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5 AS PRÁTICAS QUE DERAM ENTUSIASMO AO MEU EU REFLEXIVO

6.2 CONCEPÇÕES EM TORNO DO PROFESSOR REFLEXIVO: A ANÁLISE DE UM

O conhecimento, como resultado de uma reflexão sistemática, rigorosa e de conjunto de nossa própria prática, de sua construção, atinge-nos, diretamente, no mais íntimo de nosso ser. Por ele nos envolvemos, distanciamo-nos da realidade justamente para poder compreendê-la na sua significação mais profunda, pois ela nos toca em todos os níveis. O real, quando objeto sistemático de estudo, atingem-nos a intimidade e questiona radicalmente os preconceitos oriundos de um fazer não refletido todos os sentimentos e emoções envolvem-se no processo de construção do conhecimento, que não se encerra senão no fim da vida, do mesmo modo que implica uma vontade íntima de entender-se nas coisas que se vai procurando compreender. (GHEDIN, 2012, p. 161).

Quando o professor encontra a sua complexidade, isto é, ao religar a sua razão com a sua emoção, passa a buscar entender a sua prática,

21 FERNANDES; FIGUEIREDO, 2020, p. 5.

demonstrando que ele não é o detentor do conhecimento, mas um profissional que se mostra reflexivo sobre o seu trabalho. Sinto-me privilegiada por ter tido uma formação não somente que me preparou para lidar com o contexto da sala de aula, em aspectos teóricos, ainda sim com as suas lacunas, mas também, e principalmente, por ter tido uma formação humana, em que me possibilitou ser uma professora reflexiva.

Assim como Carvalho e David me afirmaram, “o pensar reflexivo compreende uma condição de dúvida, hesitação, ambiguidade, ato de pesquisa e requer indagação, buscando a dúvida”22. Acredito que um professor que teve uma formação sem esse aspecto humano apenas reproduz o que lhe foi ensinado, não se importando em resolver situações novas que possam aparecer e lhe dar “mais trabalho”.

Considerando estes profissionais, com e sem uma formação completa, e quando falo em completa refiro-me a uma formação teórica e humana, os autores Jardilino e Barbosa conversaram comigo, relembrando o que o professor Deniz-Pereira (autor no campo da formação de professores) disse, descreveram a existência de dois modelos: o primeiro sendo hegemônico, baseado na racionalidade técnica e o segundo sendo contra-hegemônico, baseado na racionalidade prática e na racionalidade crítica. Em relação à racionalidade técnica, sendo este o profissional que apenas reproduz, os autores caracterizam como sendo uma prática educacional baseada na aplicação do conhecimento científico, em que as questões educacionais são tratadas como problemas técnicos podendo ser resolvidos por meio da racionalidade, e continua: “nesse contexto, o professor se torna um técnico que coloca as regras científicas e pedagógicas na sua prática”23 .

Já o docente que busca refletir sobre a sua prática, de certo modo, foi tocado por uma experiência que vivenciou e que, portanto, lhe causou alguma inquietação, este se caracterizando pela racionalidade prática e crítica. Sobre esta concepção, Jardilino e Barbosa destacaram que “[...] a

22 CARVALHO; DAVID, 2015, p.

23JARDILINO; BARBOSA, 2012, p. 767.

educação é vista como um processo complexo que envolve conhecimento teórico e prático que permeia as incertezas da carreira docente.” E falando sobre o professor, eles lembram de uma fala de Deniz-Pereira, na qual afirma que “o professor é visto como um profissional que reflete, questiona e constantemente examina sua prática pedagógica cotidiana, a qual por sua vez não está limitada ao chão da escola”24. E continua: “tal modelo propõe uma nova forma de pensar a formação de professores ao procurar superar os empecilhos do modelo positivista e romper com concepções dominantes e tradicionais do campo”25.

Acredito que o docente se torna um profissional reflexivo, e coloco-me como exemplo, à medida que se depara com as incertezas da sua carreira docente, e me refiro não somente quando este já está em sala de aula, na prática, mas também desde a sua formação inicial, durante a licenciatura.

Faço esta afirmação com base na minha própria realidade, pois entrei na graduação com algumas perguntas, algumas foram respondidas, outras não;

e saí da graduação com muito mais indagações. Hoje vivencio a prática e, enquanto estou buscando entender alguns dilemas, vejo que mais questionamentos vão surgindo. Em outras palavras, estou constantemente examinando o meu “ser professor” a fim de melhorar a minha prática e fugir dessas concepções dominantes que eu pude experienciar durante o ensino básico, no papel de aluna.

Ter esse pensamento reflexivo me fez querer entrar no Programa de Pós-Graduação em Educação e escrever essa dissertação, que eu considero como sendo muito mais do que um trabalho final com vistas a adquirir o título de mestre em educação. Através desta escrita, pude vislumbrar e vivenciar a oportunidade de ser mais do que uma professora que leciona, mas uma professora que também pesquisa. Penso que eu poderia estar escrevendo, em minha dissertação sobre qualquer assunto que seja inerente à educação... Alfabetização, Educação Inclusiva, Educação de Jovens e

24DINIZ-PEREIRA, 2008, p.26.

