• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

1.1.2 Colonização e escravização

O branqueamento, como ideologia, tem sua base na história. Na vertente brasileira, não é possível compreendê-lo sem remeter-se à estrutura econômica escravizadora. O processo de escravização no Brasil teve início no período colonial, sendo que, até 1530, nos anos pré-coloniais, os portugueses não haviam montado um sistema econômico de ocupação da terra no Brasil. Conforme Munanga e Gomes (2010), não se tem a data exata da deportação dos primeiros africanos, mas sabe-se que, por volta de 1540, com o início da estruturação do sistema colonial português, que introduziu a produção de açúcar como primeiro ciclo econômico dessa fase, já havia grupos negros submetidos ao trabalho escravo nos engenhos da Bahia. Inspirado pelo modelo dos engenhos de cana de açúcar, o sistema escravista foi alimentado e se expandiu para outros ramos da agricultura, da mineração (século XVII e XVII), até o ciclo do café (século XIX).

Contudo, é sempre importante reiterar que os primeiros humanos escravizados na América e igualmente no Brasil foram os indígenas. Como fariam um pouco mais tarde com os negros, os colonizadores, ao recorrerem, primeiramente, à escravização da população indígena, destituíram-na “[...] de todos os seus direitos sobre a terra de seus ancestrais e de seus direitos humanos, transformando-os em força animal de trabalho” (MUNANGA; GOMES, 2010, p. 16). Para conseguir mão de obra e explorar as terras, o sistema escravista se fortaleceu, e a dominação política e ocupação do território brasileiro pelos portugueses foram consolidadas.

Em relação ao processo de escravização dos povos indígenas, foram várias as tentativas dos colonizadores de converter-lhes a alma e a cultura (Missão Civilizatória), dominar as suas terras e explorar a força braçal dessa população que já vivia em terras brasileiras. Fatores contribuíram para a resistência desse povo ao trabalho escravo, dentre eles, havia o fato de os índios dominarem muito bem suas terras e matas e conseguirem se esconder em lugares de difícil acesso dos invasores, e também, a transmissão de doenças trazidas pelos colonizadores, o que provocou a dizimação dos povos indígenas. Neste sentido, a “resistência” indígena teve como consequências: “sua massiva exterminação e a busca dos africanos, deportados para cumprir o que os índios não puderam fazer” (MUNANGA; GOMES, 2010, p. 16). O tráfico negreiro passou a ser uma solução para produção da força de trabalho necessária ao desenvolvimento da colônia, pois os interesses econômicos e políticos da época se voltavam para o investimento da entrada de africanos no Brasil, para fortalecer a mão de obra escrava.

O processo de colonização constituiu-se, portanto, com o reconhecimento das diferenças da natureza humana: índios e negros são diferentes dos europeus. “Os portugueses, sabendo que era impossível mudar as características físicas desses seres considerados inferiores, apostaram em provocar mudanças em suas culturas” (MUNANGA, GOMES, 2010, p. 14), e gerar, assim, um processo de negação de uma cultura, em detrimento da valorização da cultura e visão do mundo ocidental.

A partir da extinção da lei que proibia a imigração dos não portugueses ao Brasil, a entrada de outros imigrantes europeus em terras brasileiras se deu gradativamente. Até então, a população brasileira era constituída por imigrantes portugueses e, a maior parte, por africanos e indígenas. A partir de 1808, aumentou a entrada da população branca, “[...] vieram alemães, suíços, italianos, espanhóis, franceses, irlandeses, poloneses, austríacos, belgas, russos, ingleses, sírios e libaneses” (MUNANGA, GOMES, 2010, p. 17). Somente no final do século XIX, começou a entrada dos asiáticos, em especial dos japoneses. Os processos colonizadores, portanto, tinham a nítida intenção de dominação das riquezas naturais, a exploração econômica e a sujeição cultural.

