últimos anos. Isso pode ser observado por meio de uma série de conferências internacionais sobre mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável, nas quais padrões de consumo e produção mais sustentáveis são discutidos, e agendas voltadas para a promoção da sustentabilidade são estabelecidas (WANG et al., 2019).

O estudo das práticas alimentares envolve tanto a produção como consumo, onde produtores podem “desempenhar um papel importante no fornecimento de melhores e mais saudáveis oportunidades de dieta aos consumidores” e consumidores “têm um papel importante a desempenhar adotando comportamentos de consumo mais sustentáveis” (FAO, 2018, p. 3). Assim, Paddock (2016a, p. 1) afirma que “através de uma compreensão da prática alimentar, podemos explorar meios de bloquear e desbloquear práticas mais amplas consideradas insustentáveis”, um aspecto significativo para a promoção de um consumo alimentar sustentável.

Este estudo se justifica, ainda, dentro da pesquisa sobre consumo de alimentos disposta no campo de Estudos Alimentares (Food Studies), uma vez que as publicações científicas nesses âmbitos estão ocorrendo mais comumente (WARDE, 2016). Aqui, as práticas alimentares não são estudadas como integrativas, mas como um composto de práticas interligadas ao longo da cadeia de suprimentos, compra, preparação, cozimento, e ocasiões relacionadas ao consumo alimentar (WARDE, 2014; 2016).

No que diz respeito à abordagem da teoria das práticas, esta tem proporcionado a oportunidade de conceituar e Analisar processos de consumo segundo formas alternativas de entendimento da vida cotidiana por meio de práticas de consumo inseridas em contextos socioculturais (HARGREAVES, 2011). Isso se dá visto que o seu foco recai sobre aspectos

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cotidianos e coletivos do consumo, em vez do consumidor individual (GRAM-HANSSEN, 2011), se configurando como uma abordagem promissora a ser utilizada em estudos do consumo.

A teoria das práticas sociais fornece explicações mais satisfatórias para os paradigmas teóricos dominantes sobre o estudo do consumo (SHOVE; PANTZAR; WATSON, 2012; MALLER, 2015). Os pesquisadores podem ser auxiliados na realização de estudos empíricos que sejam diferentes das abordagens convencionais utilizadas para estudos de consumo (HALKIER; JENSEN, 2011), uma vez que, na lógica dela, o consumo permeia diversas práticas, ocorre dentro e por causa delas (WARDE, 2005) e desempenhado por “praticantes” (RECKWITZ, 2002).

Ela permite, portanto, a realização de estudos empíricos sobre essas performances, sejam enquanto elas acontecem, ou quando elas já aconteceram (MALLER, 2015). Ainda possibilita pesquisas sobre consumo sustentável que passem a enfocar a materialidade, um aspecto ignorado pela Virada Cultural (Cultural Turn) (MALLER; STRENGERS, 2013). Este estudo se justifica, ainda, por tal abordagem possuir um arcabouço teórico e processos metodológicos adequados para entender como os comportamentos são construídos e implementados em práticas de consumo sustentáveis (HARGREAVES, 2011; WELCH; WARDE, 2015).

Pesquisas sobre consumo desenvolvidas à luz da lente teórica da prática social têm sido cada vez mais difundidas em periódicos internacionais como o Journal of Consumer Culture, Ecological Economics, Journal of Cleaner Production (ANANTHARAMAN, 2016; GRAM-HANSSEN, 2011; HARGREAVES, 2011; JAEGER-ERBEN; RÜCKERT-JOHN; SCHÄFER, 2015; JØRGENSEN; JENSEN, 2012; LERAY; SAHAKIAN; ERKMAN, 2016; LIU; OOSTERVEER; SPAARGAREN, 2016; PANDEY; SURJAN; KAPSHE, 2018; RØPKE, 2009; TORKKELI; MÄKELÄ; NIVA, 2018). O contexto europeu promoveu uma mudança de visão quanto às pesquisas nesse tema, com estudos que, a princípio, buscavam analisar seus impulsionadores e obstáculos, para, posteriormente, dar ênfase a análise dentro do contexto das práticas sociais (BRAND, 2010; PISCICELLI; COOPER; FISHER, 2015).

As teorias da prática são adotadas em muitas disciplinas científicas sociais e aplicáveis em qualquer domínio de atividade (WELCH; WARDE, 2015). Nessa perspectiva, a produção científica nacional sobre os estudos baseados em prática investiga, sobretudo, aspectos relacionados aos estudos organizacionais, estratégia, aprendizagem, educação, enfermagem, tecnologia, ciência, linguagem, cultura (BISPO, 2015; NICOLINI, 2012;

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SANTOS; SILVEIRA, 2015), com ênfase nas áreas de aprendizagem e estratégia (BISPO; SOARES; CAVALCANTE, 2014).

Nesse sentido, estudos analisaram as práticas organizadoras de espaços no campo dos estudos organizacionais (IPIRANGA; LOPES, 2016), práticas organizacionais (SANTOS; SILVEIRA, 2015), práticas de aprendizagem sustentável nas organizações (IPIRANGA; AGUIAR, 2014), além de reflexões metodológicas sobre pesquisa baseada em práticas em estudos organizacionais (BISPO, 2015). Ademais, o estudo de práticas culinárias de restaurantes de um mercado popular (LOPES; SILVA JUNIOR; IPIRANGA, 2014) e práticas culinárias de uma organização gastronômica (IPIRANGA; LOPES; SOUZA, 2016).

