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2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS

2.2 Evolução da discriminação das competências tributárias

2.2.3 A competência durante a Era Vargas.

Após a Revolução de 1930, marcada pelo sentimento de retorno do centralismo, resultado das disparidades regionais e do domínio das oligarquias fortalecidas pela descentralização, promovida pela Constituição de 1891, Getúlio Vargas assume o governo provisório.

Em 1934, resultado da revolução constitucionalista ocorrida em São Paulo, no dia 16 de julho, foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos, que, embora trouxesse algumas inovações, manteve a república, a federação, a divisão de poderes, o presidencialismo e o regime representativo, já existentes nas Constituições anteriores (SILVA, J., 2001, p. 81).

No que se refere aos tributos, a nova Constituição previa a possibilidade de

73Quanto aos munícipios, não lhes foram atribuídas competências tributária direta, ou seja, “voltava - sob o aspecto financeiro - município a significar mera repartição administrativa do estado, integralmente sujeito a seus desígnios, em matéria financeira” (ATALIBA, 1968, p. 69).

74 “Além das fontes de receita discriminadas nos arts. 7º e 9º, é licito à União como aos Estados, cumulativamente ou não, criar outras quaisquer, não contravindo, o disposto nos arts. 7º, 9º e 11, nº 1” (BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, art. 12).

instituição de taxas, contribuições e impostos, que poderiam ser arrecadados pela União, estados e município75, além de ser a primeira conceder aos municípios uma renda definida (KORFF, 1977):

A evolução no sentido da rigidez registra mais um passo decisivo com a Constituição de 1934, que resolve fazer logo o quinhão dos Municípios, ao invés de confiar a tarefa aos legisladores estaduais. As três competências definiram-se logo, claramente, no Estatuto Supremo (BALEEIRO, 1952, p. 14).

No mesmo sentido:

A Constituição de 1934 e diversas leis desta época promovera importantes alterações na estrutura tributária do país, deixando-o em condições de ingressar na fase seguinte da evolução dos sistemas tributários, aquela em que predominam os impostos internos sobre produtos. As principais modificações ocorreram nas órbitas estadual e municipal. Os estados foram dotados de competência privativa para decretar o imposto de vendas e consignações, ao mesmo tempo em que se proibia a cobrança do imposto de exportações em transações interestaduais e limitava-se a alíquota deste imposto a um máximo de 10%. Quanto aos municípios, a partir da Constituição de 16 de julho de1934, passaram a ter competência privativa para decretar alguns tributos (VARSANO, 1996, p. 3).

Aliomar Baleeiro (1952, p. 14) vislumbra ser vantajoso tal desdobramento da competência, apontando apenas uma desvantagem:

As vantagens da discriminação rígida apresentam-se nítidas, à primeira reflexão: 1) preservação da autonomia dos Estados e dos Municípios garantido um campo mínimo e exclusivo a cada um dêles; 2) segurança dos contribuintes quanto à bitributação, como tal entendida a exigência dos tributos sôbre o mesmo fato econômico ou jurídico por parte de governos diferentes; 3) à simplificação, pois os tributos afins poderão ser sempre reduzidos às categorias previstas na Constituição federal, evitando- se a perturbadora multiplicidade de impostos. A desvantagem única é a de sujeitar o legislador a uma disciplina, que lhe tolhe até certo ponto a liberdade de movimentos, tão grata aos que detêm o poder.

A competência tributária privativa da União estava delimitada no artigo 6º:

75 “A Constituição Federal de 1934 inscreveu como princípio constitucional, no seu Art. 13º, a autonomia do município em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse e, especialmente, à eletividade do prefeito e dos vereadores, à decretação de seus tributos e à organização de seus serviços. Além disso, inovou ao introduzir a transferência de parte da receita estadual de impostos aos municípios de onde tenha provindo a arrecadação (Art. 10º)” (LIMA; SILVA, 2011, p. 16).

Compete, também, privativamente à União: I - decretar impostos: a) sobre a importação de mercadorias de procedência estrangeira; b) de consumo de quaisquer mercadorias, exceto os combustíveis de motor de explosão; c) de renda e proventos de qualquer natureza, excetuada a renda cedular de imóveis; d) de transferência de fundos para o exterior; e) sobre atos emanados do seu Governo, negócios da sua economia e instrumentos de contratos ou atos regulados por lei federal; f) nos Territórios, ainda, os que a Constituição atribui aos Estados; II - cobrar taxas telegráficas, postais e de outros serviços federais; de entrada, saída e estadia de navios e aeronaves, sendo livre o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais, e às estrangeiras que já tenham pago imposto de importação (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 art. 06).

