• Nenhum resultado encontrado

5 AS PRÁTICAS QUE DERAM ENTUSIASMO AO MEU EU REFLEXIVO

6.3 REENCONTRAR A MATEMÁTICA NO PROCESSO DE INSERÇÃO

6.3 REENCONTRAR A MATEMÁTICA NO PROCESSO DE INSERÇÃO PROFISSIONAL: EXPERIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Nota-se que, na escrita da minha narrativa, eu descrevo como se deu minha prática docente nesses níveis em que atuei na educação infantil. E muito mais do que isso, que através daquela eu posso refletir sobre esta.

31 GHEDIN, 2012, p. 170.

Interessante pensar que, antes mesmo de iniciar a minha carreira docente atuando na prática, eu já tinha em mente a rejeição pelas práticas adotadas por muitos dos meus professores do ensino básico, levando a crer que eu não iria reproduzir tais práticas. E hoje, muito mais do que pensar em não fazer, pude através da minha escrita autobiográfica confirmar o que era antes só um pensamento. Dessa forma, observo que aquilo que eu defendia continua de pé: optei em trabalhar sendo uma professora profissional e não como os professores técnicos que tive em minhas experiências de ensino básico.

Tomando como base o diálogo que tive com o António Nóvoa, no qual ele me retratava sobre o seu livro intitulado por Vida de professores, esse autor divide e define os professores em “técnicos” e “profissionais”. Como professores técnicos, ele caracteriza os docentes que trabalham sob a perspectiva um ensino baseado na instrução, a avaliação, a verificação32, além disso, ele afirma que estes “tornam-se protetores do que adquirem ou vão adquirir, já que a competição pela posse de recursos escassos necessita de esforços individuais concertados para os conseguir”33. Já em relação aos professores profissionais, ele destaca o fato de ser exigido deste professor:

“flexibilidade, maturidade psicológica, criatividade e complexidade cognitiva”34, isso porque o currículo proposto é mais aberto, se tornando mais envolvente e atrativo para as crianças. Além disso, o conteúdo a ser ensinado se relaciona com a vida cotidiana; a curiosidade e o interesse se tornam pontos importantes e essenciais em todo o processo de ensino e aprendizagem, dessa forma o conhecimento é construído socialmente.

Ainda sobre o interesse, Dewey me explicou que considera essa disposição como sendo “a força que faz mover os objetos quer percebidos, quer representados em imaginação em alguma experiência provida de um objetivo. Nos casos concretos, o valor de reconhecer a função dinâmica do

32NÓVOA, 2013, p. 84.

33NÓVOA, 2013, p. 85.

34 NÓVOA, 2013, p. 86.

interesse em um desenvolvimento educativo é que leva a considerar individualmente as crianças em suas aptidões, necessidades e preferências especiais”35.

Quando eu passo a considerar as necessidades e preferências dos meus alunos, percebo que eles se sentem motivados para realizar as atividades por mim propostas. Vejo que algumas habilidades – chamo habilidades, pois na educação infantil não há conteúdos – que eles podem vir a desenvolver podem sim serem feitas de modo mais leve, sem ser entediante.

Quem observa do outro lado pode talvez imaginar que esse método – conduzido pelas experiências e tendo como base o interesse e a curiosidade dos alunos – possa vir a falhar ou possa ser simplório: não dá trabalho para ser construído e desenvolvido, já que se trata de conteúdo do próprio cotidiano. Porém, não é bem assim. Optei por me apropriar dessa prática pedagógica pelo fato de ser significativa; vejo nela o tal do sentido que faltava no meu ensino básico e busco por meio dela aproximar os saberes que serão levados por meus alunos ao longo de suas vidas.

Sobre este método e o conceito de interesse, o autor ainda conclui em nossa conversa dizendo que: “as pessoas cujos interesses se ampliaram e cuja inteligência foi exercitada ao contato com coisas e fatos, em ocupações ativas com finalidade (seja no jogo, ou seja no trabalho), poderão com mais probabilidades escapar as alternativas de uma cultura puramente acadêmica e ociosa, de uma prática dura, áspera, acanhada de vistas e simplesmente ‘prática’”36.

