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5.3 Práticas de compra, preparação e consumo de Slow Food

5.3.2 Prática de preparação e o Slow Food

Os elementos materiais presentes na prática de preparação de Slow Food foram aqueles relacionados à infraestrutura, recursos e pessoas envolvidas na prática e que estavam ligados aos significados e às competências apresentados. Os recursos, transformados durante a prática, são os alimentos e pratos preparados e consumidos pelos entrevistados: alimentos orgânicos comprados na feira, em especial frutas, legumes e verduras, e os regionais. Dentre os exemplos ilustrativos:

“[...] arroz, feijão, macarrão, geralmente tem verduras também, tem couve, tem cenoura ralada, refogada, berinjela, abobrinha também, a gente faz refogada” (Jessica, 58, Benfica)

“Sim, preparo. Tapioca, cuscuz [...]” (Julia, 23, Benfica).

“Minha alimentação é basicamente toda preparada em casa. Então, o café da manhã normalmente é tapioca, omelete, crepioca. Derivados de ovo com coma [...] O almoço também é preparado em casa... que é legumes com a proteína e uma salada de folha [...] Eu como meus lanches, normalmente são frutas [...] O jantar é cuscuz com frango, com alguma coisa que tenha desfiada ou uma sopa, também é quase um derivado do almoço, que é legumes com carne” (Samuel, 32, Caroá).

“[...] arroz, feijão, verduras, salada de verduras e frutas, legumes cozidos, sempre tem alguma alternativa, alguma coisa com batata, ou purê, ou batata ao forno. A gente sempre tem o grão de bico” (Nicolas, 38, Benfica)

O background de ocorrência da prática de preparação é a cozinha. Os participantes da pesquisa citaram ao longo das entrevistas materias que consideravam representativos de suas rotinas de preparação. Além disso, enviaram fotos de suas cozinhas, nas quais outros elementos

materias ou a ausência deles foram observados pela pesquisadora. As cozinhas, em geral, não são grandes e os entrevistados não dispõe de muitos dispositivos na forma de eletrodomésticos de cozinha. Com base nas fotos, os dispositivos que mais se destacaram foram o fogão, a geladeira, o liquidificador, panelas, frigideiras, cuscuzeiras (Figura 13).

Figura 13 – Cozinhas dos entrevistados

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Não foi observada a presença de dispositivos como microondas e airfryer nas fotos das cozinhas dos entrevistados, assim como isso foi expressado nas entrevistas. Outros, como Hanna, relataram ter dispositivos como o microondas, mas não utilizam, optam pelo fogão. O depoimento de Alice foi representativo de possíveis razões para a não utilização desses dispositivos na prática de preparação, pois considera que não são saudáveis, já Samuel, alia esse aspecto ao consumo.

“Eu não tenho nenhuma daquelas airfryer, eu não tenho” (Rebeka, 36, Benfica)

“Tenho [microondas] porque ganhei de presente. Mas eu preparo mais a comida no dia a dia. E muitas vezes esquento no fogão. Preparo no dia a dia no fogão, não uso o microondas. Minha cozinha tem poucos eletrodomésticos” (Hanna, 36, Benfica).

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“Eu não utilizo microondas justamente por conta dessa vibe natureba, não tenho aquela airfryer porque eu não acho saudável. Então, é fogo mesmo” (Alice, 52, Caroá).

“[...] coisa industrializada, coisa pronta, tipo, de descongelar e colocar no microondas... é muito raro eu comer esse tipo de alimentação” (Samuel, 32, Caroá).

Na figura 14 são apresentados alguns exemplos de materiais envolvidos na prática de preparação, os quais foram citados pelos participantes da pesquisa ao longo das entrevistas.

Figura 14: Utensílios de cozinha dos entrevistados

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Panelas de pressão e frigideiras foram dispositivos bastante mencionados pelos entrevistados. Outros materiais citados foram cuscuzeira e cafeteira. As falas dos entrevistados em conjunto com as fotos que a pesquisadora teve acesso mais uma vez revelam a presença de poucos utensílios utilizados na prática de preparação.