Esse panorama evidencia uma maior carência de pesquisas voltadas ao uso da TdP como lente teórica para estudar o consumo no Brasil, em especial, o consumo sustentável. No entanto, algumas publicações têm contribuído para fomentar discussões iniciais sobre o tema no cenário nacional. Um exemplo disso está no ensaio sobre a adoção da teoria das práticas no estudo do consumo desenvolvido por Borelli (2012) e na investigação de Gandia et al. (2018) sobre a prática de consumo de cafés em cápsula.

As pesquisas que tratam do Slow Food em programas brasileiros de pós-gradução em administração são escassas (e.g. ARINS, 2009). Em geral, são desenvolvidas teses e dissertações em programas de ciências humanas, antropologia, bioética, comunicação (e.g. DENTI, 2017; HADLER, 2015; NASCIMENTO, 2014; SCHNEIDER K., 2015). Além disso, estudos sobre Slow Food geralmente o tratam como movimento, ideologia, organização ou estilo de vida (MUNJAL; SHARMA; MENON, 2016; ROMBACH; NELLEN; BITSCH, 2016; SIMONETTI, 2012; WEXLER; OBERLANDER; SHANKAR, 2017).

Neste sentido, a pesquisa se justifica pela identificação de um gap na literatura acerca do Slow Food e seu estudo no campo do consumo sustentável, o qual este estudo pretender suprir. Para tanto, se utiliza das lentes teóricas das práticas sociais para compreender como o Slow Food se configura como composto de práticas sustentáveis no consumo de alimentos.

Assim sendo, este estudo tem como justificativa o fato de, sob o enfoque da TdP no consumo sustentável, ter como objeto de estudo o Slow Food. Nesta perspectiva, Abrahamsson (2014, p. 295) afirma que o Slow Food recorre “a uma ampla gama de práticas - desde produção e consumo sustentáveis, um jantar compartilhado à mesa, à apreciação de gostos e prazeres” nas rotinas de seus membros. Ademais, o Slow Food promove os princípios de alimentos bons, limpos e justos, defende a reforma dos hábitos alimentares (PETRINI, 2003; MUNJAL; SHAMA; MENON, 2016) e as práticas sustentáveis (LABELLE, 2004).

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1.3 Estrutura do trabalho

Esta pesquisa é dividida em sete seções. Iniciada na introdução, em que são apresentadas a questão de pesquisa, os objetivos e a justificativa para a realização do estudo. A segunda e terceira seções tratam da base teórica da pesquisa, onde são explorados o consumo sustentável e seu entendimento sob as lentes da TdP, além das praticas alimentares e do Slow Food, aqui investigado como composto de práticas sustentáveis no consumo de alimentos. A quarta seção trata da metodologia adotada para este trabalho. A quinta seção trata dos resultados obtidos e, na sexta seção, eles são discutidos. Por fim, a sétima seção aborda as considerações finais.

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2 CONSUMO

Esta seção aborda o consumo com ênfase no consumo sustentável. Além disso, apresenta o seu estudo como prática social segundo a lentes da TdP, expondo as definições de pratica e seus elementos principais.

2.1 Consumo Sustentável

A década de 1990 marcou o discurso sobre desenvolvimento sustentável e posicionou o tema “consumo e produção sustentáveis” como questão central a ser estudada por diversos centros de pesquisa internacionais. Tal fato reformulou a pesquisa científica sobre consciência e comportamento ambiental realizada até então. Isso se deu pelo papel fundamental da mudança de padrões de consumo e produção no alcance do desenvolvimento sustentável, evidenciada na "Agenda 21", a qual foi adotada na conferência UNCED realizada no Rio de Janeiro em 1992 (BRAND, 2010). Dessa forma, os padrões de consumo insustentáveis passaram a permear discussões tanto no campo acadêmico como no político (SAHAKIAN; WILHITE, 2014).

O termo consumo sustentável não apresenta um consenso quanto à sua definição, o que constitui um desafio para a literatura sobre o tema (BANBURY; STINEROCK; SUBRAHMANYAN, 2012; LIU; OOSTERVEER; SPAARGAREN, 2016; MONT; PLEPYS, 2008).

O consumo sustentável pode ser considerado um termo integrador de assuntos associados “às necessidades humAnas, equidade, qualidade de vida, eficiência de recursos, minimização de resíduos, pensamento sobre o ciclo de vida, saúde e segurança do consumidor" (MONT; PLEPYS, 2008, p. 532).

Quando este está atrelado à noções mais amplas, como a de desenvolvimento sustentável, diz respeito a uma orientação para a eco-eficiência de produtos e serviços (FUCHS; LOREK, 2005), processos mais eficientes de produção e produtos mais sustentáveis (JACKSON, 2004), e à minimização dos impactos negativos ao meio ambiente com vistas ao não compromentimento das futuras gerações (COSTA, 2015). Essa minimização, que pode se dar por meio da redução emissões de poluentes ou do uso de recursos, se aproxima de comportamentos ambientalmente mais amigáveis, se configurando, na visão de Moisander (2007), como consumo sustentável.

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Na visão de Ribeiro e Veiga (2011, p. 58), conceitua-se como “a consciência ecológica na compra de produtos e serviços, o não desperdício de recursos, o empenho em reciclagem de materiais e produtos e a propensão para um estilo de vida menos consumista”. Esse tipo de consumo inclui atividades desde a produção até o consumo final (LIU; OOSTERVEER; SPAARGAREN, 2016).

