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3 O MODELO DE PRECEDENTES BRASILEIRO

3.1 A “COMMOLOWRIZAÇÃO” DO DIREITO BRASILEIRO NA ADOÇÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAS

Nos países de matriz common law, os casos considerados iguais sejam julgados com uniformidade, conferindo força vinculante aos julgados precedentes sobre os julgamentos posteriores.

Apesar da tradição no seu emprego, essa teoria vem sofrendo alterações em sua aplicação, em virtude da necessária adaptação às mudanças sociais nas sociedades complexas, cada vez mais dinâmicas, ensejadoras da elaboração de mecanismos destinados a conferir aos tribunais a possibilidade de revogar precedentes aos quais estariam vinculados obrigatoriamente no stare decisis.

O sistema processual civil brasileiro, por seu turno, já vem experimentando, há alguns anos, a incorporação de conceitos do common law no seu bojo, a exemplo do que nomeamos sistema de precedentes judiciais. Contudo, os institutos importados do common law nem sempre o são de forma adequada, desperando o que se pode dizer “uma crise de identidade” nos tribunais, uma vez que ora seguem os “precedentes”, ora agem a partir das chamadas “viradas jurisprudenciais”, por meio de uma decisão

insuficientemente fundamentada, criando um clima de extrema insegurança ao jurisdicionado100.

Tal insegurança é reforçada, ainda, pela precariedade do entendimento de grande parte dos aplicadores do direito a respeito do chamado pós- positivismo, que alçou os princípios ao patamar de normas jurídicas, mas que, pela sua própria natureza de maior abstração, acabam sendo tomados, em muitos dos casos, como formas de solução universais, sobrepondo-se a regras indistintamente, num desmesurado intento interpretativo, que acaba gerando efeitos negativos na própria formação da decisão judicial.

Como apresentado ao longo desse trabalho, a decisão judicial adequadamente construída é de extrema relevância para que se possa, a partir dela, conhecer o que a doutrina denomina de ratio decidendi nos precedentes judiciais, o que seria uma abstração daquele, um discurso da decisão proferida em um determinado processo e endereçado a um auditório universal.

Em que pese no sistema norte-americano, donde foi importado nosso sistema de precedentes, vigore a ideia de que os juízes, cuidadosos e diligentes na formação das decisões precursoras, despojam-se de seus pré- conceitos, tornando os julgamos mais impessoais, desestimulando os litigantes de retornar ao Judiciário que pretendem uma resposta diferente para o seu caso, a introdução dos precedentes no Brasil não atende ao canclamo da segurança jurídica que se pretendeu nessa importação.

A tentativa de sistematização da teoria do precedente no direito brasileiro, com a adoção de institutos próprios do common law é sintomática da busca que se faz de saídas para os problemas que afligem os operadores do direito no momento da sua aplicação no processo, notadamente no que toca à efetividade e segurança jurídica, mas ineficiente para esse fim101.

Essa commonlawlização do direito brasileiro, aqui especialmente tratada para a adesão a uma teoria de precedentes judiciais, revela uma notável

100

Nesse sentido: HELLMAN, Renê Francisco. Teoria da decisão judicial: o antecedente do precedente. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/ viewFile/8696/6568>. Acessado em: 5. abr. 2015

101 HELLMAN, Renê Francisco. Teoria da decisão judicial: o antecedente do precedente.

Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/8696/6568>. Acessado em: 5. abr. 2015

tendência de valorização da jurisprudência criativa como fonte de direito, a partir da atribuição de efeitos vinculantes ou erga omnes a determinadas decisões jurisdicionais102.

Isso reforma o papel do juiz como protagonista da ordem jurídica, reforçado em sua função normativa, em detrimento do poder do legislador; tal constatação é objeto da enunciação de Fernando de Brito Alves: “os juízes ocupam, no Estado Constitucional Contemporâneo, uma especial e difícil posição de intermediação entre o Estado e a sociedade”103.

A adoção de um sistema de precedentes resulta, assim, de uma preocupação em somar ao ordenamento jurídico mais segurança e a efetividade de suas normas.

Kelsen já sinalizava a necessária função legislativa do Judiciário, a partir da criação de um precedente que poderia servir de base para decisões de casos similares, ocasião em que o tribunal, a partir desta decisão, criaria, uma “norma geral que se encontra no mesmo nível dos estatutos criados pelo chamado órgão legislativo.”104

Assim, não se pode negar que o diálogo entre culturas jurídicas distintas é importante para o aprimoramento dos diversos sistemas jurídicos, mas também não se pode negar que é imprescindível repensar de forma crítica a recepção de metodologias de julgamento de outros ordenamentos jurídicos em nossa cultura jurídica para se antecipar os reflexos de possíveis rejeições ou

102 Cumpre lembrar – em face da afirmativa de que o crescente valor atribuído à jurisprudência

na civil law brasileira representa, de certa forma, a influência da common law no sistema nacional, em face da globalização e que a fonte primeira do direito da common law é a jurisprudência, eis que este sistema é absolutamente pragmático, formando-se o direito através das decisões jurisdicionais. Há nele, pois, um compromisso prévio de prestigiamento do caso antecedente da decisão futura circunstância operada através do distinguishing efetivado pelo magistrado posterior. São cotejados os grupos de casos semelhantes para ao fim decidir qual precedente mais se afeiçoa ao caso concreto. Assim, nos países em que vige o sistema da common law, acima da legislação e acima de qualquer outra fonte do direito está o caso julgado pelas cortes e que, portanto, criam precedentes e, por decorrência, verdadeiramente, fazem nascer o direito com base na experiência. Nesse sentido, as decisões jurisdicionais em tais países, como se vê, desempenham um papel que transcende o caso posto ao crivo judicial. (PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a common law, civil law e o precedente judicial. Disponível em: < www.abdpc.org.br.> Acesso em: 05 jun. 2013).

103 ALVES, Fernando de Brito. Termidorizar a deliberação: o papel das cortes constitucionais

nas democracias contemporâneas. Disponível em: <https://seer.imed.edu.br/index.php/ revistade direito/rt/printerFriendly/948/966> Acessado em: 29 abr. 2017.

104 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 2.

sintomas dos efeitos colaterais

Entretanto, o que se vê na práxis forense não se coaduna com as intenções teóricas ora referidas. A problemática da importação do sistema common law de precedentes judiciais que, embora sejam, teoricamente, instrumentos de garantia de segurança jurídica e até mesmo de efetividade, no Brasil opera-se uma dificuldade relativa à construção da decisão judicial.

Não há uma teoria sólida nesse sentido e a situação agrava-se ainda mais diante dos conceitos abertos e da interpretação, aliado ao ativismo e ao protagonismo judiciais produzidos sem atendimento aos reclamos da dialogicidade processual, do contraditório, da cooperação e da fundamentação analítica das decisões, bem como, especialmente sobre a aplicação dos precedentes, deixa de atender à sua dinâmica, na medida em que a maior parte das decisões invocam o precedente sem dizer a respeito da similitude fática-jurídica entre os casos, ensejadora de sua aplicação.