25 JARDILINO; BARBOSA, 2012, p. 768.

Adultos, Currículo, porém resolvi dissertar sobre a minha própria prática, pois é nela que eu encontro os muitos questionamentos dos quais busco respostas.

Percebo que ao refletir sobre as minhas experiências, eu produzo mais e mais conhecimento e, ao produzir conhecimento, me sinto na obrigação de não os guardar comigo, mas sim de os expor, de modo que outros docentes, que venham estar na mesma situação que eu, possam se inspirar e procurar refletir sobre a sua própria prática, produzindo mais e mais saberes da experiência.

Esse processo de reflexão surgiu quando eu ainda era estudante do ensino básico, como já descrevi anteriormente em minha narrativa autobiográfica. Ao retratar sobre as condições que eu via os meus professores, descrevi sobre suas práticas como sendo: reproduções dos ensinos que tiveram, seja a nível de ensino básico, seja em ensino superior. E continuei... como eu sempre gostei muito de conversar com os meus professores, observava, pela fala destes que a formação inicial que tiveram não lhes deu base para que pudessem desenvolver uma prática voltada a um preparo para a vida, em outras palavras, em um aprendizado que respondessem os tantos “porquês” e “para que” dos seus alunos.

Desse modo, ao observar tal situação já comecei a entender o porquê de não utilizarem métodos mais motivadores e criativos para ensinarmos, como também descobri que eles apenas reproduziam conhecimentos que já lhes foram “transferidos”.

Ao trazer todas essas informações na minha bagagem e, por conseguinte, ao adentrar no mundo da educação, vislumbrei todo o significado que estava por trás de todos esses relatos docentes. O fato é que dois conceitos de extrema importância, teoria e prática, estavam andando por caminhos diferentes e separados nas atividades profissionais dos meus professores. Em um dos meus encontros com Ghedin, ele me deu uma aula sobre teoria e prática, afirmando que “[...] são processos indissociáveis.

Separá-los é arriscar demasiadamente a perda da própria possibilidade de reflexão e compreensão. A separação de teoria e prática se constitui na

negação da identidade humana. Quando se executa tal movimento permite-se o retorno à negação do ser, isto é, ao se negar a indissociabilidade entre prática e teoria, nega-se, em seu interior, aquilo que se tornou o ser humano possível: A reflexão instaurada pela pergunta. A alienação encontra-se justamente na separação e dissociação entre teoria e prática”26.

Por estarem em processo de alienação, os meus professores se submetiam a práticas antes já reproduzidas, caracterizadas como sendo sem sentido e sem significado para os alunos e, portanto, abstrata e fora da realidade. Além disso, por se tratar de matemática, eles tinham a ideia de que esse conhecimento só precisava ser aprendido através da teoria, em outras palavras, das descrições dos conceitos e das suas fórmulas, fato esse que não gerava mudança, pois para produzir mudança “[...] não basta desenvolver uma atividade teórica; é preciso atuar praticamente. Não se trata de pensar um fato, e sim revolucioná-lo; [...] 27 . E isso tinha consequências desastrosas: alunos sem interesse e totalmente desmotivados e professores sem o gosto pelo ensino. Como se pode observar, toda essa conjuntura fez parte de toda a minha formação, me marcando, e até hoje eu reflito sobre as suas causas para que eu possa aprender com elas.

Fui para a sala de aula sabendo que não queria ser uma mera professora reprodutivista e alienada, mas ser uma professora formadora de sujeitos pensantes e reflexivos. E nisso a minha formação inicial pode me ajudar, afinal é através dessa formação que os futuros professores podem ter essa oportunidade, digo isso porque não são todas que preparam o profissional docente para ser um professor em toda sua completude, como assim completude? Ghedin me explicou que “o processo de reflexão é

“instaurador de uma ontologia da compreensão da existência humana. É através dele que encontramos nossa identidade, nossa singularidade, nossa unicidade, nossa indivisibilidade, nossa irrepetibilidade. Por eles nos damos

26GHEDIN, 2012, p. 153.

27VÁSQUEZ, 1977, apud GHEDIN, 2012, p. 153.

conta da nossa corporeidade, da sociabilidade e de nossa historicidade. É nestas dimensões de nossos pais que somos o que somos. A ignorância destas dimensões de nosso ser no mundo impossibilita a compreensão de nós mesmos. É quando ignoramos a totalidade de nosso ser e as partes por ele compostas que surgem os enganos e as ideologias como formas de manipulação da consciência”28.

