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4 A IMERSÃO ARQUEOLÓGICA NA MINHA TRAJETÓRIA DE VIDA ESCOLAR E

4.1 OS PRIMÓRDIOS DE MEU ENCANTAMENTO COM MATEMÁTICA

4.1.2 Como curar um coração ferido

Minha trajetória profissional se inicia com a minha entrada no curso de Pedagogia da UFRN, no ano de 2015, no primeiro semestre. A princípio não era esse o curso que escolhi para me formar. Sempre gostei muito das disciplinas da Matemática, Biologia e Química, e por esse motivo buscava o ingresso nos cursos na área da saúde, porém a nota que eu obtinha no Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, não foi suficiente para entrar logo de cara nesses cursos. Como boa parte dos meus familiares são professores ou têm alguma relação com a educação, eu resolvi testar a minha nota no curso de licenciatura em Pedagogia e acabou dando certo. Consegui uma vaga no curso, mas não estava muito feliz com isso. Mesmo assim, tratei de me manter no curso até porque enxergava possibilidades para entrada em outro curso que eu realmente queria por meio do reingresso, que é a reocupação de vagas residuais da Universidade.

Cursei o primeiro semestre, mas algo ainda estava errado. Ainda não conseguia gostar de estar naquele ambiente. Não tinha motivação.

Realmente ia só por ir. Foi então que no segundo semestre apareceu a oportunidade de eu ser bolsista pelo PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Ao mesmo tempo que eu teria ajuda com os custos dos meus estudos e não sobrecarregar os meus pais, também via como sendo um teste para mim que morria de medo da sala de aula e que de jeito nenhum queria atuar como educadora. Foi então que eu fui selecionada para ser bolsista e que eu faria minhas intervenções e observações em uma turma de educação infantil – o nível de ensino que eu tentava fugir ferrenhamente. Infelizmente a minha experiência só durou seis meses, mas durou pouco tempo porque eu não me sentia bem estando em sala de aula.

Assim, resolvi sair do Programa e do curso.

Por seis meses fiquei em casa estudando novamente para o ENEM, porém não aguentei ficar tanto tempo nessa rotina em casa e no outro semestre eu retomei o curso. Fiquei desnivelada um semestre, mas esse

“atraso” me fez bem, pois voltei tentando dar o meu melhor e buscando

encontrar alguma alternativa que realmente pudesse me fazer atraída. Foi dessa forma que eu busquei algo na iniciação científica, através de uma seleção que eu participei para ser bolsista no Projeto de Extensão Eja em Movimento. Queria conhecer mais de perto esta modalidade de ensino, pois via que esse público sofria uma precarização do ensino e sentia que isso vinha como algo desafiante para mim. Passei dois anos no Projeto e aprendi muito.

Através dessa experiência, a minha motivação para estar no curso começou a crescer e eu tentei novamente procurar na educação mais coisas que me fizessem levantar da cadeira. E logo, logo surgiu.

Me reencontrei com a Matemática, mesmo não sabendo, por incrível que pareça, que teríamos que cursar disciplinas que envolvessem as áreas do conhecimento das quais trabalharíamos durante nossa atuação em sala de aula. Assim, cursei as disciplinas dos Ensinos da Matemática I e II e muita coisa mudou na minha cabeça em relação ao ensino e aprendizagem desse componente curricular.

Lembro-me que, embora achasse o ensino desse componente, na minha formação básica, bem conteudista e sem significado, eu conseguia aprender sem muitas dificuldades, pois eu gostava do desafio que os problemas matemáticos me impunham. Porém, justamente por não ver o significado desse conhecimento, a grande maioria dos meus colegas de turma não se sentia motivada para buscar compreendê-la, dessa forma vinham as notas vermelhas e as reprovações – fatores estes que faziam com que a Matemática se tornasse a disciplina que mais causava transtornos, medo e aflições.

Ainda muito menina, ao observar tais situações, acreditava que o grande problema estava na didática dos professores de Matemática, pois via que eles se preocupavam muito em transmitir o conteúdo, sem procurar explicar os porquês do surgimento de determinada fórmula ou para que serve tal conhecimento. Era tudo muito abstrato. E isso foi se concretizando ainda mais com o passar dos anos, em que na pergunta mais comum: “para

que serve?”, termos a seguinte resposta: “para conseguir uma vaga na universidade”.

Entretanto, foi a partir dos Ensinos da Matemática I e II que minha concepção acerca do trabalho do professor de Matemática, em sala de aula, mudou. Naqueles componentes cursados, pude observar que os futuros professores de Matemática dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental já chegam com o grande fardo que a má formação proporcionou. Além disso, carregam consigo o medo, as aflições e todos os transtornos acumulados durante o ensino da Matemática na educação básica.

Lembro-me como se fosse hoje do primeiro dia de aula do Ensino I. A professora nos propôs a primeira atividade para aquele componente. Era uma dinâmica. De início não havia compreendido o porquê da escolha da atividade, mas logo após a sua conclusão, achei fantástica! Seria algo que eu mesma iria propor para os meus futuros alunos.

Entregando-nos metade de uma folha de ofício, a professora nos pediu para que representássemos o nosso sentimento pela Matemática com um desenho, qualquer desenho para, em seguida, explicarmos o porquê que este representava a Matemática para nós.

Abordando sobre tipo de proposta, Utsumi e Lima (2006) esclarecem que

[...] é importante que o professor conheça os sentimentos de seus alunos em relação à disciplina que atua, a fim de que possa desenvolver práticas educativas que considerem o aluno como um ser global, desenvolvendo estratégias que tragam à tona um conjunto de valores que orientem as escolhas do mesmo, tornando-o autônomo, não apenas no que se refere ao conteúdo, mas também em relação à própria vida, pois de acordo com Piaget (1991) o desenvolvimento intelectual se pauta em dois componentes: um cognitivo e outro afetivo (UTSUMI; LIMA, 2006, p.1).

Após o momento de registro do desenho, cada um de nós, em um momento de socialização, expôs o que era o seu desenho, o que ele

representava e o que ele tinha de relação com a Matemática. Lembro-me muito bem que eu fiz um coração, pois sempre tive uma relação muito boa com a Matemática. No entanto, nem todos os meus colegas de turma tiveram experiências com a disciplina tão boas quanto as minhas. Confesso que não lembro quais foram as representações que eles escolheram, mas uma delas foi marcante para mim: a representação do quadro “O grito”, do pintor Edvard Munch. O adjetivo aterrorizante ficou bem claro naquela representação. Incrível como em um simples desenho pode representar muita coisa, inclusive traumas que talvez somente através da fala não saberia ao certo como descrever.

Depois de todas as apresentações, ficou evidente que a maioria da turma não teve uma experiência muito boa com a Matemática durante a Educação Básica e foi com um simples desenho que cada aluno pode expor não somente os traços perfeitos ou maus conduzidos em uma folha de papel, mas sim o contexto de suas vivências como alunos de Matemática, com seus traumas, desafios e superações.

Também vale ressaltar que na fala dos meus colegas, além dos traumas com os números, fórmulas e resultados, a representação do professor de Matemática quanto ao seu modo de ensinar, como também a sua relação com os alunos em sala de aula, são fatores que também influenciaram bastante no desempenho negativo e desinteresse desses alunos com a disciplina.