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6 ELEMENTOS CONDICIONANTES DO ENGAJAMENTO DOS ATORES

6.2 Envolvimento em outras redes

Como mencionado acima, as representações sociais são produzidas na interação entre os atores. Isso sugere que a participação dos atores em outras redes e outros grupos interfere na maneira como interpretam a realidade e, assim, como intervêm nela. Pela análise realizada sobre a configuração da rede do TSB e pela discussão aqui empreendida, depreende-se que a morfologia da rede está associada também ao engajamento dos atores em redes fora do território, ou seja, a maneira como eles estão engajados em outras redes influencia a forma como eles se engajam na construção institucional da rede aqui em questão. Isso porque já trazem pré-configuradas representações sociais e ideologias que condicionam suas intervenções e as pautas de seus projetos nas reuniões do território e, inclusive, a partir disso, com quem elas vão ou não se relacionar e se associar para propor os projetos. Isso, portanto, contribui para a formação de grupos coesos dentro dessa rede do território, os quais conjugam organizações que se associam, pleiteiam recursos juntos, excluem grupos que eles representam como concorrentes ou divergentes, e assim alguns se tornam centrais nessa rede e, consequentemente, outros grupos e organizações se tornam periféricos.

No TSB, não obstante as redes organizadas em torno das federações sindicais, o caso mais emblemático de envolvimento em outras redes é do grupo de organizações ligadas à Fetraf e ao CTA, especialmente em função deste último, que possui em sua origem o vínculo com outras redes do movimento nacional de tecnologias alternativas, que posteriormente se tornou de agroecologia. A agroecologia na perspectiva dessas organizações não é entendida apenas como práticas de agricultura alternativa, mas como um modo de vida e também como ciência.

O CTA participou da criação e está ligado em Minas Gerais à Articulação Mineira de Agroecologia (AMA), e nacionalmente a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Na Zona da Mata Mineira o CTA é o principal interlocutor do movimento de agroecologia, e no TSB está diretamente ligado aos sindicatos de Divino e Araponga, também vinculados à AMA, que integra diversas outras experiências e organizações da sociedade civil do estado. Os professores da UFV que estão ligados ao CTA e, por isso, muito próximos às organizações de Divino e Araponga, são também vinculados às articulações da agroecologia. Esses atores em conjunto são os portadores dessa “bandeira” na região e participam de vários espaços em conjunto, criando uma identidade comum a este grupo, sempre referenciada pelo tema agroecologia.

Anualmente esse grupo de organizações participa do Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado pela ANA, que envolve diversas organizações de todo o país. Além desse encontro nacional, existe o regional e inúmeros outros eventos e atividades promovidos no âmbito do movimento da agroecologia. O envolvimento nessa rede pressupõe aos atores o compartilhamento dos princípios e valores que a orientam, construindo referências simbólicas e ideológicas acerca da agricultura e do desenvolvimento, que condicionam sua intervenção. A agroecologia é, portanto, o elemento basilar na construção identitária de um grupo no TSB, e a alta coesão desse grupo está relacionada a esta identidade e à frequência das relações entre eles por meio das atividades e projeto.

Outra questão importante de se destacar é o fato de que o envolvimento em outras redes possibilita acesso das organizações a informações não redundantes. A criação de laços fracos para fora do TSB possibilita às organizações vinculadas à agroecologia terem contato com experiências de sucesso em outros territórios e com oportunidades e informações privilegiadas que não acessariam ou demorariam mais a acessar se estivessem restritas à rede do TSB. Para Granovetter (1973), essa é uma das principais funções dos laços fracos. Eles se tornam pontes para outras redes. O CTA historicamente assumiu esse papel de ponte entre a rede de organizações da Zona da Mata e outras redes regionais de agroecologia, sendo um ator central nesse buraco estrutural. Segundo Woolcock (1998), a expansão dos laços de um grupo a outras redes, como nesse exemplo, pode ser caracterizada como capital social de ligação. O depoimento a seguir corrobora estas afirmações:

