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TEMER, JANOT E A LISTA DE FACHIN: INVESTIGAR É POSSÍVEL

No documento O Supremo Tribunal Criminal: o supremo em 2017 (páginas 100-104)

Diego Werneck Arguelhes 12 | 04 | 2017

A imunidade é contra responsabilização penal, não contra fatos e seu efeito público. A Constituição exige que esperemos o fim do mandato para processarmos um presidente por fatos alheios à

função. Mas não impede o juízo público sobre esses fatos.

A “lista de Fachin”, com 105 investigados na Lava Jato no Supremo, inclui oito ministros de estado123 – alguns muito próximos do presiden-

te Temer. Temer, porém, apesar de citado na delação da Odebrecht, está fora da lista. Não porque não haja qualquer suspeita sobre ele, mas porque o Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entende não ser possível investigar o presidente da República nesse caso.

Segundo Janot, durante seu mandato, o presidente da República tem “imunidade temporária a persecução penal” por fatos alheios ao exercício da função124 – o que incluiria quaisquer eventos ocorridos

antes de assumir a presidência. Contudo, o texto constitucional não menciona expressamente “investigar” o presidente. Proíbe, sim, que ele seja “responsabilizado” por esses fatos na vigência de seu manda- to.125 Mas investigar é responsabilizar?

123 FALCÃO, Márcio; SCOCUGLIA, Livia. Edson Fachin abre 74 in- quéritos da Odebrecht no STF. JOTA, 11 abr. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/V7a8Bf>. Acesso em: 09 mar. 2018.

124 PIRES, BRENO. PGR diz que não pode investigar Temer sobre doação ao PMDB em 2012. ESTADÃO, 31 mar. 2017. Disponível em: <https:// goo.gl/uUrqVX>. Acesso em: 09 mar. 2018.

125 PEREIRA, Thomaz. Nada a Temer? JOTA, 09 ago. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/sd2yZ9>. Acesso em: 09 mar. 2018.

O SUPREMO TRIBUNAL CRIMINAL

Sem dúvida, condenar é responsabilizar. E é razoável defender que, pela constituição, o presidente não poderia sequer ser denunciado e processado. Afinal, se não pode ser condenado, não faria sentido haver uma denúncia formal agora, que precisaria aguardar o fim do mandato para ser julgada. Teríamos um processo que não pode seguir para sua conclusão.

Mas essa imunidade não chega até o ato de investigar. Investigar não é sequer a denúncia, por parte do MP, na qual se pede a respon- sabilização. Investigar produz informação, que pode ou não ser usada para uma futura denúncia e, talvez, responsabilização. Além disso, é a investigação agora que garantirá que o presidente possa ser efetiva- mente julgado, no futuro, quando sair do cargo. Não apenas porque provas e testemunhas podem se tornar inacessíveis com o tempo, mas porque um presidente mal-intencionado pode usar seu cargo, nesse período de imunidade, para tornar mais difícil a investigação futura.126

Há, portanto, fortes argumentos – textuais e práticos – contra a lei- tura ampliada que o PGR deu fez da imunidade presidencial. Embora essa me pareça a melhor interpretação do texto constitucional, não é a única possível. Disputas sobre o significado da Constituição são normais. Contudo, independentemente do mérito da interpretação que expande a imunidade presidencial, sua adoção pelo PGR no caso de Temer tem três implicações institucionais importantes.

Primeiro, o PGR retirou do Supremo a chance de decidir sobre sua própria jurisprudência. Como observei em Temer e Lava Jato: não é

proibido investigar no passado ministros do Supremo já entenderam

que a constituição permite a investigação. Em 1992, por exemplo, em inquérito sobre crimes – eleitorais – que Fernando Collor teria praticado durante a campanha, o ministro Celso de Mello observou que a imunidade presidencial “não impede que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-proces- sual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a […] viabilizar, no momento oportuno, o ajuizamento da ação penal”.127 Na época, nem todos os ministros concordaram. 126 ARGUELHES, Diego Werneck. Temer e Lava Jato: não é proibido

O SUPREMO EM 2017

O inquérito foi arquivado sem uma decisão clara do Supremo sobre esse ponto.

A distinção entre investigar e processar reapareceu algumas vezes no Supremo desde então. Em especial, em 2015, o ministro Teori Zavascki voltou ao tema em inquérito sobre condutas que Dilma Rousseff teria praticado ainda no conselho diretor da Petrobrás. Ao aceitar o pedido do PGR de arquivamento por falta de indícios, Zavascki – dialogando diretamente, nos autos, com a tese de Janot – registrou que, na jurisprudência do Supremo, a constituição não proi- biria a investigação no caso de Dilma se houvesse indícios para tanto. O PGR pode discordar de Zavascki. Mas, no mínimo, houve ali uma sinalização de que há interpretações divergentes. E, se há diver- gências sobre tema tão central, quem deve resolvê-las é o colegiado do Supremo. Contudo, ao pedir o arquivamento, Janot resolve esse conflito jurisprudencial nos seus próprios termos, e por suas próprias mãos, em instância única. Tornou-se assim o intérprete último da Constituição quanto à possibilidade de se investigar Temer.

Segundo, querendo ou não, além de imunizar juridicamente o presidente, acaba por imunizá-lo também politicamente. A imuni- dade é contra responsabilização penal, não contra fatos e seu efeito público. A Constituição exige que esperemos o fim do mandato para processarmos um presidente por fatos alheios à função. Mas não impede o juízo público sobre esses fatos, que podem inclusive pesar na campanha eleitoral de 2018.

Terceiro, o PGR exerceu importante poder, mas nublando a res- ponsabilidade por sua decisão. Pela Constituição, o PGR controla quando o presidente será denunciado. Consequentemente, deveria ser avaliado publicamente quanto ao uso que faz – ou não – deste poder em cada caso, considerando os fatos que apurou e que considera – ou não – suficientes para a denúncia. Com sua interpretação, porém, o PGR parece transferir a responsabilidade para a Constituição. Na prática, temos uma decisão de não-investigação, mas sem que o PGR figure claramente como responsável. Apresentou-se de mãos atadas, como se o texto constitucional o proibisse até mesmo decidir se in- vestiga ou não. Mas essa imagem é enganosa. A constituição não se interpreta sozinha. A responsabilidade é de quem assim a interpretou.

A posição de Janot cria ainda um problema adicional para futuros PGRs. Nas indicações e sabatinas para o cargo, presidentes e se- nadores autointeressados podem escolher candidatos com base na

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pergunta: qual sua visão sobre a extensão da imunidade presidencial? Escolher investigar ou não depende do caso. Mas adotar ou não a posição de Janot sobre a imunidade presidencial é uma questão de direito. Pode ser respondida em tese. Para preservar a autonomia da instituição no futuro, portanto, seria preciso que o PGR de hoje não tentasse transformar seu monopólio da ação penal em monopólio da interpretação constitucional.

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RÉUS PODEM SER CANDIDATOS A

No documento O Supremo Tribunal Criminal: o supremo em 2017 (páginas 100-104)