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FORO PRIVILEGIADO: ENTRE FATOS E ARGUMENTOS

No documento O Supremo Tribunal Criminal: o supremo em 2017 (páginas 113-117)

Thomaz Pereira | Ivar A Hartmann

02 | 06 | 2017

O foro privilegiado é um tratamento pouco republicano das autoridades? O Supremo tem sido eficiente ao cumprir

a tarefa de julgar essas autoridades?

O foro privilegiado é um privilégio? O foro privilegiado é ineficien- te? O que torna o foro privilegiado um privilégio é a sua ineficiência? Essas perguntas tão distintas estão misturadas no debate atual sobre a constitucionalidade do foro privilegiado. Mas é preciso respondê-las separadamente.

Privilégio?

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso propõe interpretar o foro de maneira restritiva que só vale para crimes (i) cometidos no

decorrer do mandato e (ii) relacionados ao exercício da função pública. Fora dessas condições, o foro seria um privilégio problemático em uma constituição republicana. Nisso, foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Não há até aqui discussão sobre eficiência, mas sim sobre igualdade. Será que garantir que um detentor de cargo público seja julgado pelo Supremo, mesmo por crimes sem relação com o cargo, não é uma desigualdade excessiva?

O SUPREMO EM 2017

verdade, eliminar o foro privilegiado poderia na verdade gerar mais impunidade.

Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli parecem concordar – Mendes se insurgindo contra pesquisa do projeto Supremo em Números da FGV Direito Rio129 e Toffoli apresentando dados indivi-

duais sobre a eficiência de seu próprio gabinete. Contudo, permanece o fato público e notório de que, por algum motivo, réus parecem preferir ser julgados pelo Supremo, como lembrou Barroso.

Privilégio porque ineficiente?

Até aqui, parecem estar em jogo planos totalmente independentes. O foro privilegiado é um tratamento pouco republicano das autori- dades? O Supremo tem sido eficiente ao cumprir a tarefa de julgar essas autoridades?

As duas dimensões, porém, estão em contato. Antes de pedir vista, o ministro Alexandre de Moraes as conectou em sua manifestação no plenário. Saber se há ou não um privilégio dependeria de saber se o Supremo cumpre bem ou não a tarefa de julgar essas autoridades. A complexidade do tema foi sua justificativa para pedir vista.

Quando o julgamento reiniciar, os ministros precisarão afinal en- frentar a relação entre a dimensão de princípio – ser julgado pelo Supremo é um tratamento desigual? – e a dimensão pragmática – o julgamento pelo Supremo tem funcionado bem? De que maneira os dados sobre como o foro funciona na prática devem influenciar a decisão sobre a constitucionalidade?

Soluções requerem diagnósticos

As duas dimensões podem se relacionar com os dados informando a interpretação da constituição, mas é um erro considerar que elas são a mesma coisa. Quando o relatório do Supremo em Números aponta que apenas 5,94% das ações penais começaram – por inquérito – e terminaram com julgamento de mérito no Supremo, isso não nos diz nada, por si só, sobre a constitucionalidade do foro. Apenas revela a realidade do processamento. Diante desse dado, a reação pode

129 SUPREMO EM NÚMEROS. Relatórios. Disponível em: <https://goo. gl/3p1RU5>. Acesso em: 09 mar. 2018.

O SUPREMO TRIBUNAL CRIMINAL

ser tanto restringir o foro, quanto torná-lo mais efetivo, garantindo que 100% das ações penais iniciadas no Supremo ali permaneçam e terminem.

Na verdade, é possível pensar em soluções distintas, e até antagôni- cas, a partir de um mesmo diagnóstico e dos mesmos dados. De um lado, diminuir os casos nos quais há prerrogativa de foro é combater o “sobe e desce” processual. Se os casos começam sempre “de bai- xo” e não podem subir ou descer por decisão alheia ao Judiciário, não haveria mais esse problema. Reduzindo-se o foro, o mal seria cortado pela raiz.

Por outro, se um dos problemas que geram a ineficiência do foro é exatamente essa subida e descida entre instâncias, uma solução antagônica seria preservar sob competência do Supremo (e de outros tribunais) processos que ali se iniciaram, mesmo que o réu depois venha a perder a prerrogativa de foro. Assim, a eficiência é combatida julgando-se como se foro privilegiado tivesse quem não o tem mais

O caso concreto a partir do qual o Supremo discute a tese jurídica ilustra exatamente essa questão: os fatos teriam ocorrido em 2008, o julgamento se iniciou no TRE em 2013 – porque, na época, o acusado tinha prerrogativa de foro por ser prefeito – encerrado o seu mandato, então sem qualquer prerrogativa, o caso “desceu” para a primeira instância, mas em 2015 ele tomou posse na Câmara dos Deputados e, como passou a ter foro no Supremo, o caso “subiu” até lá, mas, reeleito prefeito em 2016, abriu mão da cadeira no Congresso quando o processo já se encontrava liberado para julgamento no Supremo. Agora discute-se se o caso deve “descer” mais uma vez.

Neste caso específico é possível que o Supremo tenha, até aqui, sido particularmente eficiente, mas, independentemente disso, ele exemplifica bem porque o funcionamento atual do foro privilegia- do, com a possibilidade de múltiplas interrupções no andamento do processo pela subida e descida entre instâncias, pode gerar impunidade.

O SUPREMO EM 2017

O projeto Supremo em Números da FGV Direito Rio, agora em seu quinto relatório130 permite conhecer e compreender as características

sistêmicas da prática no tribunal, diferentemente de levantamentos sobre gabinetes isolados ou exemplos baseados em casos excepcionais como o Mensalão. Pesquisas como essa não apontam uma forma única e obrigatória de tratamento das patologias encontradas. Porém, não é possível fazer boas escolhas entre possíveis tratamentos sem informações sobre a realidade do problema.

A eventual ineficiência do foro privilegiado no Supremo é um argumento para tornar esses processos mais eficientes, não neces- sariamente para que o instituto seja inconstitucional. Há inclusive maneiras de fazer isso que preservam e até expandem o foro em cer- tos casos – como visto acima – e muitos argumentos diferentes que podem ser feitos a partir dos fatos apontados. Contra a importância de haver clareza quanto aos próprios fatos, no entanto, não parece haver qualquer disputa ou argumento.

130 FALCÃO, Joaquim; HARTMANN, Ivar A.; ALMEIDA, Guilherme da Franca Couto Fernandes de; CHAVEZ FILHO, Luciano de Oliveira.

V Relatório Supremo em Números: o foro privilegiado e o Supremo.

Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2017. Disponível em: <https://goo. gl/Tk4vmW>. Acesso em: 09 mar. 2018.

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O SUPREMO DEVE SUSPENDER A

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