Dois questionamentos são pertinentes às variadas definições de consumo sustentável. Um deles concerne à ênfase na atividade de consumir e nos comportamentos dos consumidores, isto é, os consumidores e seus estilos de vida são o foco para a obtenção da sustentabilidade. O outro apresenta como solução duas correntes de pensamento. Uma que se baseia na redução dos níveis de consumo enquanto a outra preza pela eficiência e maior responsabilidade relacionada às atividades de consumo, que, neste caso, são estimuladas (JACKSON, 2004).

Nessa lógica, vale ressaltar que, mesmo diante da limitação de recursos no mundo, consumir de forma sustentável não está obrigatoriamente atrelada a ideia de consumir menos, mas de consumir melhor. Isto significa uma busca por mais benefícios à saúde dos indivíduos e ao meio ambiente por meio de um consumo mais eficiente (UNEP, 2015).

Em geral, o grau de sustentabilidade do consumo e produção sustentáveis está relacionado à algumas áreas, como qualidade da água, biodiversidade, práticas agrícolas segurança alimentar, produção de energia (AKENJI; BENGTSSON, 2014). Dentre as áreas que mais afetam negativamente o ambiente (i.e. 70-80% dos impactos) estão a alimentar, a de mobilidade e habitação de acordo com os resultados do estudo de Tukker et al. (2008).

Oliveira, Gomez e Correia (2018) discutem papéis da sociedade civil para promoção do consumo sustentável, os quais se dispõem em níveis de atuação: a) micro (i.e. promover boicotes e buyout); b) meso (i.e. promover discussões sobre o tema; carrotmob; pressionar empresas e governo; criar redes de fair trade); e c) macro (i.e. participar da formulação de políticas públicas ou de métodos educativos para esse tipo de consumo). Os autores afirmam que os consumidores, ao exercer seus papeis de cidadãos, buscam mudanças nos padrões de consumo, passando, por exemplo, a se interessar por atributos que vão além do preço e qualidade dos produtos. Tais consumidores se interessam pela origem dos produtos, ou seja, eles querem saber onde eles foram feitos, como foram feitos e por quem.

Por sua vez, Govindan (2018) sintetiza as conexões entre diversos stakeholders, consumo e produção sustentáveis (SCP). Esse resumo se dá por meio de alguns impulsonadores, barreiras e alvos encontrados (Quadro 1).

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Quadro 1 - Stakeholders e sua conexão com o SCP

Impulsionadores Barreiras Objetivos

Governo

Fornecem visão de longo prazo; frameworks de políticas; educação e programas de informação.

Faltam diretrizes sobre como seguir as regras da legislação.

Incentivar diálogos; fornecer diretrizes.

Negócios

Produzem produtos mais sustentáveis; com produção mais limpa e conformidade legal.

Longas cadeias de abastecimento devido à globalização; falta de infra-estrutura de resíduos. Esverdear toda a cadeia de suprimentos. Consumidores

Comprometidos com estilos de vida mais verdes; mostram responsabilidade. Baixa consciência de contribuição para o SCP. Fazer contribuições em direção à mudança e estarem cientes da contribuição. ONGs Dão suporte ao compartilhamento de informações; ajudam a atingir melhores práticas.

Aspectos sociais e ambientais ainda não estão incluídos. Aumentar a conscientização sobre aspectos ambientais e sociais. Agências de cooperação para o desenvolvimento Integram padrões de SCP no setor de projetos.

Ainda não estão familiarizadas com o conceito de SCP e como integrar padrões. Desenvolver projetos dentro do SCP. Mídia Influenciam a preferência do consumidor; espalham mensagens sobre estilos de vida mais sustentáveis. Falta cooperação e comunicação para a conscientização do consumidor. Apoiar a conscientização dos consumidores e aumentar a atenção. Centros de pesquisa

Contribuem para a inovação SCP.

Pesquisa insuficiente em padrões SCP e como atingir os objetivos.

Contribuir com mais pesquisas.

Fonte: Govindan (2018, p. 25).

Observa-se no quadro 1 que os consumidores se conectam ao SCP através da noção de responsabilidade e de comprometimento com estilos de vida mais verdes. Eles têm por objetivo contribuir para que ocorram mudanças nos padrões de consumo atuais. Nesse sentido, é imprescindível que os stakeholders alinhem seus objetivos a fim de alcançar melhores padrões de consumo e produção sustentáveis.

Lim (2017) busca entender como os consumidores podem se engajar no consumo sustentável ao fazer uso de três perspectivas do comportamento do consumidor, a saber: a) consumo consciente, ocorrendo na forma de uma mentalidade voltada para a sustentabilidade e práticas associadas à ela; b) consumo responsável, na forma de internalização de responsabilidades ambientais, éticas e sociais, que dão suporte à primeira perspectiva; c) e anticonsumo, assumindo a forma de aversão, evitação ou abandono na prática de consumo.

A revisão da literatura desenvolvida por Quoquab e Mohammad (2016) aponta cinco categorias de consumo sustentável envolvendo as seguintes características: a) tentativas conscientes de atender às necessidades básicas; b) moderação nos gastos; c) foco na qualidade

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de vida e não no materialismo; d) preocupações com as gerações futuras; e) preocupações com as consequências ambientais.

As abordagens dos estudos sobre consumo sustentável consideram diferentes visões acerca do mesmo: a) a partir de uma perspectiva responsabilidade individual quanto às decisões de consumo, tidas como de natureza racional e comumente empregadas em estudos do comportamento do consumidor; b) ou na qual o consumo se dá segundo aspectos sociais e culturais, típicos de estudos antropológicas e sociológicas (BROWN; VERGRAGT, 2016; SCHAEFER; CRANE, 2005).

