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2 O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL DE DIREITO BRASILEIRO

2.5 A CRIATIVIDADE DECISÓRIA JUDICIAL NO SISTEMA DE CLÁSULAS ABERTAS E NOS CASOS DE ANOMIA

O sistema de cláusulas gerais, contraposto à técnica legislativa causuística, é resultado da percepção do inevitável envelhecimento e esgotamento das disposições legislativas, que tornou clara a necessidade de a lei conter espaços capazes de dar ao juiz o poder de adaptação da norma às novas realidades e valores.

Há uma profunda modificação na maneira de o Poder Legislativo produzir o direito e, ainda que continue a se valer de Códigos, deixar margens de discricionariedade na norma a permitir ao juiz considerar circunstâncias não contempladas quando da elaboração legislativa para dar solução adequada aos casos concretos.

Assim, é inquestionável que a existência de cláusulas gerais reforça o poder criativo da atividade jurisdicional89. O órgão julgador é chamado a interferir mais ativamente na construção do ordenamento jurídico, a partir da solução de problemas concretos que lhe são submetidos.

88 Fredie Didier adverte que não se deve esquecer que o magistrado exerce parcela de poder

que lhe é atribuído (o poder jurisdicional), mas que pertence, por força do parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, ao povo. Os destinatários da motivação não são somente as partes, os seus advogados e o juiz de instância superior, mas também a opinião pública, compreendida seja em seu complexo; assim, a ótica ‘privada’ do controle exercido pelas partes e a ótica ‘burocrática’ do controle feito pelo juízo superior são integradas na ótica ‘democrática’ do controle que deve ser exercido por aquele mesmo povo, em cujo nome a sentença vem pronunciada. (DIDIER JR., Fredie. Sobre a fundamentação da decisão judicial. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/wp-content/uploads/2012/02/sobre-a-fundamentacao-da- decisao-judicial.pdf> Acessado em 8 Nov. 2017).

89 Reconhecendo ser extremamente difícil de resolver o problema relativamente aos limites da

criatividade judicial, que devem ser fixados na exata medida em que não comprometam o Estado de Direito, Wambier (p. 102) observa que: “A liberdade do juiz, num sistema de direito positivo e codificado, consiste em determinar, em cada caso, o perímetro ou o contorno das determinações legais.

Em um sistema de cláusulas gerais, competindo ao juiz, como intérprete e aplicador da lei, o procedimento de concreção das normas, há, em última análise, uma verdadeira criação normativa.

Não há como se defençar a ideia de que é possível a existência de um ordenamento legal, por melhor que este seja, que não contenha lacunas a serem preenchidas pelos juízes, uma vez que essas sempre possibilitam a presença de ambiguidades e incertezas que devem ser resolvidas na via judiciária, quando da análise da aplicação do ordenamento legal a cada caso concreto.

A atividade interpretativa sempre terá lugar, portanto, mesmo como ato inconsciente do intérprete, havendo um certo grau de discricionariedade e, por conseguinte, de criatividade na interpretação do direito, no sentido que enuncia Mauro Cappelletti90:

Em realidade, interpretação significa interpretar os

pensamentos, inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreendê-los e – no caso do juiz, não menos que no musicista, por exemplo – repriduzi-los, ‘aplicá-los’ e ‘realizá-los’ em novo e diverso contexto, de tempo e lugar. É óbvio que toda reprodução e execução varia profundamente segundo a capacidade do intelecto e estado de alma do intérprete. (...) Por mais que o intérprete se esforce por permanecer fiel ao seu ‘texto’, ele será sempre, por assim dizer, forçado a ser livre – porque não há texto musical ou poético, nem tampouco legislativo, que não deixe espaço para variações e nuances para a criatividade interpretativa. Basta considerar que as palavras, como as notas na música, outra coisa não representam senão símbolos convencionais, cujo significado encontra-se inevitavelmente aberto a mudanças e aberto a questões e incertezas.