Conforme esse autor destaca, o profissional que passa por esse processo de reflexão se encontra com a sua complexidade – vir a ser um sujeito completo, pois este envolve vários saberes que formarão o sujeito professor: a reflexão é instauradora do ser. E não estou somente destacando o saber científico e pedagógico que são apreendidos por nós nos cursos de formação de professores, mas também, e principalmente, o saber da experiência que reflete a nossa subjetividade, singularidade e identidade do nosso ser. É através deste, portanto, que assumimos o movimento do pensamento que Ghedin chama de reflexivo crítico e criativo29.

Quanto a essa relação do processo de se tornar um sujeito reflexivo e o profissional docente, Ghedin me afirmou “que ninguém deve ser obrigado a ser reflexivo, embora todos devam ser simulados a sê-lo. Nós estamos propondo que tal processo tenha início pelo ensino em todos os níveis. Mas tal fato há de iniciar-se, primeiramente, pelo próprio professor. Se não há um professor com postura reflexiva, como podemos esperar alunos reflexivos? A introdução de metodologias de Formação reflexiva no nível dos alunos e dos professores têm de ser progressiva e atender a maturidade dos sujeitos envolvidos. É um processo que requer paciência, pois os resultados não são visíveis a curto prazo”30.

Por isso que a preparação dos professores, na formação inicial, é de extrema importância, pois assim como o autor afirma acima, não dá para esperar que os nossos alunos sejam reflexivos se nós não o somos, afinal onde

28GHEDIN, 2012, p. 166.

29GHEDIN, 2012, p. 167.

30 GHEDIN, 2012, p. 170.

eles poderiam se inspirar senão em nós, que estamos os formando? Esta afirmação é bem verdade e posso dar testemunho com a minha própria experiência. Como já mencionei antes, tive experiências durante o curso de Pedagogia que foram essenciais para que eu me tornasse uma professora reflexiva. Essas experiências se deram quando eu cursava os componentes curriculares dos Ensinos da Matemática I e II e, para além, quando participei da monitoria desses componentes. Em mais uma passagem da minha narrativa autobiográfica, eu descrevo que a formação inicial me levou a refletir sobre o ensino da matemática, situação está que muitos professores não puderam e não podem vivenciar, isto porque a matemática ainda é tida como uma ciência e sabemos que os critérios ainda bastante defendidos para um conhecimento ser considerado ciência, envolvem este ter objetividade e ser racional. Já em uma formação que há reflexão, que foi a que eu tive, as práticas são pensadas, são problematizadas e isso faz com que o aluno e o professor possam aprender durante todo o processo de ensino e aprendizagem.

Nesse trecho eu destaquei o processo de como se deu essa minha caminhada como sujeito formador reflexivo e, para além disso, como uma formação nessa perspectiva é capaz de transformar todos os atores que estão inseridos nesse processo, pois, ao mesmo tempo que eu como aluna aprendi com o meu professor, o meu professor também aprendeu comigo através das trocas de saberes.

Confesso que, diante do primeiro contato com a sala de aula, eu tive receio, tive receio de ser a mudança, de ser a única pessoa em meu ambiente de trabalho a pensar diferente, afinal como me disse Ghedin, “a reflexão nos retira do enigmático, desinstala-nos do momento presente.

Todavia o ser humano possui uma tendência permanente à acomodação.

Há sempre um desejo de mudança, do novo, da revolução que é abafado pelas dificuldades e pelos riscos que ela implica. Todos queremos que as coisas mudem, mas temos certo medo diante da desinstalação. Esta é uma tendência nata no humano, pois ele é marcado pela busca da estabilidade

e da burocratização, como tendência das instituições. A questão central é como desinstalar em nível cognitivo, psíquico e prático acomodação emergente de um mecanismo inconsciente. Diante da tensão permanente entre mudança e acomodação é que se faz necessária a instauração do processo reflexivo-crítico-criativo pois, através dele, a tensão é mantida viva e na sua vivacidade possibilita a construção de novos horizontes de ação.

Tal processo não é nunca automático, mas resultado de uma série de conflitos e transgressões, possibilitando autonomia do humano que se desacomoda para romper e, rompendo, percebe-se autonomamente ele próprio sujeito de sua história”31.

Porém, mesmo rodeada de conhecimentos já acomodados, fazendo referência ao pensamento das professoras que exercem a profissão na mesma instituição que eu, já me sentia uma professora reflexiva e me sentia atraída pela transformação. Queria fazer em minha sala de aula algo inovador e não era para mostrar que eu sabia mais ou por querer ser melhor do que ninguém, mas por sentir que com o meu pensamento, no qual já herdei do processo reflexivo que tive durante a graduação, eu poderia fazer mais por aquelas crianças, eu poderia torná-los indivíduos reflexivos.

Assim sendo, busco no dia a dia da minha sala de aula colocar em prática atividades que foram desenvolvidas nos componentes curriculares dos ensinos de matemática, tentando dialogar com os objetivos estabelecidos pelo currículo da educação infantil.

6.3 REENCONTRAR A MATEMÁTICA NO PROCESSO DE INSERÇÃO