O tráfico negreiro e a escravização do povo negro têm sido considerados, como o mais perverso e hediondo crime realizado contra a humanidade. Em sua amplitude, com a estimativa de 1.891.400 africanos desembarcados nos portos coloniais entre 1701 e 1810, e por sua duração, pois foram mais de 350 anos em que homens e mulheres negros(as) viveram sob o regime escravista.14

Diferentemente do que aconteceu em outros países com a diáspora negra vinculada ao sistema escravista, o Brasil foi o último país a assinar uma lei que extinguisse a escravidão. Neste processo de “abolição”, até chegar, de fato, na assinatura da Lei Áurea, passaram-se 37 anos. Em 1850, com a extinção do tráfico negreiro15, minimizou-se a oferta de escravos

africanos. Vinte e um anos depois (1871), foi declarada a Lei do Ventre-Livre, pela qual filhos(as) dos(as), escravizados(as) nascidos(as) após a promulgação dessa lei, teriam garantida a sua liberdade. Passados mais catorze anos (1885), foi promulgada a Lei Saraiva- Cotegipe ou Sexagenários, que garantia a liberdade à população negra com mais de 65 anos. Somente em 13 de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea, que deliberava a liberdade para todos os negros(as) escravizados(as).

14 “Nem mesmo com a independência política do Brasil, em 1822, e com a adoção das ideias liberais pelas

classes dominantes o tráfico de escravos e a escravidão foram abalados. Neste momento, os senhores só pensavam em se libertar do domínio português que os impedia de expandir livremente seus negócios. Ainda era interessante para eles preservar as estruturas sociais, políticas e econômicas vigentes” (GELEDES, 2016).

Durante esses anos de escravização do povo negro, africanos e afro-brasileiros, fixou- se a imagem de que eram pessoas sem alma, sem direitos, sem inteligência, sem história, sem cultura, sem vez e sem voz. Por isso, podiam ser utilizados(as) como instrumentos para a força braçal. Esses estereótipos foram se fortalecendo ao longo dos anos e geraram, no imaginário social de negros e não negros, uma representação negativa da população negra.

Nesses 37 anos, até que se promulgasse a lei que abolia de vez o sistema escravista brasileiro, não houve um processo de políticas públicas que garantisse, de fato, a libertação dos(as) escravizados(as). Mesmo após a assinatura da Lei Áurea, não foram implantados planos e políticas públicas que garantissem os direitos essenciais à população negra alforriada. O que, de fato, acorreu, como consequência, foi a falta de alimento, educação, saúde, moradia, e do direito à terra para produzir seu sustento. À população negra foi negada a oportunidade de uma vida digna. Conforme Schwarcz (2012, p. 19), “[...] após a Abolição, a liberdade não significou igualdade”, porque, na realidade, não houve uma mudança na estrutura social do Brasil.

Com a falta de políticas que acolhessem a população negra, uma parte passou a perambular pelas ruas e outra continuou prestando serviços à população branca, em troca de alimento e moradia. Em contrapartida, leis promulgadas nesse período atingiam criminalmente a população negra. Em 1889, um ano após a abolição, ocorreu a Proclamação da República, ainda em Governo provisório, e foi criado o novo Código Penal (1894), que previa a redução da maioridade penal de 14 para 9 anos, e demarcava, assim, as desigualdades raciais, (pré)determinando penalizações, que afetavam, principalmente, os meninos negros.

Publicações de Nina Rodrigues16 sobre criminalidade, em finais do século XIX, como:

“As raças humanas e criminalidade penal no Brasil” (1894), “Negros criminosos” (1895), “Mestiçagem, degenerescência e crime” (1899), apresentam teses que fortaleciam os ideais políticos discriminatórios, ao defenderem a degenerescência dos negros e mestiços e tendências ao crime.

No que se refere à transição de mão de obra escrava para o trabalho livre, houve um longo processo de marginalização do trabalho de homens negros e de mulheres negras. “A substituição da mão-de-obra escrava pela dos imigrantes começou, assim, mais de 30 anos antes da abolição”, fato esse que contribuiu para a mudança de perfil da força de trabalho. Negros escravos ou libertos, independentemente de sua qualificação, passaram a se dedicar a

16 Cientista maranhense, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, como adepto do darwinismo racial e

dos modelos do poligenismo, defendia que as raças humanas não eram passiveis de cruzamento e que grupos raciais não eram capazes de evoluir igualmente; toda mistura de raças resulta em degeneração. (SCHWARCZ, 2012).

pequenos serviços urbanos. Com isso, “[...] a ascensão do trabalho livre como base da economia foi acompanhada pela entrada crescente de uma população trabalhadora no setor de subsistência e em atividade mal remuneradas.” (THEODORO, 2008, p. 24)

Os fatores apontados são apenas alguns dos que, efetivamente, contribuíram e ainda contribuem para que o racismo na roupagem brasileira, que nasce atrelado aos processos de colonização e escravização, se perpetue até os dias de hoje, 128 anos após a abolição