O fato de ser imbricado diretamente com a vida e ser mais flexível não torna mais fácil a sua prática, muito pelo contrário. Também não podemos realizá-lo de qualquer jeito. Em minha prática, a princípio, tive dificuldade em desenvolver tal método, pois ainda não tinha o espírito observador, que deve ter um professor-pesquisador. Mas, com o tempo fui buscando nas falas dos

35 DEWEY, 1979, p. 142.

36 DEWEY, 1979, p. 150.

meus alunos o que lhes interessava, o que eles queriam saber, o que, naquele momento, instigava-os a aprender, e foi observando as suas curiosidades que eu pude elaborar a minha prática pedagógica; desenvolver os meus projetos; organizar as minhas sequências didáticas.

Não apenas isso, esta prática requer também do professor a busca por respostas das muitas perguntas feitas pelas crianças. A curiosidade delas toma conta e o professor tem o grande papel neste momento de anotar todas elas e procurar, em muitas fontes, explicar, respondendo suas inquietações.

Além de defender esse tipo de abordagem, a educação infantil segue um padrão curricular, um documento a nível nacional, que é a BNCC – Base Nacional Comum Curricular. Esta estabelece que as creches e as pré-escolas devem ter como objetivo “ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação”37.

Ainda de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, as DCNEIs, este nível de ensino deve incentivar “a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza”38. Dessa forma, eu como professora, além de seguir as minhas crenças, devo sem dúvida trabalhar com os documentos que regem a educação na etapa do ensino na qual estou atuando.

Além do que, na escola privada em que trabalho, é exigido em nossas atribuições que o planejamento siga os objetivos e as competências estabelecidas pela BNCC, desenvolvendo assim os chamados campos de

37 BRASIL, 2017, p 36.

38 BRASIL, 2010, p. 26.

experiências. É válido ressaltar que, mesmo seguindo os objetivos da BNCC, não deixo de lado o trabalho que venho fazendo com os conceitos. Estes campos “constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural”39. Assim, com todo esse aparato teórico, fica evidente que o ensino da educação infantil possui toda uma estrutura curricular construída e nela se destacam as diversas experiências que as crianças terão como aprendizado para usar ao longo de toda a sua vida.

Diferentemente da prática e do modo de pensar que eu defendo, acima destacadas, como já bem mencionado neste trabalho, no meu ensino básico como um todo, com o destaque de todas as disciplinas, havia muitas lacunas e, principalmente no ensino de matemática. Mesmo eu tendo um grande afeto pelos números e facilidade ao desenvolver problemas, eu entendia as reclamações dos meus colegas, quando estes diziam não encontrar neste ensino sentido e significado. O fato é que as práticas utilizadas pelos meus professores já eram reproduções dos ensinos que receberam, seja em termo de ensino básico, seja em ensino superior. Como eu sempre gostei muito de conversar com os meus professores, observava, pela fala deles, que a formação inicial que tinham não lhes dera base para que pudessem desenvolver uma prática voltada a um preparo para a vida, em outras palavras, em um aprendizado que respondessem os tantos

“porquês” e “para que” dos seus alunos.

Dessa forma, cheguei à mesma conclusão das autoras Silva e Burak que já tinham me afirmado que “[...] esta Matemática presente na vida das pessoas e constituinte do próprio modo de pensar humano tem encontrado muitos limites no âmbito escolar, porque há um distanciamento do que se faz na escola com a vida dos educandos, ou seja, em Matemática o ensino é pautado na reprodução de fórmulas, regras e exercícios mecânicos com pouca ou nenhuma relação com o contexto, o que torna a aprendizagem

39 BRASIL, 2017, p. 40.

de Matemática desprazerosa”40.