Há de se esclarecer, todavia, que o reconhecimento da existência de certo grau de discricionariedade, pertinente à escolha do intérprete, não significa uma total liberdade. Aliás, o problema reside não na existência, ou não, da liberdade do juiz na criação do direito, mas no do grau de criatividade e seus limites.

90 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Albvares de

Para Cappelletti91, todos os sistemas jurídicos civilizados buscaram estabelecer e aplicar limites à essa atuação do julgador que podem, segundo ele, serem substanciais ou processuais.

Os limites substanciais são aqueles que variam profundamente a depender da época e do contexto social, sendo elemento de observância imprescindível no exercício da atividade jurisdicional; incluem o que dizem os precedentes judiciários, as opiniões públicas, a doutrina jurídica, as leis e os códigos. Assim, ainda que o juiz esteja sujeito ao limite substancial, por exemplo, da lei, casos há em que o juiz, até por força legal, se vê investido do poder de basear suas decisões na equidade ou em análogos e vagos critérios de valoração, o que lhe dá um espaço muito mais amplo de escolha do que aquele concedido pela norma positivada92.

Dessa forma, fica evidente que, em relação aos limites substanciais, quando um juiz se vê livre para decidir apoiado em preceitos vagos e não escritos, não há como se diferenciar sua atividade com a do legislador, haja vista que, como dito acima, tais limites não tem o condão de caracterizar a natureza do processo jurisdicional.

Igualmente, mesmo quando vinculado à lei, não há como se diferenciar, do ponto devista da mesma espécie de limites, a atividade do juiz da do legislador, haja vista que este tem seu poder criador do direito subordinado aos ditames de uma constituição escrita e às decisões da justiça constitucional.

91

Idem, Ibdem.

92 Salutar, a esse respeito, a cítica feita por Álvaro de Souza Cruz, de que “No Brasil o

paradigma jurídico prevalente ainda se dá sob as bases do positivismo legalista, apoiado no exame dogmático de textos legislativos, que encontra sustentáculo por meio da incorporação das noções clássicas de Locke e Montesquieu pertinentes à divisão qualitativa das funções de cada um dos poderes, de maneira que somente à legislação pode se atribuir um caráter de ação volitiva, ficando a jurisdição e a administração como ações meramente cognitivas. Nesse sentido, ao magistrado caberia tão-somente descobrir, por meios exegéticos, a vontade do legislador ou da própria lei, empregando, de modo geral, os métodos Savigny, acrescidos da interpretação teológica da obra de von Ihering.” (CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Uma nova alternativa para o Direito Brasileiro: O procedimentalismo. In: Filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Jurir Editora, 2009).

No que concerne aos limites processuais, é por meio deles que se demarca com clareza até onde pode ir o magistrado em sua criação do direito, sem extrapolar sua função institucional, vindo a invadir o domínio legislativo.

Tais limites se expressam de forma bem incisiva nas máximas "nemo judex in causa propria”, “audiatur et altera pars" e "nemo judex sine actore”, que afirmam não poder o juiz decidir questão da qual seja parte interessada, julgar sem que seja dada a oportunidade às partes de se defenderem e de serem ouvidas por um juiz imparcial e, por fim, atuar somente mediante provocação de parte interessada.

Nesta perspectiva, o juiz é, efetivamente, a boca da lei – não porque reproduza literalmente a fala do legislador, como propunha a escolar da exegese – mas porque atribui a sua voz a dicção legislativa, tornando-a, enfim e então, audíel em todo o seu múltiplo e variável alcance93.

A concretização de uma norma jurídica compreende um processo dialético que envolve a individualização dos fatos compreendidos no caso e as consequências juridicas contidas no âmbito da norma – o que, durante muito tempo, operou-se por uma subsunção pretensamente literal e objetiva – em uma complexa atividade de construção por meio da qual o juiz “cria” – inclusive por expressão do livre convencimento acerca da prova enunciado no art. 371 do Código de Processo Civil de 201594, o resultado da norma que fundará a decisão final.

