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2.2 Considerações ontológicas para (re)pensar o desenvolvimento territorial

2.2.2 Contribuições de Long

Long contribui com uma mudança paradigmática nos estudos do desenvolvimento rural, influenciando escolas de pensamento, principalmente na América Latina e Europa. Em uma de suas obras mais expressivas, “Development sociology: actor perspective”, Long (2007) constrói os fundamentos teóricos e metodológicos de uma perspectiva de análise orientada ao ator, que ele associa ao construcionismo social, em oposição às predominantes análises estruturais, institucionais e de economia política. Já em seu livro “Introduction to the sociology of rural development” (1977), Long buscava uma aproximação dos enfoques do ator e dos histórico-estruturais, criticando as soluções deterministas e lineares de muitos modelos de desenvolvimento, que excluíam os atores de seus quadros analíticos, procurando apenas nos contextos e forças institucionais externas os fatores explicativos das mudanças sociais. Residiria aí uma incapacidade de explicar adequadamente as causas e dinâmicas da heterogeneidade social. Para analisar as mudanças nos processos de desenvolvimento rural contemporâneos, o autor sugere um deslocamento das perspectivas estruturalistas para as orientadas aos atores e as redes construídas através da sua interação social. Diferencia, porém, sua centralidade no ator de

outras abordagens correlatas mais difundidas, como o individualismo metodológico e a teoria da escolha racional, que para ele oferecem um modelo ocidental etnocêntrico de conduta social baseado no individualismo do homem utilitário.

A análise orientada ao ator não deve ser reduzida à teoria da escolha racional ou ser criticada por ser metodologicamente individualista. [...] As pessoas e seus ambientes (incluem outras pessoas e marcos institucionais) estão constituídos com igual correspondência; ou melhor, não respondem simplesmente aos imperativos de marcos e normas culturais, ou aos ditados de discursos dominantes” (LONG, 2007, p. 27. Tradução nossa).

A abordagem de Long para o desenvolvimento rural tem sua origem e principal referência na ontologia social de Giddens. A perspectiva do ator, assim como encontrado na teoria de Giddens, faz uma crítica à polarização entre estruturalismo e individualismo, mas defende que é possível conciliá-los dentro de um quadro analítico comum. Contudo, o interesse de Long (2007), como ele mesmo destaca, não é formular uma teoria geral da sociedade, como foi em Giddens, mas analisar as práticas sociais e discursivas heterogêneas que são operadas e interpretadas por atores sociais em processos de desenvolvimento rural.

A interação e o condicionamento mútuo entre as ações dos atores locais e o ambiente institucional no qual se inserem seus projetos permanecem nesta perspectiva. Long e Ploeg (2011) afirmam que todas as formas de intervenção externa (como projetos e políticas públicas de desenvolvimento) invadem necessariamente os modos de vida dos indivíduos e grupos sociais ao qual se direcionam, mas em vez de apenas determinarem estes modos de vida, elas são também reformuladas e ressignificadas, pois são mediadas e transformadas por esses mesmos atores. Pressupõe-se, então, que a estrutura social que emerge é, em parte, criada pelos próprios atores, ou melhor, pela interação entre eles.

Conforme admite Long (2007), os atores sociais não devem figurar como simples categorias sociais incorpóreas ou destinatários passivos da intervenção, mas como protagonistas, que recebem e interpretam informações e desenham estratégias em suas interações sociais cotidianas. Portanto, a ação social não pode ser reduzida ao desempenho de papéis predeterminados ou hierarquias sociais. Isto implica a noção de agência humana, que Long desenvolve com base em Giddens, afirmando que seus elementos constitutivos são a “habilidade para conhecer” e a “habilidade para fazer”. Tanto em Giddens (1989,

2000) como em Long (2007) as estruturas sociais são constituídas pela agência e são, ao mesmo tempo, o meio para sua constituição. Neste sentido, ressalta Long (2007), as propriedades estruturais de um sistema social são sempre emergentes. Mantém-se aí sua proximidade com Giddens, mas destaca com maior ênfase que, sendo emergentes, as propriedades estruturais são constantemente criadas pela interação social, anteriores e posteriores à prática.

Esta abordagem salienta a forma como os próprios agricultores e suas organizações podem moldar os padrões de desenvolvimento rural, deixando de serem considerados vítimas passivas de uma mudança planejada (LONG e PLOEG, 2011). Os autores afirmam ainda, nesta direção, que os agricultores e suas organizações elaboram e executam projetos e práticas específicas para o desenvolvimento de suas atividades econômicas ao longo do tempo, os quais não são simplesmente reações padronizadas àqueles impostos ou “oferecidos” por atores externos, mas respostas diferenciadas a tais estímulos. Por esta particularidade, estilos e ritmos de desenvolvimento rural são sempre diferentes de um território para outro, assim como as formas organizacionais, já que cada resposta é sempre única.

Long (2007) destaca que, enquanto parte das análises sobre as organizações no desenvolvimento rural focalizam as regras formais e os procedimentos administrativos, a perspectiva orientada ao ator concentra-se em apreender as práticas organizativas e a simbolização cotidiana dos atores que permitem o entrelaçamento de projetos, mas também que ativam conflitos. Em consonância com esta perspectiva, mais que o desenho dos modelos administrativos e das políticas públicas, o interesse desta pesquisa residiu nas formas emergentes de interação que criaram diferentes formas de organização em um território.

A partir das considerações até aqui realizadas, inicia-se outra etapa de contextualização teórica, discutindo abordagens, ideias e pressupostos que contribuem para a fundamentação da problemática levantada, tratando especificamente de bases teóricas para se analisar dinâmicas sociais em territórios rurais. As perspectivas analíticas a seguir esboçadas são uma derivação teórica das discussões anteriores, na medida em que, identificadas as lacunas sobre as quais se pretende construir o quadro analítico, buscam complementá-las, elucidando teorias e conceitos com os quais se pode analisar os

processos sociais subjacentes às estratégias, aos projetos e às políticas de desenvolvimento