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2 DELEUZE E OS NOMES DE MARX

2.4 Apêndice: Sobre a lei da baixa tendencial

2.4.4 Comentário

Composição orgânica redefinida: c/n = (w1*k)/n

A taxa de variação da composição orgânica redefinida será igual a taxa de variação do valor dos bens de capital mais a taxa de variação da composição técnica do capital. Um aumento persistente da composição orgânica do capital exige que a taxa de crescimento da composição técnica do capital seja superior à taxa de decréscimo do valor unitário dos bens de capital.

Mantida a hipótese de que a produtividade do trabalho aumenta no mesmo ritmo em todos os ramos de atividade, a velocidade de queda do valor unitário dos bens de capital será igual à velocidade de crescimento da produtividade física do trabalho. Logo, o aumento da composição orgânica do capital, redefinida em termos do trabalho vivo, exige que a composição técnica do capital cresça a uma taxa superior à taxa de crescimento da produtividade física do trabalho.

A relação física capital-produto deve, portanto, aumentar ao longo do tempo.

A objeção dos economistas liberais a isto reside no fato de que o processo equivaleria a supor rendimentos físicos decrescentes do capital, ideia que nunca teria sido enunciada por Marx. Porém, a crítica liberal peca por considerar esta pressuposição sobre o limite, visto que o próprio Marx afirma exatamente o oposto.

Não é de se ignorar, também, a questão da expansão do setor de serviços, que não estabelece uma correspondência direta entre produção e produtividade física: a produtividade mental entra como elemento-chave da equação75.

2.4.4 Comentário

O que parece estar fora do escopo dos economistas liberais (e também dos economistas marxistas ortodoxos) é exatamente esse caráter esquizofrênico do capitalismo notado por Deleuze. O ponto fundamental é o que se quer dizer por limite. Este são dois (as condições materiais de produção e as formas de reprodução 75 Talvez até mesmo a dificuldade do explorado em se enxergar nessa condição tenha a ver com a expansão da distinção entre trabalho físico e mental. A expansão de profissões nas quais o que é vendido é a força de trabalho mental, não apenas a presença física acaba por fazer quem atua nessas áreas não se identificar com o fato de ser proletário, ainda que todos os pressupostos da luta de classes ainda estejam vigentes nestas relações de trabalho “intelectual”.

e geração de capital) e simultaneamente um, o próprio tecido da sociedade. O capitalismo tem o tamanho de sua sociedade e opera da forma que a sociedade se organiza: existem vários modos ou relações diferenciais de capitalismo conforme as relações dos elementos econômicos e extra-econômicos, assim como a mesma língua experimenta variações de acordo com a região ou o país no qual é falada. A passagem do capitalismo industrial para o fordismo, o toyotismo e o capitalismo de serviços é prova clara disso. A economia é um idioma da sociedade, uma gramática (normativa) dos processos de uma sociedade.

O ponto central continua essencialmente o mesmo, a produção de capital, mas as formas de apropriação do valor e do mais valor são variáveis (é por isso que Marx fala em “tendências” e “contra-tendências”, que erroneamente foram interpretadas por liberais e ortodoxos como sinônimos de teleologia, sendo recuperadas por Deleuze nos conceitos de produção e contra-produção dentro do capitalismo). O capitalismo já em Marx não é visto como estático, ao contrário.

Deleuze dirá que o limite do capitalismo dado por Marx é interno (a depreciação periódica do capital existente e a formação de um novo capital, em novas indústrias com forte taxa de lucro).

Se existia um limite físico em relação ao uso de matéria-prima e capacidade de mão-de-obra o capital, em sua reinvenção, passa a extrair mais-valia de algo infinito, o trabalho imaterial e cognitivo, o que está por trás da expansão do setor de serviços e da grande transformação ocasionada pela subsunção do pensamento à mercadoria. O limite do capitalismo, se é que existe, é a vida na Terra: sem condições de existência e manutenção da vida, não há exploração. Supondo que o capitalismo realize-se completamente, tenderá ao seu fim pela impossibilidade de meios de reinvenção e expansão de sua base de produção e consumo, pois a base não existirá mais ou apenas alguns dos sobreviventes terão acesso aos bens.

É aqui que o conceito da raridade, já abordado nas páginas 45 e 330 de AE, entra na equação. Até mesmo a virtualização do capital tem este limite em seu horizonte: se a dívida é a nova forma de obtenção de mais-valia, é preciso ter quem se endivide e que estes tenham no mínimo alguma condição de continuar obtendo crédito. Caso isso não aconteça, a tendência é a de surgirem ilhas de prosperidade cercadas de “zonas de espera” (ARANTES, 2014) e de terra arrasada.

Neste momento a ideologia e os elementos extra-econômicos operam seu papel apaziguador em relação ao desejo, com a ascensão de conceitos como

meritocracia e a promessa nunca realizada de que todos podem obter o sucesso financeiro, lado a lado com um aparelho de repressão extremamente sofisticado. O Urstaat surgiria como horizonte final de um capitalismo transformado? O modo de produção asiático fundir-se-ia ao capitalismo? A China manda saudações?

3 DIFERENÇA NEGATIVA

A diferença é anterior à contradição: este é o movimento teórico principal apresentado por Deleuze e que marca uma profunda ruptura com elementos-chave do pensamento dialético. Para que objetos do pensamento possam ser arranjados em relações contraditórias, é preciso primeiro que haja o reconhecimento da diferença entre estes objetos, ou ainda que esta diferença se produza, isto é, apareça não apenas como possibilidade mas como dado concreto, derivação das relações que definem o objeto. A diferença, enquanto conceito, preexiste aos objetos ou seres diferenciados.

Deleuze marcará uma de suas diferenças conceituais com o marxismo exatamente sobre este ponto: o que define o objeto (social) não são as contradições, mas suas linhas de fuga, as derivações e possibilidades a partir deste objeto, não necessariamente em relação de oposição e certamente não redutíveis a apenas um elemento. Porém, reduzir o marxismo a um jogo de polaridades é o equivalente a ler a dialética com os olhos de um lógico aristotélico, matematizando as operações sociais em um jogo de sinais positivo-negativo e assim ignorando o próprio postulado marxiano de que aquilo que é chamado de concreto é uma síntese múltipla, não binária. Logo, é possível encontrar em Marx, ainda que de forma embrionária, elementos da filosofia da Diferença?

A relação da filosofia da diferença com o conceito de negativo e com o processo dialético parecem sofrer em algum grau deste mal. A filosofia da Diferença busca escapar da limitação identitária ao descartar a dialética, vista por ele como processo de criação de uma narrativa ou discurso totalizante, portanto fictício, que impede a percepção da real variação dos elementos. Para Deleuze, a multiplicidade somente é possível pela recusa da totalidade – o uno somente faz parte do múltiplo sendo subtraído dele e não como algo superior a este, teorema enunciado na sua famosa fórmula n-1 – e toda tentativa de síntese é elencada como uma armadilha de retorno à identidade.

Conforme já visto, não é possível dissociar esta compreensão parcial de um contexto histórico específico, de uma briga geracional e política determinada e de uma confluência de fatores tão díspares como a recepção a Hegel, Nietzsche e Marx na França. Este trecho da tese buscará debruçar-se sobre tais relações, visto que é