Por mais perfeita que a construção linguística do texto legal possa ser ou parecer, tem, em menor ou maior amplitude, um significado equívoco e indeterminado, capaz de ensejar uma pluralidade de interpretações – o que, inclusive, fundamenta a existência de um sistema de precedentes95.

93 PAGANINI, Juliano Marcondes. A segurança jurídica nos sistemas codificados a partir

de cláusulas gerais. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.com.br/revista- eletronica/25-volume-2-numero-3-trimestre-01-07-2011-a-30-09-2011/133-a-seguranca-juridica- nos-sistemas-codificados-a-partir-de-clausulas-gerais> Acessado em: 3 abr. 2017.

94

“Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.”

95 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: Processos

Coletivos, Porto Alegre, vol. 2, n. 2, 01 abr. 2011. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.com.br/doutrina/24-volume-2-numero-2-trimestre-01-04- 2011-a-30-06-2011/120-o-precedente-na-dimensao-da-igualdade>. Acessado em 22 dez. 2017.

O texto da lei admite uma pluralidade de interpretações, exprimindo potencialmente não apenas uma norma, ditada pelo intérprete, de limites determinados, mas uma multiplicidade de normas alternativas, sempre de conteúdo indeterminado. É necessária, portanto, uma superação pós-positivista que permita vislumbrar a indissociação do texto com seu contexto de aplicação, percebendo o caráter meramente alográfico do texto donde se extrairá a norma, que advém da interação entre o texto e o intérprete.

Deixando um tanto de lado técnica casuística, na qual, para a estruturação da norma, estabelecem-se, na medida do possível, critérios para a qualificação dos fatos normatizados, cuja aplicação não exigirá maior esforço do juiz que não a subsunção fato-norma, as cláusulas gerais são caracterizadas por vagueza ou imprecisão de conceitos, tendo o objetivo de permitir o tratamento de particularidades concretas e de novas situações, inexistentes e imprevisíveis à época da elaboração da norma.

Certo, assim, que as cláusulas gerais não pretendem dar, previamente, respostas a todos os problemas da realidade, uma vez que essas respostas são progressivamente construídas, inclusive pela jurisprudência, que servirá, tecnicamente, como metanormas, cujo objetivo é indicar ao juiz os critérios aplicativos determináveis, em determinada ambiência social, num determinado contexto e tempo.

Em razão destas características, esta técnica permite capturar, em uma mesma hipótese, uma ampla variedade de casos cujas características específicas serão formadas por via jurisprudencial, e não legal, de forma que o juiz não tem apenas de ‘generalizar’ o caso; tem também de ‘individualizar’ até certo ponto o critério.

É precisamente por isso que a sua atividade do julgador não se encerra na mera subsunção. Quanto maior complexidade o caso a decidir, tanto mais difícil e mais livre se torna a atividade do juiz, que mais se afasta da aparência da mera subsunção.

Com efeito, rechaçando o ao princípio da tipicidade, as cláusulas gerais atuam como metanormas, encaminhando o juiz a critérios determináveis em outros espaços do sistema ou fora dele: direcionam o intérprete para outros

artigos do próprio código, por meio da integração intrassistemática, ou para outros, situados em outro diploma normativo, por meio da integração interssistemática, além dos casos em que o juiz deverá lançar mão até mesmo de elementos metanormativos, situados fora do sistema positivo.

A técnica das cláusulas gerais, peculiar aos códigos da contemporaneidade, funda-se, portanto, na premissa de que a lei pode ser apenas elemento que colabora para a construção judicial do direito, constatação que faz ruir a ideia de completude dos compêndios legislativos, definidos exclusivamente a partir da técnica casuística, como também demonstra a insuficiência da lei, aplicada à base de subsunção, para a solução dos variados casos litigiosos concretos. Com isso, se confere maior subjetividade ao juiz, dando-lhe poder para construir a decisão a partir de elementos que não estão presentes no tecido normativo.