Mas, será que este ensino pautado no distanciamento da realidade é causado apenas pela forma como o professor trabalha em sala de aula?

Será que ele está realmente preparado para trabalhar a Matemática pensando no cotidiano? Será que estes mesmos professores somente estão reproduzindo o que lhes foi ensinado no contexto da sua Educação Básica?

E mais ainda, será que a sua formação inicial docente os ajudou a refletir sobre esta Matemática imbricada com a vida?

Foi pensado em todas essas indagações que propus esta pesquisa.

Percebo que o contexto da formação inicial é muito importante para o ensino da Matemática e mais ainda que faltam aos futuros professores a sensibilidade de perceber que ela está em tudo, que permeia toda a vida.

Entretanto, será que o docente está preparado para essas situações? Como se espera que ele possa trabalhar com confiança, autonomia, bem-estar, se durante sua formação isso não se reflete? Qual é a relevância da sensibilidade na formação docente?

Por isso que, por faltar esta sensibilidade, é preciso que esta seja trabalhada durante o processo da formação inicial. Em conversa com a Ivanicska, a autora afirmou que “o educador é a principal ligação entre o conhecimento e a realidade, por isso, ele deve ser preparado e capacitado para que possa efetuar seu trabalho de maneira que possa atingir a todos a sua volta”41.

E Ivanicska continua dizendo que “a sensibilidade em conjunto com a afetividade e autonomia foi e continua sendo apontada como fundamental no processo ensino-aprendizagem, por isso, o educador deve ter experiências que permitam e contribuam para uma formação mais sensível”42.

Como já descrevi acima, ao retratar as minhas experiências durante a graduação em Pedagogia, a formação inicial me levou a refletir sobre o

40 SILVA; BURAK, 2017, p. 1860.

41I VANICSKA, 2016, p.3.

42 IVANICSKA, 2016, p.3.

ensino da Matemática, situação esta que muitos professores não puderam e não podem vivenciar, isto porque a Matemática é uma ciência e sabemos que os critérios ainda bastante defendidos para um conhecimento ser considerado ciência, envolvem este ter objetividade e ser racional. Já em uma formação que há reflexão, que foi a que eu tive, as práticas são pensadas, são problematizadas e isso faz com que o aluno e o professor possam aprender durante todo o processo de ensino e aprendizagem.

É, portanto, em uma formação mais sensível, como já afirmou Ivanicska, que o professor deixa de ter uma imagem de detentor do saber e passa a, com toda humildade, aprender com o outro, neste caso com os seus alunos. Percebo que é através desse ensino, em que há essa troca de saberes que a aprendizagem flui de modo mais leve, de um modo mais prazeroso e os alunos não se sentem mais tão pressionados a tentar entender a Matemática simplesmente para obter a nota necessária para ser aprovado no ano.

Acredito sim que tive uma formação bastante reflexiva nos componentes curriculares dos Ensinos da matemática no curso de Pedagogia, porém senti falta de mais práticas em relação aos conceitos matemáticos a serem abordados na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, campos de atuação do pedagogo, mas, no que se refere às experiências que tive ao longo do curso, pude ver que podemos sim ensinar a matemática de um modo mais afetuoso, optando pela busca da aproximação deste conhecimento no cotidiano dos alunos.

E é nesse sentido que venho procurando trabalhar com a Matemática ao assumir uma turma de educação infantil. Como já explicitado nesta pesquisa, a educação brasileira segue um modelo de currículo, que é a BNCC. Antes dessa, a educação infantil possuía um outro referencial curricular, o chamado RCNEI (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil), que se dividia em dois âmbitos de experiência: Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo. Este último era ramificado em seis eixos de trabalho orientados pelos objetos de conhecimento, entre eles

estava a Matemática. Entretanto, com a mudança de currículo o termo Matemática deixou de ser usual nesta modalidade de ensino, sendo substituída pelo campo de experiência denominado Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Esse campo possui vários objetivos, responsáveis por nortear a prática pedagógica, são eles:

Quadro 1 – Objetivos referente ao campo de experiência Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações da BNCC

(EI02ET01) Explorar e descrever semelhanças e diferenças entre as características e propriedades

(EI02ET02) Observar, relatar e descrever incidentes do cotidiano

(EI01ET06) Vivenciar (EI02ET06) Utilizar conceitos (EI03ET06) Relatar fatos

diferentes ritmos, quantidades e identificar o antes, o depois e o entre em uma sequência.