Segundo Deaton (1992), as seguintes perspectivas teóricas podem ser utilizadas para o entendimento desse tipo de consumo: a) perspectivas econômicas; b) perspectivas sistêmicas e de infraestrutura; c) perspectivas psicológicas sociais. As econômicas envolvem, por exemplo, a tomada de decisões microeconômicas e teorias alternativas determinantes para a análise do comportamento do consumidor segundo fatores culturais, sociais e institucionais.

As sistêmicas e de infraestrutura tratam de fatores contextuais influenciadores do comportamento ambiental dos indivíduos, sobretudo em relação à dinâmica dos sistemas tecnológicos e infraestruturas da sociedade (GRAHAM; MARVIN, 2001). As psicológicas sociais enfatizam a interação entre os estados mentais dos indivíduos com o contexto social como explicação do comportamento humano. Por fim, uma quarta perspectiva tem por base a noção de práticas sociais (LIU; OOSTERVEER; SPAARGAREN, 2016).

Este último enquadramento do consumo foi discutido por Halkier (2017) ao propor quatro grupos de pesquisas sobre consumo, segundo as quais este é entendido como: a) comportamento, envolvendo pesquisas sobre comportamento do consumidor e outros tópicos de marketing; b) identidade, para estudos voltados à Teoria da Cultura do Consumidor (CCT) e à sociologia do consumo; c) dinâmica cultural, trantando de aspectos da CCT como culturas de mercado, discursos de mercado e a produção de sentido para os consumidores, além de temas da sociologia do consumo, do marketing crítico, da geografia cultural e da cultura material; d) ou como parte das configurações sociais em pesquisas a que o autor se refere como de consumo “não-centrada no consumo”, uma vez que a análise se fundamenta em contextos socialmente, material e espacialmente organizados na forma de práticas sociais, não nos consumidores ou no próprio consumo.

Geels et al. (2015) apresenta algumas perspectivas teóricas (i.e. reformista, revolucionária e reconfiguração) para explicar as pesquisas sobre consumo e produção sustentáveis (SCP) (Quadro 2).

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Quadro 2 - Resumo de três posições ideais de SCP

Reformista Revolucionária Reconfiguração

Visão da produção

Concentra-se em empresas, produtos "verdes", processos de produção ecoeficientes e "ecologização" de cadeias de suprimento.

Crítica ao capitalismo, crescimento e obsessão pelo PIB.

Concentra-se em empresas e indústrias, regimes tecnológicos, rotinas, capacidades, mentalidades. Fundamentos para "nova

economia", iniciativas de base, produção descentralizada, serviços, sharing economy, de-growth.

Visão do consumo

Foco em consumidores individuais como compradores

Foco no consumismo e materialismo.

Foco nas práticas e na vida cotidiana, incorporadas em rotinas, hábitos, regras.

Visão positiva do consumo: soberania do consumidor, livre escolha, expressão de preferências.

Visão negativa do consumo: alienação, mercantilização como ameaça à ordem social, excesso de consumo.

Apelos por frugalidade, suficiência e foco no bem-estar em detrimento da riqueza.

Abordagens (exemplos)

Produção mais limpa, eco-inovação, gestão da cadeia de suprimentos ambiental, crescimento verde, mudança de comportamento pró-ambiental (marketing social, rótulos, arquiteturas de escolha).

Nova economia, de-growth, mudanças de valor (frugalidade, suficiência, simplicidade), mudança de estilo de vida (down-shifting), inovação de base, ecologia profunda, small-is-beautiful.

Perspectiva multi-nível, teoria das práticas sociais.

Fonte: Adaptado de Geels et al. (2015, p. 9).

Geels et al. (2015) indica que o rigor acadêmico e político dentro da posição “reformista” enfatiza a busca por inovações ecológicas pelas empresas e a compra de produtos ecoeficientes pelos indivíduos. Em contrapartida, críticas ao capitalismo, consumismo e materialismo são típicas da posição “revolucionária”, além da busca por valores como frugalidade, suficiência e localismo. Por fim, a posição de “reconfiguração” vai além da oposição entre as duas primeiras posições, visto que seu foco recai sobre transições em sistemas sociotécnicos (e.g. perspectiva multi-nível) e práticas cotidianas (e.g. teoria das práticas sociais).

Cada uma das posições considera diferentes problemas do SCP e diferentes visões acerca do consumo, da produção e da forma como eles interagem um com o outro. Assim, para as posições reformista e revolucionária, consumo e produção se apresentam em domínios separados, embora ligados por meio de transações de mercado, propagandas e marketing (i.e. posição reformista) ou pelo consumismo e o materialismo (i.e. posição revolucionária). Já na terceira posição (i.e. reconfiguração), fundamentada na ideia de transições para novos sistemas,

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estes domínios estão alinhados por múltiplos elementos, incluindo políticas, infraestruturas, modos de produção e práticas sociais (GEELS et al., 2015), que serão tratadas na seção subsequente.

2.2 Consumo sustentável como prática social

Não há convergência quanto à “uma teoria da prática”, mas discussões sobre um conjunto de teorias com ideias em comum fundamentadas nas perspectivas teóricas de Bourdieu, Giddens, Latour, Foucault e Butler (HALKIER; KATZ-GERRO; MARTENS, 2011). Além das contribuições desses pensadores, destacaram-se as de Schatzki (1996), Reckwitz (2002), que buscaram estender o trabalho iniciado por Giddens e Bourdieu. Shove e Pantzar (2005), Warde (2005) e outros estudiosos passaram a trazer a análise do consumo e da sustentabilidade para no campo da vida cotidiana com base nos avanços da teoria das práticas sociais impulsionado por Schatzki e Reckwitz.