“Eu tenho tipo uma frigideira funda, com tampa” (Ana, 24, Benfica)

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“São utensílios comuns, frigideira que a gente usa, panelas de pressão. São os mesmos utensílios que a gente prepara todos os alimentos” (Nicolas, 38, Benfica)

“Eu tenho uma panela antiaderente, uso ela pra tudo quanto você imagina. Só tenho uma antiaderente, então uso ela pra fazer tudo” (Sophia, 33, Caroá). “Ah, a cuscuzeira é o mais importante [...] A gente utiliza outras coisas normal, frigideira, panela de pressão, mas o que tem que ter é a cuscuzeira” (Samuel, 32, Caroá)

“Pronto, só minha panela de pressão e minha cafeteira” (Rebeka, 36, Benfica). Utensílios utilizados para manusear os alimentos também foram citados. Ao que parece, a presença de colheres e espátulas de silicone em vez de outras feitas de outros materiais, como alumínio, é relevante para a prática no que concerne ao material adequado para o esse manuseio, conforme representado nas falas de William, Diana, Jessica e Hanna:

“Agora, sim, a gente não usa coisa de alumínio, a gente baniu” (William, 52, Caroá)

“[...] tenho uma colherzinha azul de silicone [...]” (Diana, 25, Benfica) “[...] uma espátula de silicone pra mexer” (Jessica, 58, Benfica)

“Eu uso muito as panelas, aquelas colheres grandes de silicone, as espátulas de silicone porque eu não gosto de usar de alumínio nem de madeira porque eu já li que não é bom preparar comida com esse tipo de utensílio, então eu preparo geralmente com esses de silicone” (Hanna, 36, Benfica)

A prática de preparação de Slow Food está relacionada à significados atribuídos ao prazer na atividade de cozinhar, significados sobre o que é um bom alimento, um alimento sustentável e um alimento ou prato local, típico do Ceará.

Para a maioria do grupo, preparar ou cozinhar alimentos é uma atividade prazerosa. Eles gostam de cozinhar, exceto Alice, que considera chata e trabalhosa. Os demais demonstram sentir prazer na atividade em diferentes níveis por meio do uso de expressões como “gosto”, “gosto muito”, “sinto prazer”, “relação afetiva”. Alguns exemplos ilustrativos:

[...] eu não sou uma pessoa que gosta de cozinhar [...] eu acho uma coisa muito chata, muito trabalhosa” (Alice, 52, Caroá)

“Pra mim, sim, gosto [...]” (Nina, 44, Caroá)

“Sim, é uma das coisas que eu mais gosto” (Ana, 24, Benfica) “Gosto, gosto muito aliás” (Rebeka, 36, Benfica).

“Eu gosto de fazer ali aquele pouquinho pra duas pessoas, pensar no que eu vou fazer. Então, eu sinto prazer assim e eu acho que tem essa relação afetiva” (Sophia, 33, Caroá)

No âmbito da prática de preparação, o significado de um bom alimento está ligado à ideia de um alimento saudável, livre de agrotóxicos, orgânico e ao respeito à época de produção (sazonal). Essa visão pode ser percebida por meio dos depoimentos:

“Ah, tem que ser saudável [...] então não pode mesmo ter agrotóxicos (Jessica, 58, Benfica).

“Pra mim, essa questão de ser saudável, né, de ser orgânico” (Alice, 52, Caroá).

“Tá, primeiro, o lance da estação. [...] A outra coisa, é a coisa dos agrotóxicos [ser livre de agrotóxicos], isso é, absolutamente, decisivo” (William, 52, Caroá).

Outro significado atribuído pelos entrevistados está relacionado à um alimento capaz de porporcionar boas sensações ao corpo por ser nutritivo e saboroso, conforme as falas de Ana e Nina:

"[...] um bom alimento é aquele que você vai comer e você vai se sentir bem depois que comer ele, é aquele que, ao mesmo tempo que ele é gostoso, ele nutre o seu corpo." (Ana, 24, Benfica)

“[...] um alimento que, além de dar prazer, em relação ao paladar também nutre o corpo [...]” (Nina, 44, Caroá)

Por sua vez, o significado de um alimento sustentável foi conexo com um alimento que, em sua produção, respeita a natureza, os produtores locais e a agricultura familiar, como presente na fala de Diana. Outro significado atribuído ao alimento sustentável foi o de um alimento natural, sazonal, de produção orgânica ou agroecológica, local, em visões elucidas por Ana, Rebeka e Samuel, por exemplo.

“Então, é esse alimento que é pensado realmente nessa questão de respeito à natureza, respeito a quem tá fazendo aquele trabalho” (Diana, 25, Benfica). “[...] tá ligado, por exemplo, tem alimentos que correspondem à certas épocas do ano, então acho que um alimento sustentável, a gente se alimenta respeitando a natureza [...] respeitando a agricultura familiar [...]” (Ana, 24, Benfica)

“É um alimento que é natural, que não agride a natureza” (Rebeka, 36, Benfica)

“Ah, o alimento sustentável, vai bem mais além [...] que a produção tenha sido agroecológica, que, preferencialmente, seja orgânico, que seja feito por uma produção de proximidade” (Samuel, 32, Caroá).

Diante da pergunta "Para você, o que é um alimento ou prato local, típico do Ceará?", os entrevistados responderam através de exemplos, ou seja, não definiram o que, para eles, seria um alimento ou prato local. Entretanto, o que, de fato, foi demonstrado foi um significado compartilhado sobre o que representaria esse tipo de alimento ou prato local, típico do Ceará, além de uma competência sobre reconhecê-los, uma vez que, na maioria das vezes, foram citados exemplos parecidos. Os exemplos incluiam frutas, legumes, doces à base de cajú, bebida (cajuína), pratos leves e considerados típicos, os quais serão apresentados nos resultados relativos às competências envolvidas na prática de prepação. A partir dos exemplos, identificou- se que, em geral, o significado de um alimento ou prato local, típico cearense, envolve alimentos e pratos regionais saudáveis, fáceis de serem preparados, leves de serem digeridos, e que podem ou não serem adquiridos nas feiras orgânicas ou agroecológicas.

As competências envolvidas na prática de preparação se vinculam aos significados apresentados anteriormente. Nesse sentido, foi identificado que todos os entrevistados sabem cozinhar. Variações quanto à essa competência estão associadas ao nível de conhecimento pratico e engajamento com a atividade, além do perfil demográfico, como idade e estado civil. Por exemplo, a entrevistada mais jovem, Julia, de 23 anos, revela que sabe fazer algumas coisas na cozinha enquanto Diana, de 25 anos, cozinha mais pelo fato de sua alimentação ser vegetariana.

“Geralmente, é minha mãe, ela que cozinha. Eu faço só algumas coisas” (Julia, 23, Benfica).

“Na minha casa, só eu e minha mãe. Então, cozinha eu e cozinha ela mesmo, mas, pra mim, como eu tenho uma alimentação vegetariAna estrita, né, eu cozinho mais as minhas porções de alimentos” (Diana, 25, Benfica).

Os entrevistados do sexo masculino que são casados afirmaram cozinhar sozinhos ou acompanhados das esposas ou dando suporte à elas, conforme os exemplos de William e Nícolas:

“Em casa, eu cozinho, a Maria, minha esposa, cozinha [...] pra jantar a gente faz junto, mas, assim, quando eu vou pra cozinha eu não gosto de muita gente perto não [...] (William, 52, Caroá)

“[...] eu cozinho às vezes ou então apoio ela [esposa] no preparo dos alimentos” (Nicolas, 38, Benfica).

Todo o grupo entrevistado sabe utilizar utensílios e recursos da cozinha, o que constitui uma competência necessária a ocorrência da prática. Os entrevistados demonstraram ser capazes de associar a funcionalidade de um utensilio (elemento material da prática) ao modo mais adequado de preparar determinado alimento ou prato. Por exemplo, a fala de Alice sobre utilizar uma cuscuzeira como um item que está associado à esquentar comidas no vapor, e, ainda nessa lógica, o depoimento de Samuel:

“[...] eu esquento muito comidas no vapor, então cuscuzeira é muito usada [...]” (Alice, 52, Caroá).

“[...] eu faço minha comida no vapor e, aí, se não tiver cuscuzeira, não tem almoço porque eu preciso fazer os legumes e tal e precisa fazer no vapor, e é o melhor utensílio de fazer” (Samuel, 32, Caroá).

Um dos achados da pesquisa foi a identificação da prática de levar refeições preparadas em casa para o trabalho ou outros ambientes. Nesse sentido, os entrevistados revelaram levar refeições preparadas em casa, advindos da compra de alimentos da feira, para o consumo fora de casa, com excessão daqueles que, em geral, realizam as refeições em casa. Os depoimentos de Samuel, Ana e Jessica são exemplos dessa prática.

Sim, levo refeição pro trabalho todos os dias. Eu levo em uns potinhos, levo em potinhos separados pra não misturar, tipo, carnes, legumes juntos na hora que eu for comer e, aí, os potinhos vão dentro de uma lancheira. Ah é isso, e levo os talheres (Samuel, 32, Caroá)

É, eu diria que eu sou uma marmiteira profissional. Passo o dia fora de casa, aí eu levo marmita de café da manhã, marmita de almoço, lanche da tarde, as vezes até janta (Ana, 24, Benfica)

Como observado, preparar mamita em casa (elemento material) para levar para o trabalho faz parte da rotina de Samuel e Ana. Nas fotografias enviadas por cada um deles para a pesquisadora podem ser identificados elementos materiais dessa prática por meio dos depósitos, a lancheira, e os próprios alimentos (i.e. feijão preto, frango, salada de verduras e uma fruta) (FIGURA 15).

Figura 15: Pratica de levar marmita para o trabalho

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Outra competência envolvida na prática trata da aquisição de conhecimento por meio de materiais como receitas na internet, livros. Nesse sentido, todos os entrevistados demonstraram interesse na busca de informações sobre a alimentação ou o preparo em diferentes níveis. Alguns, como o caso de Hanna, buscam quando desejam preparar algo diferente. Outros, demonstraram gostar de procurar receitas com mais frequência, a exemplo de Ana, ou investir em outros materiais, como livros. Somente um dos entrevistados afirmou raramente fazer esse tipo de coisa.

“[...] quando eu quero preparar alguma comida diferente [...] nesse sentido, eu procuro mais receitas [...]” (Hanna, 36, Benfica).

“[...] geralmente eu procuro vídeo no YouTube, com receita. Tem até um canal que eu gosto muito [...] (Ana, 24, Benfica)

“[...] a gente tá começando a estudar a história da alimentação, hoje chegaram dois livros aqui sobre o tema [...] a gente procura sim, em sites, blogs, na internet, principalmente” (William, 52, Caroá).

No contexto da preparação, o grupo demonstrou conhecimento sobre aspectos sensoriais, de saúde e de sustentabilidade ambiental, ligada à proveniência do alimento, isto é, à sua compra. Os aspectos sensoriais se deram, sobretudo, por meio de conhecimentos que os entrevistados externaram em discursos sobre como o sabor dos alimentos estava sendo comprometido pela indústria, como o trecho ilustrativo em que Diana comenta:

"[...] o pessoal não sabe dá valor ao alimento, tipo, perdeu já realmente esse senso de, não só de sabor, mas, principalmente o que pega mais pesado é essa

questão do sabor. O pessoal, realmente, tem um paladar que vicia, a indústria faz questão disso" (Diana, 25, Benfica).

Ainda nesse sentido, William fala sobre como passou a perceber que o sabor dos produtos orgânicos é melhor do que o de produtos que têm agrotóxicos, além de demonstrar saber que a boa estética de um produto nem sempre é garantia de um bom sabor quando se trata de orgânicos:

"[...] nem sempre a beleza, a aparência bonita de um produto garante o seu bom sabor, né, então isso, pra gente, é uma outra coisa. As vezes um produto orgânico, ele não é tão bonito quanto um produto que tem agrotóxico, mas o sabor dele é melhor." (William, 52, Caroá).