Temos os princípios da agroecologia que nós defendemos, que tem que estar nos projetos, a gente leva e defende o debate dentro dos espaços também. Além de que a gente consegue muita informação dentro de outras redes mais amplas né. Tem contato com várias outras organizações, até outros territórios. (Representante de organização da sociedade civil, 2014)

Contudo, a rede formada por esse grupo na Zona da Mata Mineira, pela sua alta coesão e densidade, acaba restringindo a escala das experiências de agroecologia. A expansão dessas experiências pode ser associada à morfologia da rede do TSB, caracterizada pela segmentação política da rede. As experiências e o discurso da agroecologia são restritos ao grupo da Fetraf liderado pelo CTA. As organizações sindicais do polo Fetaemg só recentemente tem se aproximado desta discussão com a atuação do CTA por meio de outros projetos, mas nunca estiveram envolvidos na construção dos encontros de agroecologia e não fazem parte das articulações. O relato a seguir diz respeito a essa questão:

No ENA, nesses espaços da agroecologia, o pessoal da Fetaemg participa muito pouco. Aqui da nossa região quem foi é o povo mais do campo da Fetraf, é o público mais ligado ao CTA, que articulou isso. Assim, eles até participaram da Caravana, que foi aqui na região mesmo, mas do ENA, do pessoal que foi no ENA, foi só nós da Fetraf mesmo. Até porque eles participam pouco da articulação mineira de agroecologia, que o fórum que discute a participação. (Representante de organização da sociedade civil, 2014)

Essa coesão do grupo da agroecologia e a identidade formada entre eles para além da Serra do Brigadeiro se expressa, como fala o entrevistado, nos posicionamentos dos representantes das organizações no TSB, pautando projetos com enfoque agroecológico e formando entre eles uma coalizão para aprová-los. No entanto, à medida que o grupo assim se manifesta, e por isso define outros grupos como oposição, criam certos conflitos e interpretam e são interpretados pelos outros atores da rede. Entre representantes de organizações da sociedade civil se pode perceber durante as entrevistas a tendência para uma representação de “fechamento do grupo agroecológico” e de que “eles se acham donos do assunto”, gerando certo limite no estabelecimento de relações e na ampliação da escala das experiências agroecológicas.

Entretanto, organizações de fora do grupo da Fetraf/CTA possuem a discussão de sustentabilidade na agricultura, desenvolvem há algum tempo práticas de homeopatia na

agricultura e prezam pelo discurso de criação de um relacionamento harmonioso entre o homem e a natureza. Mas como não estão vinculadas a esse movimento agroecológico, como ainda existe um buraco estrutural entre essas redes, a agroecologia não foi incorporada ao discurso desse grupo no TSB e eles não se reconhecem e não são reconhecidos como grupos/experiências em agroecologia.

O grupo ligado à Fetaemg liderado pelo Ceifar possui parcerias fora do TSB, mas não foi constatada a integração efetiva desses atores a outra rede, como aquela da agroecologia. Eles possuem um vínculo diferenciado fora do TSB com organizações ligadas à mobilização da resistência à mineração, com outros atores ambientalistas e comissões de atingidos pela mineração, os quais não se configuram como redes coesa ou bem articuladas e possuem ações mais pontuais de acordo com as demandas de manifestação contra projetos de mineração.

Estas questões aqui analisadas sublinham a relevância de se considerar nas análises o envolvimento dos atores em outras redes, uma vez que isso é condicionante do engajamento e da intervenção na rede. O caso de envolvimento de um grupo do TSB nas redes de agroecologia explicitou isso, pautando seus posicionamentos no Colegiado e os projetos que propunham, defendiam e se opunham. Isso contribui para que os trabalhos que analisam redes sociais e/ou organizacionais busquem compreender como a configuração da rede é também transformada pelas ligações dos atores com outras redes e pelas suas representações sociais. Cada vez mais se concebe uma relação dialética entre estrutura e ação, de modo que ambos se influenciam mutuamente, e também uma compreensão das redes como dinâmicas, porque recorrentemente atualizadas.