A passagem da técnica casuística, em que a aplicação da norma se dá por subsunção, para a técnica das cláusulas gerais, em face da qual se exige um raciocínio judicial muito mais complexo e sofisticado, justificou, processualmente, a necessidade de igualdade perante as decisões judiciais na previsão normativa de um sistema de precedentes.

Pode-se dizer que o alcance da norma para além do caso concreto ocorre porque, pela reiteração dos casos e pela reafirmação, no tempo, da ratio decidendi dos julgados, se especificará não só o sentido da cláusula geral mas a exata dimensão da sua normatividade.

Nessa sistemática em que o juiz se vale da cláusula geral para chegar na regra adequada à regulação do caso concreto, a cláusula geral é norma legislativa incompleta e a decisão é a verdadeira norma jurídica do caso concreto.

Dessa forma, como é intuitivo, afigura-se a possibilidade de os juízes criarem diversas normas jurídicas para a regulação de casos substancialmente idênticos, fazendo estampar um cenário de desconfiança, imprevisibilidade, insegurança e desigualdade na prestacão jurisdicional.

Isso quer dizer que, embora o juiz possa criar a norma jurídica, é preciso impedir que haja uma multiplicidade de normas jurídicas para casos iguais,

momento em que tem aplicação a máxima do common law de que casos iguais devem ser tratados da mesma forma – “treat like cases alike”.

É de dizer que a ampliação da latitude do poder judicial com base nas cláusulas gerais não apenas reclama apenas um sistema de precedentes, mas sobretudo um aprofundamento de critérios capazes de garantir o controle das decisões judiciais, defendendo-se aqui que este critério é a fundamentação da decisão judiciail, de forma analítica e por amplo debate processual entre as partes, juiz e, ainda, pela abertura dialógica à sociedade civil – o que ocorre até mesmo pela enunciação do discurso da decisão por meio dos veículos de publicidade processuais.

A propósito, a utilização da técnica das cláusulas gerais aproxima o sistema do Civil Law do sistema do Common Law, na medida em que a cláusula geral reforça o papel da jurisprudência na criação de normas gerais.

Além disso, a cláusula geral funciona como elemento de conexão, permitindo ao juiz fundamentar a sua decisão a partir dos casos julgados anteriormente, realizando a identificação do caso sub examinen com aquele que originou o precedente, comungando de uma mesma ratio decidendi.

As cláusulas gerais trazem consigo, inegavelmente, o sério risco de insegurança jurídica, porque dá espaço para a existência de decisões contraditórias, que conferem interpretações diferentes a casos iguais. Veio à tona, assim, a necessidade de respeito aos precedentes e aos meios de dotar de segurança jurídica a interpretação à lei no Civil Law.

Ademais, garantia de segurança jurídica deve ser entendida numa amplitude maior dentro do Estado Democrático de Direito, atrelada ao que se nomeia como “direito de exigibilidade”, isto é, o dirieto dos indivíduos de exigir que a norma garantidora de seus direitos seja aplicada.

Além das modificações verificadas no direito material, pode-se verificar o aumento, paulatino e progressivo dos poderes conferidos ao juiz no direito processual civil, já que se deixou de lado a rigidez das regras e a suposição de que a segurança e a igualdade apenas poderiam ser garantidas caso o juiz não tivesse espaço para fugir da letra da lei e da tipicidade das formas processuais.

conceitos vagos e outras que expressamente atribuem ao juiz o poder-dever de adotar a técnica processual necessária a adequada tutela do direito material no caso concreto.

A alteração do direito processual civil e da função judicial no aspecto procedimental têm relação com a necessidade de se dar ao juiz poder e mobilidade que lhe permitam tutelar de forma efetiva as novas situações de direito substancial. Não foi por outra razão que foram abandonadas as vetustas garantias de segurança e de liberdade proporcionadas pelas “formas” do processo civil clássico96.