“The Practice Turn in Contemporary Theory" foi um marco para a inserção da teoria das práticas como algo factível e alternativo à análise cultural (SCHATZKI, 2001). Desde então, a TdP vem sendo incorporada em muitas disciplinas e campos de estudo. Nesse sentido, a teoria das práticas se difundiu principalmente depois dos anos 2000, por meio de artigos de Andreas Reckwitz, os quais levantaram críticas às teorias culturais vigentes, uma vez que elas ignoravam aspectos materiais do cotidiano, dando ênfase exclusivamente em significados. A abordagem recente ainda foi responsável por tirar o foco das cognições do indivíduo, sem subestimar a sua racionalidade (KELLER; HALKIER; WILSKA, 2016).

No entanto, essa lente teórica foi trazida para o consumo pela primeira vez com o Consumption and Theories of Practice, de Alan Warde (2005), que deu início aos debates nessa abordagem atrelada ao estudo do consumo e foi seguido de outros estudiosos como Pantzar, Ropke, Shove e Southerton (HALKIER; KATZ-GERRO; MARTENS, 2011).

A TdP transpõe dualismos dominantes presentes nas abordagens dos estudos de consumo sob o enfoque da teoria social (BRAND, 2010). Isso ocorre visto que ela aproxima as abordagens individualista (i.e. o sistema social e as estruturas são responsáveis por determinar as atitudes dos indivíduos) e estruturalista (i.e. os indivíduos são o ponto de partida, reduzindo a sociedade à soma desses indivíduos e suas ações, sendo estas capazes de modelar a sociedade). Desse modo, possibilita a compreensão mais satisfatória em direção ao consumo sustentável (RØPKE, 2009; SPAARGAREN, 2011), pois atua como um ponto médio entre elas, onde as

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práticas representam um elemento mais importante do que os indivíduos que as executam ou as estruturas sociais que as cercam (HARGREAVES, 2011).

Assim, se apresenta como uma alternativa, ampla e holística, para campos interessados em estudar aspectos ambientais do consumo (RØPKE, 2009), em especial, no que tange às transformações de práticas que causam impactos ambientais negativos (SAHAKIAN; WILHITE, 2014).

A fim de discutir o consumo sob a abordagem da TdP, faz-se necessário compreender como fenômenos socias são entendidos dentro dessa abordagem, além das diversas definições de práticas socias difundidas na literatura.

Quanto ao entendimento do fenômeno social, Schatzki (2016a, p. 29) argumenta que “as teorias da prática estão unidas na crença de que os fenômenos sociais devem ser Analisados por referência a práticas, ações, e organizações e relações entre práticas” Por sua vez, práticas são concebidas como "variedades espaço-temporais abertas de atividades organizadas por entendimentos, regras e estruturas teleoafetivas” (SCHATZKI, 2016b, p. 5), ou seja, são atividades humanas organizadas. Para Schatzki (2005, 2016b) são exemplos as práticas religiosas, práticas políticas, práticas educacionais, práticas de gestão, práticas de esportes, práticas de produção, práticas de culinária, práticas de consumo, entre outras.

Na visão de Reckwitz (2002, p. 250), a prática é uma “forma rotinizada pela qual os corpos são movidos, os objetos são manipulados, os sujeitos são tratados, as coisas são descritas e o mundo é entendido”. É social, como um padrão que “[...] pode ser preenchido por uma multiplicidade de ações, e muitas vezes únicas, que reproduzem a prática, como obter uma carteira de motorista ou usar um aplicativo de compartilhamento de carros para a prática do compartilhamento de carros” (SÜßBAUER; SCHÄFER, 2018, p. 329).

Uma prática é mutável. As “práticas sociais podem ser entendidas em função de espaço específico, um período delimitado um contexto histórico concreto” (NICOLINI, 2009, p. 1394). Dessa forma, pode praticada de diferentes formas, pois varia com os tipos de ocasiões, e com os espaços físicos e temporais (TORKKELI; MÄKELÄ; NIVA, 2018).

Nicolini (2016) apresenta algumas características das práticas, a saber: a) são relacionadas, portanto, elas não existem de modo isolado (e.g. a prática de comer o café da manhã está relacionada com práticas de compras, práticas de trabalho, etc); b) são recursivas, uma vez que moldam e são moldadas pelo “social” (e.g. uma viagem de compras molda as práticas referentes à alimentação e, ao mesmo tempo, pode ser moldada por outras práticas, a exemplo de compromissos sociais); c) cada desempenho de uma prática é considerado uma

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ocorrência diferente, ou seja, os elementos constituintes dos desempenhos anteriores podem ou não estar envolvidos no desempenho atual.

Características das práticas também são elencadas por Spaargaren, Lamers e Weenink (2016): a) podem ser mais ou menos frequentes e visíveis em um plenário de práticas; b) podem apresentar padrões de distribuição distintos ao longo do espaço-tempo; c) podem ser agrupadas em redes mais amplas de práticas; d) podem, de modos mais ou menos rigorosos, estar relacionadas à outras práticas ou ser dependentes de outras práticas.

As práticas socias são constituídas por diferentes elementos segundo autores como Schatzki (2002), Reckwitz (2002), Warde (2005), Shove e Pantzar (2005), Shove, Pantzar e Watson (2012) e Torkkeli, Mäkelä e Niva (2018).

Inicialmente, os elementos das práticas foram propostos por Schatzki (2002, 2005, 2010). Os entendimentos podem se dar na forma de entendimentos práticos (i.e. noção de "saber" de como fazer as coisas, por meio de comportamento rotineiros) e gerais (i.e. envolve o significado da prática e questionamento sobre "o que estamos fazendo" a fim de entender quais atividades pertencem à pratica). As regras tratam de diretrizes e instruções explícitas para a realização da prática, o que envolve, por exemplo, ordenação de atividades a serem realizadas. Por fim, as estruturas teleoafetivas tratam de conjuntos de emoções, fins ou expectivas aceitas e compartilhadas pelos participantes da prática, tendo em vista uma situação futura da mesma. Reckwitz (2017) discute a perspectiva do estudo dos afetos na TdP sugerindo três princípios: “(1) os afetos não são subjetivos, mas sociais; (2) afetos não são propriedades, mas atividades; (3) afetos são estados de excitação física, de prazer ou desprazer, direcionados a alguma pessoa, objeto ou idéia definida” (pp. 118-119). Portanto, o estudo dos afetos nas práticas está vinculado ao reconhecimento da presença de afetos em uma sociedade, a qual não pode ser ignorada na análise de mudanças sociais. Em geral, aspectos efetivos podem ser associados à objetos, pessoas, ideias, atmosferas de lugar, ou às próprias práticas.

Reckwitz (2002) também contribuiu com a proposição de elementos da prática: corpo, mente, conhecimento, agente, estrutura, coisas, discurso e linguagem. No entanto, outros elementos foram apresentados se voltando para o campo do consumo. Isso se deu através das contribuições de Warde (2005) (i.e. entendimentos; engajamentos; procedimentos; itens de consumo), Shove e Pantzar (2005) (i.e. competências; produtos, significados), Shove, Pantzar e Watson (2012) (i.e. materiais; competências; significados). Mais recentemente, as contribuições de Torkkeli, Mäkelä e Niva (2018) (i.e. materiais, competências e significados, unindo elementos propostos por Shove, Pantzar e Watson (2012) aos procedimentos, engajamentos e entendimentos advindos de Warde (2005)).

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Shove, Pantzar e Watson (2012) definiram três elementos das práticas, que são reunidos em performances de ações: a) significados, envolvendo emoções, atividades mentais, e conhecimento motivacional; b) competência, que trata do conhecimento mais aprofundado na forma de know-how e compreensão para fazer algo; c) materiais, os quais envolvem objetos, ferramentas e a infraestrutura para a realização das práticas. Eles definem, ainda, hábitos como práticas, embora nem todas as práticas necessariamente precisem estar atreladas a uma reprodução habitual e rotineira. Especificamente sobre os materiais envolvidos em uma prática, Shove (2016) propõe algumas relações: de infraestrutura, orientação à dispositivos e base em recursos, conforme apresentado no quadro 3.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Shove (2016).

A prática de preparar uma refeição é um exemplo utilizado pela autora para explicar de que modo os materiais envolvidos das práticas exercem papeis específicos dentro dela. Coisas que têm uma relação de infraestrutura com a prática, no caso a de preparar refeições, são a casa e a cozinha. O freezer e o fogão teriam um papel orientado à dispositivos em relação à condução dessa prática enquanto a comida congelada representaria o recurso que é transformado e consumido no decorrer da prática.

Spaargaren, Lamers e Weenink (2016) elucidam “as regras e estruturas teleoafetivas que organizam as práticas, as emoções em jogo e as maneiras pelas quais as práticas sociais fazem parte de maiores feixes de práticas” (p. 8), enfatizando que estas devem ser levadas em conta a fim de obter um entendimento mais profundo da mudança social. Isto posto, sugerem que apenas mapear prática pelos seus componentes (e.g. como fazem Shove, Pantzar e Watson) não é suficiente para analisar mudanças nas dinâmicas sociais. Desse modo, entram em acordo para propor uma definição de práticas socias mais completa, combinando elementos de Schatzki e Shove:

Quadro 3 - Materiais: relações de infraestrutura, orientação à dispositivos e base em recursos Coisas em segundo plano (things in the background)

1

Definição de coisas que têm uma relação de infraestrutura com uma prática. Noção: infraestruturas.

Exemplo: casa, cozinha Coisas em ação (things in action) 2

Identificação de coisas que têm um papel orientado à dispositivos em relação à condução de uma prática. Noção: dispositivos.

Exemplo: freezer, fogão

Escrevendo sobre coisas que são usadas (things that are used up) 3

Identificação de coisas que são consumidas, transformadas ou incorporadas no decorrer de uma prática. Noção: recursos.

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"práticas sociais são compartilhadas, rotineiras, maneiras comuns de fazer e dizer, representadas por agentes humanos conhecedores e capazes que - enquanto interagem com os elementos materiais que co-constituem a prática - sabem o que fazer em seguida de maneira prática e não discursiva” (SPAARGAREN; LAMERS; WEENINK, 2016, p. 8).

Vale ressaltar, no entanto, que Schatzki e Shove diferem quanto ao entendimento do arranjo material proposto pelo primeiro em comparação com o elemento material defendido pela segunda. Segundo Spaargaren, Lamers e Weenink (2016), na concepção de Schatzki (2002, 2016b), o arranjo material é construído e manipulado por meio de fazeres e dizeres dos participantes da prática. Já Shove, Pantzar e Watson (2012) consideram o elemento material tão significativo quanto os demais elementos, a saber: significados e competências.

Ilustrando como as práticas estão sujeitas a processos de surgimento, estabilidade, mudança ou desaparecimento, Shove, Pantzar e Watson (2012) apresentam três cenários possíveis de configurações entre elementos: proto-práticas, práticas e ex-práticas (Figura 1).

Figura 1 - Proto-práticas, práticas e ex-práticas

Fonte: Adaptada de Shove, Pantzar e Watson (2012, p. 25).

No cenário de uma “proto-prática”, os elementos se dispõem de modo desconexo até as conexões serem feitas no momento adequado para a composição da prática, ou seja, para a sua efetiva existência. Após esse momento, as conexões entre elementos possibilitam a reprodução e sustentação dessa “prática”, constituindo o segundo cenário. O cenário de “ex-prática”, por sua vez, ocorre no momento de enfraquecimento e quebra dos links entre elementos, gerando desconexões e a formação de novas configurações dos mesmos, seja pela saída ou entrada de outros elementos da prática (SHOVE; PANTZAR; WATSON, 2012).

As práticas socias podem ser caracterizadas segundo modalidades de interconexões ou agrupamentos. Para tanto, diversos são os esforços teóricos visando conceituar essas

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modalidades e identificar quando elas ocorrem (SPAARGAREN; LAMERS; WEENINK, 2016), como mostra o quadro 4.

Quadro 4 - Modalidades de interconexões ou agrupamentos de práticas

Aporte Teórico Conceito Quando ocorrem...

Schatzki(2002, 2005, 2012, 2016a, 2016b); Shove, Pantzar e Watson (2012) Feixes ou Feixes de arranjos de práticas (Bundles ou Practice-arrangement bundles)

Quando práticas e arranjos materiais se relacionam, ou padrões emergem de relações de co-localização e coexistência.

Schatzki (2016a) Plenário de práticas (Plenum of practices)

Quando todos os feixes de arranjos de práticas existentes indicam que os aspectos básicos de todos os fenômenos sociais são uma peça.

Shove, Pantzar e Watson (2012)

Complexos de práticas (Complexes of practices)

Quando feixes de arranjos de práticas estão situados em locais específicos (e.g. aeroportos, hospitais ou parques industriais) e cada vez mais interdependentes no tempo e no espaço. Oosterveer e Sonnenfeld (2012) Cadeias ou Nexos de práticas (Chains ou Nexuses of practices)

Quando cadeias bem definidas de práticas interconectadas são evidenciadas por meio das lentes da prática.

Lamers e Van Der Duim (2016)

Práticas de conexão ou Mediação (Connecting ou

Mediating practices)

Quando tipos específicos de práticas (práticas de conexão) aparecem junto à outros tipos de práticas sociais existentes, integrando-as em feixes de arranjos de práticas.

Warde (2016) Prática composta

(compound practice) Quando práticas interligadas formam uma prática. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Spaargaren, Lamers e Weenink (2016) e Warde (2016).

Como observado no quadro 3, muitos conceitos estão relacionados às modalidades de interconexões ou agrupamentos de práticas (feixes, plenário, complexos, cadeias, nexos, práticas de conexão, prática composta). Em sentido mais amplo, Schatzki (2016a) afirma que o plenário de práticas denota as semelhaças ontológicas entre todos os assuntos sociais, de modo a ser entendido que um todo fenômeno social representa um aspecto do plenário de feixes de arranjos de práticas. Dentro dessa perspectiva, tem-se o conceito: feixes de arranjos de pratica, que Schatzki (2012) acredita tais feixes são formados a partir do relacionamento entre práticas sociais e arranjos materiais, os quais incluem coisas, tecnologias, objetos, infraestruturas, ferramentas, corpos humanos. Warde (2016) utiliza o termo pratica composta (compound practice) para se referir à praticas interligadas que formam uma única prática composta. O autor cita como exemplo desse tipo de prática, as práticas alimentares, que, em geral, evolvem práticas de compra, de preparação, de consumo, além de outras práticas, como práticas de produção, de distribuição, de varejo.

Enquanto as práticas afetam, dão significado e são inseparáveis dos arranjos, estes são fundamentais para a ocorrência das práticas e das atividades que as compõem (e.g. práticas de cozinhar e as atividades que as constituem afetam arranjos de alimentos e ferramentas nas

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cozinhas enquanto os arranjos são indispensáveis para tais práticas) (SCHATZKI, 2016b). Assim, considerando todas contribuições de Schatzki, Spaargaren, Lamers e Weenink (2016, p. 13) optam por conceituar feixe de arranjos de práticas como “conjuntos de práticas sociais e arranjos materiais que se unem e se interconectam de maneiras mais ou menos fortes e duradouras.” Ainda, Shove, Pantzar e Watson (2012) afirmam que feixes de arranjos de práticas são padrões soltos baseados em relações de co-localização e coexistência.

Lamers e Van der Duim (2016) utilizaram três etapas no processo de práticas se tornando um feixe de arranjos de práticas para estudar parcerias de turismo de conservação. As três etapas são ilustradas na figura 2.

Figura 2 - Três etapas no processo de práticas se tornando um feixe de arranjos de práticas

Fonte: Adaptada de Lamers e Van der Duim (2016, p. 182).

Na concepção dos autores, as parcerias de turismo de conservação resultariam de conexões entre três práticas existentes: práticas de conservação de ONGs (Prática A), práticas de meios de subsistência de comunidades locais (Prática B), e práticas de negócios de empreendedores turísticos (Prática C).

Portanto, seriam um feixe de arranjos de práticas a partir de práticas de conexão, que facilitariam a ocorrência de “pontes” (bridging) entre suas três práticas constituintes. Aqui, as parcerias de turismo de conservação existem e se reproduzem através de práticas recorrentes (A, B e C), as quais geram interdependências particulares e características destas parcerias.

As práticas de conexão utilizadas foram práticas de construção, gerenciamento e sustentação da parceria, por meio de atividades como reuniões regulares do conselho de administração. Como resultado, os autores observaram que o feixe permaneceu estável, assim como as práticas de conexão, que mudaram as três praticas iniciais constitutivas, e a organização material das parcerias (e.g. estabelecimento de lojas e área de conservação).

Prática A Prática A Prática A

Prática de conexão

Prática de conexão

Prática B Prática C Prática B Prática C Prática B Prática C

Etapa 1: constituindo

práticas

Etapa 2: feixe por meio de uma

prática de conexão

Etapa 3: alterando o feixe

(31)

Trabalhos teóricos de autores representantes da TdP, Schatzki, Shove e colaboradores, foram utilizados por Lamers e Van der Duim (2016) como base para a elaboração das três etapas do processo de práticas se tornando um feixe de arranjos de práticas (Figura 2). Nessa lógica, observam-se paralelos dessas etapas com os cenários de configuração entre elementos das praticas elaborados por Shove, Pantzar e Watson (2012).

Lamers e Van der Duim (2016) usam os elementos propostos por Schatzki (2002, 2005, 2010) para destacar o papel importante desses (entendimentos, regras e estrutura teleoafetivas) nas conexões entre práticas existentes. Os autores compreendem que “as atividades, entidades, entendimentos, regras e teleologias que estão em ação em qualquer interação ou situação são elementos de fenômenos - práticas, arranjos e feixes - que se estendem ao longo do tempo e no espaço além dessas situações” (SCHATZKI, 2016a, p. 32-33).

Conforme ilustrado acima na figura, a etapa 1 trata da identificação e do entendimento das práticas constituintes. A formação de um feixe, conhecida com etapa 2, envolve como, por quem e em que medida as práticas componentes se tornam interligadas por meio de uma ou mais práticas de conexão. Já a etapa 3 trata da alteração do feixe, isto é, analisa que mudanças podem ser provocadas ou percebidas a partir da efetiva formação do feixe por meio da integração das práticas de conexão às práticas existentes. O estudo do processo de práticas sociais se tornando um feixe a partir dessas etapas evidenciam o que Strengers e Maller (2015) afimam ser potencias pontos de invervensão para a sustentabilidade, advindas de mudanças identificadas na composição de feixes de práticas.

Levando as lentes da prática para o campo do consumo, entende-se o consumo como parte de configurações sociais, sendo analisado por meio de práticas sociais (HALKIER, 2017). Essas práticas são constituídas e reproduzidas por consumidores e produtores envolvidos em diversas formas de consumo (SHOVE; PANTZAR, 2005). Nessa perspectiva, a definição de consumo adotada em estudos à luz da TdP:

“Um processo pelo qual os agentes se engajam em apropriação e apreciação, seja para fins utilitários, expressivos ou contemplativos, de bens, serviços, desempenhos, informações ou ambiência, comprados ou não, sobre os quais o agente tem alguma discricionariedade” (WARDE, 2005, p. 137).

Ainda para o autor, vale ressaltar que, nesta definição, a “apropriação” (appropriation) significa atividades práticas visando fins pessoais ou sociais que implicam no uso de bens e serviços. Já a “apreciação” (appreciation) tem relação com processos de significação ao uso e provisão.

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A TdP põe sob enfoque aspectos da ação deixados em segundo plano pela análise cultural: rotina e o sequenciamento, consciência prática e corporificação, materiais implicados associados ao momento do consumo (WARDE, 2014). Sob a lente teórica das práticas, o consumo representa uma prática e o indivíduo é o seu praticante, “portador” (carriers) (RECKWITZ, 2002) ou “anfitrião da prática” (hosts of a practice) (SHOVE; PANTZAR; WATSON, 2012). Como em quase todas as práticas, esta requer o uso de diferentes recursos materiais, como equipamentos, ferramentas e infraestruturas para a sua realização (RØPKE, 2009). O ato de consumir é considerado um momento dentro das práticas, ocorrendo de forma contínua e inter-relacionada com outras práticas da vida cotidiana, sendo assim, originado e explicado por elas (WARDE, 2005).

Jaeger-erben e Offenberger (2014) propõem a ideia de um “iceberg” do consumo para explicar a relação entre atos de consumo momentâneos, observáveis e rotineiros (e.g escolha de produtos), como componentes das performances de práticas sociais, afinal, estas refletem somente a parte visível do iceberg (Figura 3).

Figura 3 – O iceberg do consumo

Fonte: Jaeger-Erben e Offenberger (2014, p. 171).

O iceberg, por sua vez, inclui, submersa, toda uma gama de práticas entendidas como entidades, sujeitas à ordem social e, por isso, passíveis de adaptação, apropriação ou evolução. A ponta do iceberg é constituída por ações ou comportamento de consumo isolados na performance da prática, observável externamente, já embaixo estão presentes significados, competências e materiais (elementos da prática) (SPURLING et al., 2013). Segundo Maller (2015), a prática como entidade, não os indivíduos, é foco dos estudos sobre TdP associada ao

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