(EI02ET08) Registrar com números a quantidade de crianças categorizando as faixas etárias em: os bebês (crianças de zero a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). E como já observado, estes remetem apenas ao campo intitulado por Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Achei importante trazê-lo para melhor observarmos o fato de que, embora o currículo da educação infantil não trabalhe com a disciplina Matemática propriamente dita, ele acaba desenvolvendo fins que contribuem para que as crianças tenham experiências, das mais diversificadas, com este conhecimento. Não trabalhamos com fórmulas e nem com axiomas, mas propomos a construção do saber matemático por meio de atividades nas quais as crianças possam entender um pouco do mundo em que vivem. Como o meu trabalho é com crianças de 4 e 5 anos, acabo me baseando nos objetivos direcionados às crianças pequenas. Dessa forma, elaboro as minhas práticas norteada por estes objetivos.

Vale lembrar que é ainda na educação infantil, principalmente nos níveis finais, fase de transição para o ensino fundamental, que as crianças

formam as suas bases sobre alguns conceitos matemáticos que servirão para toda a sua vida. Como já mencionado acima, o ensino nesse nível de ensino não dispõe de conteúdos envolvendo a Matemática, mas sim de objetivos e habilidades a serem alcançadas pelas crianças por meio das experiências tidas no processo de aprendizagem. Dessa forma, embora o currículo, a BNCC, não direcione para tais conteúdos este prevê algumas noções básicas que os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental devem ter ao chegar nesse ensino, noções estas voltadas para as seguintes áreas: números, formas e espaço e estatística. Logo, é na educação infantil que essas noções devem ser iniciadas, por meio de práticas que já fazem parte do cotidiano dessas crianças, a fim de que o ensino seja significativo.

Ainda segundo a BNCC, as práticas envolvendo a Matemática deveriam ter um compromisso com o que ela vai chamar de letramento matemático, ou de modo mais simplificado, o numeramento. Este “assegura aos alunos reconhecer que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo e perceber o caráter de jogo intelectual da matemática, como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso (fruição)”43.

Porém, com o novo Plano Nacional de Alfabetização (PNA), os termos

"alfabetização Matemática” e “letramento matemático” não podem ser mais usados por não ser apresentada uma explicação clara sobre o que de fato são tais expressões. Assim, o PNA propõe que se use a expressão

“numeracia” para designar as habilidades envolvendo a Matemática. É válido destacar que, embora os termos tenham passados a ser escritos de modo diferente, ambos carregam o mesmo significado e finalidade para o ensino da matemática, pois o compromisso ainda é com as práticas demandadas no cotidiano. Desse modo, a numeracia “não se limita à habilidade de usar números para contar, mas se refere antes à habilidade de usar a compreensão e as habilidades matemáticas para solucionar

43BRASIL, 2017, p. 266.

problemas e encontrar respostas para as demandas da vida cotidiana”44. Portanto, tendo como base todo esse aporte teórico e metodológico, proponho e direciono as minhas práticas pedagógicas na sala de educação infantil. Em minha conversa com o Paulo Freire, ele afirmou que “a teoria sem a prática vira verbalismo, assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade”45. Busco no meu ensino trabalhar conforme as teorias em que eu acredito serem possíveis para a aprendizagem com sentido e significado. É pela teoria que crio as minhas práticas, como também eu posso justificar os porquês de estas estarem sendo feitas.