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Slow Food: história, organização e projetos

O Slow Food é um movimento que busca promover o prazer e o convívio para os consumidores, além de desafiar a difusão de uma cultura fast-food ao se posicionar como uma alternativa de produção, compra, preparação e consumo de alimentos ao sistema vigente na indústria alimentícia (LABELLE, 2004; MIELE; MURDOCH, 2002).

Van Bommel e Spicer (2011) relatam que o movimento é resultante de uma série de protestos iniciados na Itália, em 1986, quando foi anunciada a abertura de um McDonalds, empresa representante do modelo de negócios de fast foods, perto das escadarias da Piazza di Spagna (Praça de Espanha), situada em Roma. Na época, o jornalista italiano Carlo Petrini, criador do Slow Food, liderou a formação de um grupo de ação que compartilhava preocupações com relação à possível americanização da culinária italiana. Segundo os autores, esta se daria por meio da presença de redes de fast foods, como o McDonalds, as quais seriam responsáveis por padronizar comidas de baixa qualidade e o perecimento da culinária local.

A distribuição de pizzas, comida tipicamente italiAna, feitas à mão e em casa, foi a forma de protesto escolhida para se contrapor aos sanduiches produzidos em massa no McDonalds. Nesse sentido, inicialmente, o objetivo do Slow Food era de caráter gastronômico. Em 1989, este culminaria na elaboração do Manisfesto pelo Slow Food, um marco da efetiva criação do movimento (MYERS, 2013).

Por volta da metade da década de 1990, o Slow Food se tornou oficialmente uma organização internacional, cuja sede está em Bra, cidade italiAna da região do Piemonte. Desse modo, “o Slow Food opera tanto localmente como mundialmente junto de instituições internacionais como a FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação” (SLOW FOOD BRASIL, 2007, on-line). Com o passar dos anos, outras conotações foram associadas ao Slow Food. O movimento parte da noção de gastronomia, que permeava as discussões iniciais do seu surgimento, para enfatizar o termo ecogastronomia a partir dos anos 2000, um período de expansão e internacionalização para outros países (e.g. Alemanha, Suíça, Reino Unido, Brasil) (VAN BOMMEL; SPICER, 2011). A ecogastronomia

é conceituada como "a combinação de uma preocupação com o meio ambiente com os prazeres associados à produção, preparação, cozimento e consumo de alimentos." (BERKLEY, 2012, p. 684), que se traduz na busca de alimentos bons, limpos e justos, ou seja, seguindo os princípios oficiais do movimento (PETRINI, 2013).

Segundo o Slow Food (2013), o nome do movimento surgiu como uma forma de dizer não à pressa da vida cotidiana a partir da “mesa”, e, ao mesmo tempo, dizer não ao fast food de modo irônico. Este tem o símbolo do caracol como logotipo, uma vez que tal animal se move lentamente, se alimenta com calma e é representativo da culinária de Bra, cidade sede da organização. O logotipo pode ser observado na figura 6.

Figura 6: Logotipo do Slow Food

Fonte: site do Slow Food Internacional (2020).

O Slow Food defende a ideia de que os consumidores são coprodutores, isto é, estão cientes e se interessam por diversos aspectos envolvendo a produção e o consumo dos alimentos (e.g. origem, métodos de produção empregados, justiça social para produtores, etc). Os consumidores “coprodutores” passam a se sentir conectados e seguros para lidar com os produtores locais e seus produtos sustentáveis, e os produtores ganham respeito pelo seu trabalho (LABELLE, 2004).

A Declaração de Chengdu, resultante do VII Congresso Internacional do Slow Food, ocorrido na China em 2017, discorre sobre o que o movimento objetiva impulsionar: "Que as nossas escolhas diárias, a partir da mesa, podem contribuir para mudar o mundo; e são justamente os pequenos gestos que cada um de nós realiza várias vezes por dia, o primeiro e mais importante instrumento que o Slow Food quer promover" (SLOW FOOD, 2017, p. 2).

Esse objetivo revela o que Dunlap (2012) indica os fundadores do movimento entenderem como uma “cena de ação” ao se referir à “mesa” como uma representação de poder, resistência ou protesto do consumidor em relação ao sistema alimentar globalizado, ao agronegócio e às redes de fast foods.

Destarte, Miele e Murdoch (2002) apontam que o Slow Food preza por refeições caseiras, capazes de formar ou fortalecer conexões entre as pessoas e pela apreciação estética

dos alimentos. Hayes-Conroy e Martin (2010) sinalizam que conversas entre produtores e coprodutores, busca por alimentos sustentáveis e a realização de refeições caseiras são maneiras encontradas pelos consumidores dentro do movimento para se distanciar dos sistemas alimentares convencionais e seus danos ambientais e injustiças sociais. Complementando essa ideia, uma das preocupações do Slow Food é destruição da qualidade e sustentabilidade dos alimentos pelo agronegócio corporativo-industrial convencional, de larga escala, que utiliza fertilizantes químicos sintéticos, pesticidas, polue a água e empobrece o solo (AGRILLO et al., 2015; HAYES-CONROY, 2010; TAVANTE, 2010). Ainda, existem restrições quanto ao consumo de fast foods, derivadas de preocupações iniciais associadas ao surgimento do movimento (e.g. padronização de comidas de baixa qualidade e perecimento da culinária local) (VAN BOMMEL; SPICER, 2011).

Algumas noções mais amplas também compõe o movimento: educação do gosto, prazer e convívio, observado na Figura 7.

Figura 7: Manifesto pela Educação do Gosto

Fonte: site do Slow Food Internacional (2020).

Pode-se dizer que o manisfesto pela Educação do Gosto, elaborada pelo Slow Food, é organizado sob três aspectos principais: o que a educação do gosto é, o que ela reconhece e valoriza, e o que ela promove. Assim, em relação ao primeiro aspecto, a educação do gosto é um prazer, por ser um momento lúdico e de convívio, que significa compartilhar prazeres associados à alimentação, seja em eventos, em feiras ou à mesa (HAYES-CONRAY, 2010). Também é dar-se tempo para compreender diversas questões envolvendo o alimento, seu processo de produção e consumo, além de ser experiência, efeto e emoção associados a essa aprendizagem. Dunlap (2012) concorda com essa visão ao sugerir que, para o Slow Food, a educação do gosto ocorre por meio do envolvimento com alimentos e produtores locais, e de

momentos de refeição considerados experiências baseadas no prazer e no convívio. Bentia (2014), por sua vez, ressalta a questão da aprendizagem dentro do processo de educação do gosto, uma vez que esta tem relação com aprender a prestar atenção na origem, nas formas de produção e nos gostos dos alimentos.

Quanto ao segundo aspecto, ela reconhece as motivações dos indivíduos, valorizando a diversidade de saberes e culturas locais. Por fim, o terceiro aspecto diz respeito ao que a educação do gosto promove: curiosidade, consciência das próprias ações e de seus impactos, senso crítico, respeito aos ritmos dos outros e de si, fortalecimento de sentimento de comunidade, mudança por meio de novos pensamentos e comportamentos, agora mais responsáveis (SLOW FOOD, 2010).

No que se diz respeito à atuação do movimento, segundo Gentili (2016), o Slow Food atua em nível internacional e visa a sustentabilidade ao incentivar sistemas de produção que valorizem pequenos produtores, a procedência e comercialização de alimentos locais. Para a autora, as preocupações inerentes ao movimento estão fundamentadas em questões de cunho social, político e ambiental associadas ao alimento. Nesse sentido, são vários os materiais de comunicação divulgados pelo movimento (e.g. Figura 8).

Figura 8: Publicações do Slow Food Brasil.

Fonte: site do Slow Food Brasil (2020).

Publicações como o manul do movimento, o manual de boas práticas higiênicas para obtenção de um alimento limpo e saudável ou um livro ilustrado voltado para a educação sensorial dos indivíduos são exemplos de materiais de divulgação que podem ser acessados no site do Slow Food Brasil. Além destes, estão presentes outros manuais, almanaques, livretos ou projetos (HADLER, 2015) (e.g. aplicativo Slow Planet, Slow Food Network, Arca do Gosto, Mercados da Terra, Terra Madre, etc) (SCHNEIDER, K., 2015).