A importância da adoção dessa nova técnica legislativa processual civil foi destacada pelos cometários de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery por ocasião da entrada em vigor do Código Civil de 200297:

Em pleno século XXI não mais seria admissível legislar-se por normas que definissem precisamente certos pressupostos e indicassem, também de forma precisa, suas consequências, formando uma espécie de sistema fechado. A técnica legislativa moderna se faz por mei de conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais, que dão mobilidade ao sistema, flexibilizando a rigidez dos institutos jurídicos e dos regramentos do direito positivo.

Sobre esse assunto, salutar recordar que vigorou no processo civil, particularmente à época do processo civil clássico, o chamado princípio da tipicidade das formas executivas, cujo significado era impedir a utilização de meios executivos não expressamente previstos na lei; limitava-se, dessa forma, o poder de atuação do juiz com o objetivo de garantir a liberdade dos litigantes diante da jurisdição; assegurava-se também a certeza de que, em caso de

96 Neste sentido, lembra Luiz Guilherme Marinoni a respeito da célebre conferência de

Chiovenda, pronunciada no alvorecer do século XX, em que o cultor do direito processual italiano não apenas frisou a necessidade das formas para evitar a possibilidade de arbítrio do juiz, como ainda sublinhou “a estreita ligação entre a liberdade individual e rigor das formas processuais”. MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. In: Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 2, n. 2, 01 abr. 2011. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.com.br/doutrina/24-volume-2-numero-2-trimestre-01-04- 2011-a-30-06-2011/120-o-precedente-na-dimensao-da-igualdade>. Acessado em 22 dez. 2017.

97 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil Comentado e

eventual condenação, a execução não ultrapassaria os limites legais.

Acontece que a inefetividade dos meios de execução para a tutela da pretensão em tais ou quais casos fez surgir a necessidade de conferir maiores poderes ao juiz, não só por meio da criação de diversos institutos dependentes do preenchimento de conceitos indeterminados – como a tutela antecipatória fundada em “abuso de direito de defesa”, prevista no artigo 273, inciso II, Código de Processo Civil de 1973 –, admitindo o seu uso na generalidade dos casos, mas também a fixar as normas processuais abertas, a exemplo do art. 461, do código processual atualmente revogado

Tais regras são resultado da aceitação da ideia de que a lei não pode atrelar as técnicas processuais a cada uma das necessidades do direito material ou desenhar tantos procedimentos especiais quantos forem supostos como necessários à tutela jurisdicional dos direitos.

As necessidades do direito material, plúrimas e causuísticas, não podem ser antevistas em sua completude pela lei processual, alcançando-se, naturalmente, a necessidade de uma norma processual destinada a dar aos jurisdicionados e ao juiz o poder de identificar, ainda que dentro da sua moldura, os instrumentos processuais adequados à tutela dos direitos.

Outrossim, referidas normas não somente conferem maior poder para a utilização dos instrumentos processuais, como também outorgam ao juiz o dever de demonstrar a idoneidade do seu uso, em vista da certeza de que todo poder deve ser exercido de maneira legítima.

Necessário o registro de que, ao se buscar a técnica processual idônea a efetivamente tutelar o direito pretendido pelo autor, e, assim, o adequado preenchimento judicial da norma processual aberta, evidentemente não é possível esquecer-se de que a legitimidade de tal escolha encontra-se também condicionada à análise dos seus efeitos na esfera jurídica do réu, devendo o julgador valer-se da proporcionalidade para definir a providência jurisdicional adequada e necessária.

Decerto, a exigência de raciocinar a partir da consideração da tutela no plano do direito material e a regra de afetação da esfera jurídica do réu nos limites da necessidade, evitando-se a onerosidade excessiva, não teria

significado sem a devida justificativa, ou seja, sem a motivação capaz de expressar adequadamente o raciocínio judicial.

A justificativa permite controle crítico sobre o poder do juiz, sendo que o equívoco da justificativa evidencia a ilegitimidade do uso da técnica processual. Nesse sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz.