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A seleção de técnicas de coleta de dados é alinhada à abordagem qualitativa da pesquisa, por isso priorizou-se aquelas que tinham maior potencial para se apreender as percepções dos sujeitos envolvidos. Tendo em vista os objetivos e a dispersão geográfica dos sujeitos da pesquisa, definiu-se como técnicas de coleta de dados a aplicação de

entrevistas em profundidade com roteiro semiestruturado, a observação e a análise documental. A pesquisa de campo foi realizada no período de abril a agosto de 2014.

Estas técnicas foram adotadas buscando maior interface entre os diferentes tipos de dados, sempre com vistas à sua triangulação. Nesta pesquisa, realizou-se especificamente a triangulação de dados que, segundo Vergara (1998), refere-se ao uso de diferentes fontes de dados, possibilitando a emergência de novas perspectivas relacionadas ao objeto de estudo. As diferentes técnicas de coleta de dados foram concebidas, assim, como essencialmente complementares, de modo que os elementos potenciais de uma técnica puderam suprir as deficiências de outra, e os diferentes dados coletados puderam ser confrontados entre si, expressão da articulação dialógica e não hierárquica entre as diferentes fontes de dados que se prezou nesta tese.

A pesquisa documental subsidiou a construção do roteiro de entrevistas. Foram analisados documentos relacionados à regulação das interações entre os atores no território, que dizem respeito ao “funcionamento do território”, principalmente o regimento interno, e documentos que sistematizaram as discussões entre os atores, principalmente atas das reuniões do Colegiado. Foi realizada também uma densa revisão bibliográfica sobre estudos já realizados sobre o PESB e o TSB, compilando informações relevantes sobre a construção histórica dessas experiências e a operacionalização do PRONAT. A pesquisa documental e a revisão bibliográfica específica recolheram informações sobre a história das relações e conflitos no âmbito das instâncias formais que operacionalizam a política territorial.

A entrevista com roteiro semiestruturado iniciou-se por questionamentos básicos, fundamentados no referencial teórico, que interessavam à pesquisa, e que posteriormente ofereceram grande campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que foram surgindo à medida que se recebiam as respostas dos informantes. Tal técnica, portanto, visa orientar o diálogo entre pesquisador e entrevistado, sempre com vistas aos desdobramentos da conversa em sentido definido pelo pesquisador para melhor subsidiar a análise do problema de pesquisa (TRIVIÑOS, 1987). O roteiro de entrevistas foi estruturado em torno de cinco blocos de questões, um com questões gerais e os outros quatro orientados por questões específicas, elaboradas a partir das quatro categorias definidas no quadro analítico. As entrevistas versaram sobre as relações estabelecidas entre os atores antes e após a criação do território, explorando o histórico e a natureza destas relações, as

percepções sobre o território e os conflitos em sua gestão. Antes de se iniciar a pesquisa de campo, foram realizados pré-testes que levaram à revisão e ao aperfeiçoamento do roteiro de entrevista, o qual se encontra no Anexo 1.

Constituíram-se como população da pesquisa os membros de organizações da sociedade civil e do setor público que integram o Codeter do TSB, especificamente aqueles que atualmente assumem ou que já assumiram o cargo de conselheiro. A definição dos sujeitos de pesquisa foi iniciada pela definição de dois grupos de informantes, visando garantir que houvesse representantes da sociedade civil e do setor público. A definição dos informantes em cada grupo considerou o critério de acessibilidade e saturação, quando as respostas começam a se tornar repetitivas.

Foram realizadas, no total, 24 entrevistas, envolvendo informantes de todos os nove municípios do território, priorizando pessoas que acompanham ou acompanharam a política desde o início. Todos os entrevistados já foram ou são membros do Codeter, exceto dois entrevistados de Sericita e um de Pedra Bonita, que pouco sabiam da existência da política, mas muito contribuíram para compreender o desengajamento das organizações destes municípios na rede do território. Das 26 entrevistas, 16 foram realizadas com representantes da sociedade civil (um representante de cada um dos sindicatos dos nove municípios do território, um representante do CTA, um do Cepec, três técnicos(as) que atuaram como articuladores territoriais, um do Ceifar e um representante das EFAs) e 10 com representantes de organizações do setor público (um representante da Emater e um represente de cada uma das nove prefeituras do território). Do total de entrevistados, apenas quatro eram mulheres e a média de idade dos entrevistados foi de 42,5 anos, variando de 31 a 53 anos. 15 entrevistas foram gravadas mediante aprovação prévia dos entrevistados, sendo que as demais não o foram em função das condições do ambiente de entrevista ou por solicitação dos próprios entrevistados. O registro das entrevistas gravadas indica que a duração média de cada uma girou em torno de 1 hora e 10 minutos.

Para fins de nominação dos informantes nesta tese, buscando preservar suas identificações e as organizações de origem, eles foram agrupados em dois grupos distintos, seguindo a divisão que orienta a composição do Colegiado Territorial: (i) representantes de organizações da sociedade civil; e (ii) representantes de organizações do setor público. Além disso, ao longo da transcrição das entrevistas, sentiu-se a necessidade de se criar aqui outra categoria de nominação, para expressar aqueles informantes que no momento da

pesquisa eram representantes de prefeituras, mas que possuíam sua origem e trajetória no movimento sindical, mantendo um discurso alinhado aos interesses do sindicalismo, os quais foram denominados de “representantes do setor público oriundos do movimento sindical”.

Como um dos focos de análise da tese era a rede de atores que operacionaliza a pesquisa, buscou-se agregar às entrevistas formas de captar a configuração dessa rede, já que isto é considerado neste trabalho como constituinte da dinâmica social do território. Apesar de se reconhecer aqui a importância metodológica da representação gráfica das redes sociais por meio de softwares especializados, como o UNCINET 6, optou-se por não realizar apenas uma descrição morfológica da rede e elaborar outra estratégia que fosse mais consonante com a abordagem relacional e a pesquisa qualitativa propostas nesta tese. Calcular métricas que caracterizariam a rede pouco contribuiria para compreender sua formação histórica, suas transformações e os elementos políticos e simbólicos a elas subjacentes e que referenciam sua configuração. Os argumentos acima estão em concordância com a discussão feita por Emirbayer e Goodwin (1994) diante da questão de que a análise de redes pode acabar não fazendo mais que uma descrição da realidade social e, em última instância, pode não considerar no conceito o processo dinâmico que condiciona essa realidade ao longo do tempo e acabar retirando o dinamismo e a historicidade das redes, reificando-as. Defende-se aqui um estatuto ontológico às redes como dependentes das práticas sociais e dos significados que os indivíduos atribuem a elas, buscando superar a concepção reificada.

Para viabilizar metodologicamente a análise da rede, a partir desse estatuto ontológico, buscou-se durante a realização das entrevistas captar dos entrevistados o entendimento que tinham sobre a rede de organizações envolvidas na operacionalização do PRONAT. Realizou-se nesta pesquisa uma “apreensão qualitativa da rede”, partindo das percepções dos entrevistados sobre a natureza e a estrutura das relações. Ao final de cada entrevista, o foco do diálogo entre pesquisador e entrevistados eram as relações entre as diferentes organizações, momento em que os entrevistados construíam oralmente a estrutura da rede e contextualizavam as conexões sociais que a formavam. Como auxílio metodológico nesse processo, o pesquisador fornecia uma folha de papel A4 e lápis e caneta para que os entrevistados pudessem representar no papel a rede como a entendiam e explicassem o porquê de assim a representarem. Essa apreensão qualitativa foi de grande

relevância e possibilitou ampliar a compreensão sobre as mudanças e a natureza das relações, para além da forma como a rede estava estruturada. Isso permitiu apreender que cada informante visualizava a rede de uma maneira e, assim, que essa “visualização” era condicionante de seu engajamento nessa rede. Os desenhos, portanto, foram um importante auxílio metodológico para a representação visual, mas o cerne desse processo de apreensão da rede foram as explicações sobre ela e suas mudanças. Foi a representação oral por meio do diálogo com o pesquisador que explicitou importantes elementos de entendimento da dinâmica das interações sociais no território. A seguir, as Figuras 3 e 4 apresentam exemplos de desenhos realizados durante a pesquisa de campo. Em suma, não se trata aqui de um estudo na área de análise de redes sociais, enquanto método de descrição sumária da morfologia da rede, mas de uma análise qualitativa da rede como forma de organização em um território rural instituído pelo Estado.

Figura 3: Desenho da rede por um representante de organização da sociedade civil13. Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

13 Na elaboração desse desenho o entrevistado buscou separar visualmente as organizações entre um lado e outro da Serra do Brigadeiro e em seguida relatou as relações entre elas, demonstrando que existe uma separação de dois grupos, que coincide com essa separação geográfica, mas as organizações de Divino estão vinculadas diretamente às organizações do outro lado da Serra. Após realizar o desenho e descrever as relações entre municípios e suas organizações, o entrevistado foi relatando como as organizações se articulavam, a história dessas articulações e os conflitos que definiam essa separação entre grupos.

Figura 4: Desenho da rede por um representante de organização do setor público14. Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Foi utilizada também como técnica de pesquisa a observação não participante, na qual o pesquisador “não toma parte nos conhecimentos objetos de estudo como se fosse membro do grupo observado, mas apenas atua como espectador atento” (RICHARDSON, 1985, p. 214). Seu papel foi de observar o máximo de ocorrências que interessavam a este trabalho e registrar suas percepções sobre as mesmas em um caderno de campo, que se tornou importante instrumento de registro de dados. As observações ocorreram em duas reuniões do Colegiado Territorial e três do grupo gestor. A observação foi de fundamental importância para apreender também percepções dos sujeitos de pesquisa em relação ao fenômeno estudado nos momentos de discussão sobre o território nesses espaços coletivos formais.

14 Nesse desenho o entrevistado desenhou todos os municípios (que estão abreviados), ao centro o Colegiado (CTDRS) e ao redor as organizações que para ele eram centrais na rede e, em seguida, descreveu oralmente todo o processo de constituição do território, os conflitos existentes e as mudanças nessa configuração da rede, com a marginalização da sua organização ao longo do tempo. Posteriormente, nesta versão final do desenho, que é produto de muitos rabiscos e palavras, ele apresentou outras organizações que não foram incluídas no TSB, mas que poderiam ter sido, como os CMDRSs.