O conhecimento sobre macro aspectos do consumo alimentar sustentável também foi expressado pelos entrevistados. Dentre eles, conhecimentos acerca da cadeia produtiva dos alimentos e impactos à saúde pelo uso de agrotóxicos, presentes no discurso de Sophia, e o fato de estarem cientes sobre o que é colocado na comida, por saberem a origem da compra, na feira, como evidenciado na fala de Nina.

“[...] a cadeia produtiva é longa, não começa ali no supermercado. Tem toda uma questão por traz e, além disso, sabendo também que agrotóxicos podem, sim, fazer mal à saúde, tem muita informação [...]” (Sophia, 33, Caroá)

“[...] eu sei o que eu estou colocando na comida, entendeu? Eu gosto de comer a minha própria comida porque eu sei qual foi o tempero que eu usei, qual foi o legume que eu usei, entendeu?” (Nina, 44, Caroá).

Tais conhecimentos consistem em competências relacionadas ao entendimento de um bom alimento, visto que propiciam a criação de links entre significado e conhecimento prático necessário para a ocorrência de uma prática de preparação na lógica do Slow Food.

Não foi demonstrado conhecimento sobre sustentabilidade no nível social quanto ao significado de um bom alimento. No entanto, esse tipo de conhecimento foi relevante para o significado de um alimento sustentável. Assim sendo, a competência associada ao significado desse tipo de alimento no contexto da prática de preparação foi identificada em relatos onde os entrevistados expressavam saber sobre a origem dos alimentos utilizados, advindos de produtores locais, a exemplo de Ana. Nicolas, por sua vez, demonstrou saber sobre como a produção do pequeno agricultor é uma forma de vida que funciona no país, mas que está perdendo espaço.

“[...] só que eu sei a origem dele. É um alimento, assim, de um produtor local [...]” (Ana, 24, Benfica).

“O produtor, quem é o produtor [...] você tem que entender que você está apoiando uma forma de vida que funciona muito bem no Brasil e que tá perdendo espaço” (Nicolas, 38, Benfica).

Os entrevistados também demonstraram conhecimento sobre aspectos de sustentabilidade ambiental envolvidos no significado de um alimento sustentável. Demonstram saber, por exemplo, que um alimento sustentável é aquele que em sua produção não prejudicou a natureza, que não tem em sua produção a presença de agrotóxicos, como ilustrado nas falas de Ana e Nina:

“[...] não é um alimento que destruiu a natureza [em sua produção], que teve algum efeito negativo, assim, ou teve menos” (Ana, 24, Benfica)

“[...] é um alimento que não é produzido com esse excesso de agrotóxicos que a gente sabe que existe dentro do Brasil” (Nina, 44, Caroá).

Os entrevistados demonstraram um conhecimento compartilhado com relação ao entendimento do que é um alimento ou prato local, típico do Ceará. Dessarte, todos reconhecem e preparam alimentos e pratos locais em diferentes níveis. Frutas, legumes, doces à base de cajú, bebida (cajuína), pratos leves, foram predominantes nos discursos:

“Tapioca, rapadura, baião de dois, deixa eu ver o que mais...ah, esses aí, eu acho que são o que mais me lembrou, mas, assim, pra mim, é tapioca, cuscuz” (Samuel, 32, Caroá)

“[...] feijão verde...amo. [...] Farofa...cajuína natural, doce de caju” (Sarah, 27, Caroá)

“Caju, minha filha, com certeza. É uma fruta típica daqui” [...] (Nina, 44, Caroá)

“[...] feijão, baião [...] muito milho [...]” (Rebeka, 36, Benfica).

