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COMO FICAM AS DELAÇÕES DEPOIS DO JULGAMENTO DO SUPREMO?

No documento O Supremo Tribunal Criminal: o supremo em 2017 (páginas 191-194)

Silvana Batini | Thomaz Pereira 30 | 06 | 2017

Para além da própria delação da JBS, a questão de fundo desse julgamento sempre foi essa: definir a extensão e os limites

dos poderes do Ministério Público, do ministro Relator e do Plenário do Supremo.

Ao julgar Questão de Ordem173 sobre poderes do relator ao homo-

logar delações, o Supremo reconheceu limites para os poderes do judiciário, diante do Ministério Público e, internamente, do próprio Plenário, diante do relator. Mas ainda há muita incerteza pela fren- te. Quais são, de fato, esses limites? Serão efetivamente respeitados na prática?

Para além da própria delação da JBS, a questão de fundo desse julgamento sempre foi essa: definir a extensão e os limites dos poderes do Ministério Público, do ministro Relator e do Plenário do Supremo. Depois que o Ministério Público concedeu imunidade aos irmãos Batista em troca de provas contra o presidente da República e outras autoridades, a possibilidade de invalidação do acordo por parte do Supremo passou a ser discutida. De um lado, o desacordo de alguns com os termos do acordo. De outro, o risco de que uma invalidação poderia contaminar outros acordos firmados dentro e fora da Lava Jato.

Delações vêm gerando controvérsias desde o início da Lava Jato. As defesas dos delatados se insurgiram quanto à forma dos acordos, o seu alcance, a qualidade dos delatores e até mesmo sobre a cons- titucionalidade do instituto. Em outros tempos, estas controvérsias

O SUPREMO EM 2017

se arrastariam por anos, discutidas em todos os recursos e instâncias possíveis.

Na Lava Jato, inverteu-se essa dinâmica. Desde os primeiros acordos apareceram delatados com foro privilegiado no Supremo. Isto fez com que o conteúdo destas delações e também o debate em torno de sua forma e procedimento se deslocasse de pronto à última instância, abreviando um longo percurso de debates e incertezas. Um efeito positivo colateral do foro privilegiado, por assim dizer.

O Supremo já havia fixado em 2015 parâmetros decisivos para as colaborações no julgamento do HC 124.483.174 Estes critérios de in-

terpretação vêm sendo a base de novos acordos, não somente na Lava Jato, mas em todos os casos que envolvem organizações criminosas. Agora, mais alguns parâmetros foram definidos.

O julgamento reconheceu a autonomia do Ministério Público para decidir os termos do acordo e firmou a competência do relator para, ao homologar individualmente, decidir sobre a legalidade da delação de forma que deveria, “como regra”, ser respeitada pelo Plenário. Em um sistema em que a delação é negociada pelo Ministério Público, homologada no Supremo individualmente pelo ministro relator, em uma ação que será julgada pelo Plenário:

• qual o limite da autonomia do Ministério Público para estipular os termos da delação?

• qual o limite do poder do ministro individual ao decidir homologar ou não os termos do acordo?

• uma vez homologado, qual o limite do poder do Plenário ao final, ao julgar o caso, frente ao acordo e à homologação prévia do ministro relator?

Poderia o relator se recusar a homologar a delação negociada pelo Ministério Público por não concordar com a generosidade dos seus termos? Poderia o Plenário invalidar uma delação homologada pelo re- lator por não concordar com sua decisão sobre a legalidade do acordo? Decidiram, por maioria, que, uma vez homologado um acordo, o tribunal só poderá reavaliar as cláusulas para verificar se foram

174 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 124483 - HABEAS CORPUS (Eletrônico). Disponível em: <https://goo.gl/Xjzvkn>. Acesso em: 09 mar. 2018.

O SUPREMO TRIBUNAL CRIMINAL

cumpridas de forma satisfatória, se não foram prejudicadas por fato superveniente ou se há alguma nulidade.

Portanto, há limites para o Plenário do Supremo. A princípio, não poderia rever aquilo que foi homologado pelo relator, exceto quando presentes essas condições específicas. No entanto, ao fim e ao cabo, a realidade é que, no futuro, caso a caso, caberá ao Plenário dizer se estão presentes estas condições.

Se é verdade que o Supremo impôs limites ao Plenário, mas sendo Plenário a última instância de aplicação desses limites, só o futuro poderá dizer em que medida o Plenário realmente aceitará essas restrições. Ministros poderão divergir profundamente sobre a defi- nição dos próprios limites que estabeleceram. Divergências que se manifestaram não só nos votos vencidos, mas também nas discussões entre ministros que acabaram compondo a maioria, como foi o caso de Alexandre de Moraes. O ministro fez questão de deixar claro que o Plenário não “está vinculado” à decisão homologatória do relator, mas deve apenas “como regra” respeitar sua decisão. A maioria acatou, e o placar terminou 8 a 3.

Em abstrato, por oito a três, o Plenário decidiu que, como “regra”,

sem “estar vinculado”, deve respeitar as decisões homologatórias de ministros individuais, mas o que isso significa em concreto é algo que só casos concretos esclarecerão. Mas o que exatamente se esconde, na prática, entre “a regra” e “a vinculação”?

Os três ministros que divergiram ao julgar a questão de ordem agora provavelmente continuarão divergindo ao julgar casos concretos no futuro. Mas mesmo alguns dos oito ministros da maioria poderão divergir sobre o significado de suas próprias palavras de agora. Com isso, a cada caso, novas maiorias podem se compor.

Como já é regra no país, portanto, o Supremo continua o gestor final de seus próprios limites – e da incerteza que essa atuação gera.

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CÁRMEN LÚCIA PODE ADIAR O

No documento O Supremo Tribunal Criminal: o supremo em 2017 (páginas 191-194)