O Slow Food Internacional trabalha com vários projetos, os quais, em geral, são comumente utilizados como objeto de estudos das pesquisas sobre Slow Food no Brasil, as quais são apresentadas no Quadro 7:

Quadro 7 – Teses e dissertações sobre Slow Food no Brasil

Título Autor Tipo de

trabalho

Programa de Pós- Graduação Movimento Slow: uma análise sob a ótica

dos enclaves do ecodesenvolvimento Arins (2009) Dissertação

Administração (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC)

As práticas alimentares na sociedade globalizada: o caso do movimento Slow Food

Nascimento (2014) Tese

Ciências Humanas (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC)

Comida, carisma e prazer: um estudo sobre

a constituição do Slow Food no Brasil Oliveira (2014) Tese

Desenvolvimento,

Agricultura e Sociedade (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ) “A revolução está no prato”: do global ao

local no movimento Slow Food Schneider K. (2015) Dissertação

Antropologia Social (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC) Ética, comunicação e consumo: o Slow

Food como forma de comunicar uma vida boa nas culturas de consumo

Hadler (2015) Dissertação

Comunicação e Práticas de Consumo (Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM)

O movimento Slow Food e seus impactos para a produção do queijo artesanal na região do Alto ParAnaíba – Minas Gerais

Lima (2016) Dissertação

Ciências Sociais (Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara)

Slow Food na Itália e no Brasil: história, projetos e processos de valorização dos recursos locais

Gentile (2016) Tese

Desenvolvimento Sustentável (Universidade de Brasília)

Slow Food: aspectos éticos da boa

alimentação na atualidade Denti (2017) Dissertação

Bioética (Centro Universitário São Camilo)

O alimento "bom, limpo e justo": saúde no discurso do movimento Slow Food no Brasil

Castro (2018) Dissertação

Informação e Comunicação em Saúde (Fundação Oswaldo Cruz)

Fonte: Elaborada pela autora (2020).

Em geral, observa-se que no contexto brasileiro os estudos nesse tema não são atrelados à área de administração ou ao estudo do consumo, evidenciando uma lacuna de pesquisa. Além disso, tratam o Slow Food como organização, estudando seus projetos ou membros, ou como um movimento. Esta pesquisa, no entanto, propõe um outro enfoque do estudo do Slow Food, isto é, entendendo-o como composto de práticas sustentáveis.

Os estudos brasileiros revelam que os participantes do movimento tendem a não incorporar todos os critérios do “bom, limpo e justo” em suas rotinas (NASCIMENTO, 2014), o prazer hedonista é importante para os membros do movimento e da organização (OLIVEIRA, 2014), as interações face-a-face entre produtores e consumidores são prazerosas no movimento, o qual não está restrito àqueles que são afiliados à organização, mas leva em conta e valoriza a busca de pessoas que já possuem uma aproximação com os princípios e diretrizes do Slow Food

(K. SCHNEIDER, 2015). Além disso, preocupações com saúde estão fortemente envolvidas nos discursos presentes no movimento (CASTRO, 2018), e a ideia de que o movimento Slow Food permite “aos sujeitos que participam do mesmo ressignificar suas práticas de consumo alimentar” (DENTI, 2017, p. 58)

A despeito da organização oficial do movimento e de seus membros oficiais, a participação no Slow Food não tem, necessariamente, relação com ações diretas (e.g. ir à eventos oficiais ou se tornar um membro oficial do mesmo) ou com uma demanda por atores políticos que se posicionam como tais perante à sociedade (HAYES-CONROY; MARTIN, 2010). Ao invés disso, é informal e flexível, ou seja, está mais vinculada ao engajamento das pessoas, conforme os próprios caminhos traçados por elas, com relação às diretrizes gerais incentivadas no movimento (CHAUDHURY; ALBINSSON, 2014). Segundo Mair, Sumner e Rotteau (2008), essa participação pode assumir desde a simples prática de “comer bem” ao engajamento em um grupo de Agricultura Apoiada pela Comunidade, ou em uma marcha em protesto pela boa alimentação.