Alguns pratos à base de carne foram reconhecidos como locais, no entanto parte dos entrevistados afirmou optar pela não preparação deles. Em tais casos, eram considerados pratos pesados ou trabalhosos de serem preparados, ou quando alguém dizia ser vegetariano, ou que tinha parado ou estava reduzindo o consumo de carne, a exemplo dos seguintes depoimentos:

“Só não preparo aqueles bem típico...como panelada, buchada, sarrabulho. [...] Eu sempre preparo pratos típicos mais fáceis por assim dizer” (Hanna, 36, Benfica).

“Comia a carne de sol também, mas parei” (Sarah, 27, Caroá).

A síntese dos elementos constituintes da prática de preparação de Slow Food é apresentada no quadro 17.

Fonte: Elaborado pela autora (2020).

Para que a prática de preparação de Slow Food possa ser desempenhada pelos consumidores das feiras, é necessária uma infraestrutura, representada pela cozinha. Em geral, as cozinhas não são grandes e os consumidores não dispõem de muitos eletrodomésticos neste ambiente ou alguns dispositivos que consideram prejudiciais à saúde se utilizados para a preparação das refeições (e.g. microondas e airfryer). No entanto, embora os consumidores detenham poucos dispositivos, a realização da prática ocorrre sem prejuízos, visto que eles têm os materiais necessários para transformar e manusear os recursos utilizados na prática: fogão, geladeira, liquidificador, panelas, frigideiras, cuscuzeiras, colheres de silicone. Nesse processo, buscam informações e receitas em livros ou na internet (e.g. mídias sociais). Os recursos

Quadro 17 - Síntese dos elementos da prática de Preparação de Slow Food PREPARAÇÃO DE SLOW FOOD

MATERIAIS SIGNIFICADOS COMPETÊNCIAS

- Background: cozinhas, em geral não são grandes.

- Dispositivos: fogão, geladeira, liquidificador, marmita, panelas, frigideiras, cuscuzeriras, colheres de silicone.

- Receitas em mídias sociais, sites de busca, livros.

- Prazer na atividade de cozinhar

- Todos sabem cozinhar

- Todos sabem utilizar utensílios e recursos da cozinha.

- Todos demonstram interesse na busca informações sobre o preparo em diferentes níveis. - A maioria leva refeições preparadas em casa para o trabalho ou outros ambientes.

- Recursos: alimentos orgânicos comprados na feira, em especial frutas, legumes e verduras.

Bom alimento: - Saudável

- Sem agrotóxicos, sazonal, orgânico - Proporciona boas sensações ao corpo por ser nutritivo, saboroso, gostoso

- Conhecem aspectos sensoriais, de saúde e de sustentabilidade ambiental

Alimento sustentável: - Produção respeita a natureza, os produtores e a agricultura famíliar. - Natural, sazonal, de produção agroecológica ou orgânica, local.

- Sabem sobre aspectos de sustentabilidade social e ambiental

- Recursos: caju, doce de caju, alimentos à base de milho, cajuína, rapadura, macaxeira, baião de dois, tapioca, cuscuz.

- Recursos pouco preparados: panelada, buchada, carne de charque, carne de sol.

Alimento ou prato local: - Saudáveis, fáceis de preparar, leves de digerir, e podem ou não serem adquiridos nas feiras.

- Todos reconhecem e preparam alimentos e pratos locais em diferentes níveis.

- Alguns afirmaram optar por não preparar pratos à base de carne

envolvios na prática são produtos sustentáveis adquiridos nas feiras (e.g. alimentos orgânicos, em especial frutas, legumes e verduras) e alimentos regionais (e.g. caju, doce de caju, alimentos à base de milho, cajuína, rapadura, macaxeira, baião de dois, tapioca, cuscuz).

O prazer na atividade de cozinhar é o significado central para a realização da prática de preparação de Slow Food. Aliado à ele, outros significados revelados pelos consumidores acerca do que é um bom alimento, um alimento sustentável e um alimento local, típico do Ceará, no âmbito desta prática. Eles consideram que um bom alimento está ligado à ideia de saúde, ser livre de agrotóxicos, ser orgânico e respeito à época de produção (sazonal), além de ser capaz