A dos Estados no artigo 8º:

Também compete privativamente aos Estados: I - decretar impostos sobre: a) propriedade territorial, exceto a urbana; b) transmissão de propriedade causa mortis; c) transmissão de propriedade imobiliária

inter vivos, inclusive a sua incorporação ao capital da sociedade; d) consumo de combustíveis de motor de explosão; e) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais, ficando isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido na lei estadual; f) exportação das mercadorias de sua produção até o máximo de dez por cento ad valorem, vedados

quaisquer adicionais; g) indústrias e profissões; h) atos emanados do seu governo e negócios da sua economia ou regulados por lei estadual; II - cobrar taxas de serviços estaduais (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, art; 08).

Quanto aos municípios, além das transferências já previstas no diploma constitucional anterior, fora-lhes atribuída a competência privativa sobre os seguintes impostos:

Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse; e especialmente: §2º - Além daqueles de que participam, ex vi dos arts. 8º, §2º, e 10, parágrafo único, e dos que lhes forem transferidos pelo Estado, pertencem aos Municípios: I - o imposto de licenças; II - os impostos predial e territorial urbanos, cobrado o primeiro sob a forma de décima ou de cédula de renda; III - o imposto sobre diversões públicas; IV - o imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais; V - as taxas sobre serviços municipais (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, art. 13).

Em relação a competência da União, podemos notar que foi mantido o imposto sobre importação de mercadorias e acrescidos, com as ressalvas contidas

no artigo retro citado, consumo de mercadorias, rendas de qualquer natureza e de transferência de fundos para o exterior.

O imposto sobre entradas, saída e estádia de navios foi reconhecido como taxa; as “taxas de selo” foram substituídas por impostos; e as taxas de telegráficas e postais foram acrescidas as de outros serviços federais.

Os estados tinham competência relativa a impostos sobre: imóveis rurais; transmissão de propriedade causa mortis; transmissão de propriedade imobiliária

inter vivos; consumo de combustíveis de motor de explosão, vendas e

consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais; exportação de mercadoria, mas, com um limite de 10% para sua alíquota “ad valorem”; e sobre industrias e profissões, embora o produto da arrecadação devesse ser dividido com os municípios.

Igualmente com o que ocorreu em relação à União, as taxas de selo dos estados foram substituídas por impostos sobre atos emanados dos respectivos governos e negócios de sua economia ou regulados por lei estadual.

As taxas de correios e telégrafos foram suprimidas da competência estadual, surgindo a figura da competência para cobrar taxas sobre serviços estaduais.

Quanto aos municípios, coube-lhes a competência sobre o imposto predial e territorial urbano, que no diploma constitucional anterior pertencia aos estados, sobre o imposto de licença, sobre o imposto de diversões públicas e sobre o imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais e, ainda a possibilidade de cobrarem taxas sobre os serviços municipais.

Esta Constituição previu a competência concorrente em matéria tributária dos Estados e União, em seu artigo 10º, dispondo que “compete concorrentemente à União e aos Estados: [...] VII - criar outros impostos, além dos que lhes são atribuídos privativamente”.

Ainda, no que concerne a competência tributária, a Constituição de 1934 estabeleceu alguns limites76, tais como, vedação de bitributação, prevalecendo, no

76 Artigo 11: “É vedada a bitributação, prevalecendo o imposto decretado pela União quando a competência for concorrente. Sem prejuízo do recurso judicial que couber, incumbe ao Senado Federal, ex officio ou mediante provocação de qualquer contribuinte, declarar a existência da bitributação e determinar a qual dos dois tributos cabe a prevalência”. Artigo 17: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VII - cobrar quaisquer tributos sem lei especial

caso de competência concorrente, o imposto instituído pela União, obediência aos princípios da legalidade, liberdade de tráfego, imunidade recíproca, uniformidade e de gravarem, com qualquer imposto, as profissões de jornalista, escritor e professor.

Em 1937, com o Golpe de Estado e instauração do Estado Novo, por Getúlio Vargas, o qual se manteve como chefe de governo até 1945, a tendência centralizadora alcançou seu ponto máximo experimentado pelo país até aquele momento, iniciando o primeiro período ditatorial.

A Constituição de 1934 foi revogada e, em 1937, foi outorgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que, na prática não foi observada, sendo, nas palavras de José Murilo de Carvalho (1996, p. 46), “uma obra de ficção”.

No que concerne à esfera tributária, “a ditadura implantada com o denominado Estado Novo preservou quase toda a distribuição tributária que constava na Constituição de 1934” (SCHULER, 1987, p. 186)77

que os autorize, ou fazê-lo incidir sobre efeitos já produzidos por atos jurídicos perfeitos; VIII - tributar os combustíveis produzidos no País para motores de explosão; IX - cobrar, sob qualquer denominação, impostos interestaduais, intermunicipais de viação ou de transporte, ou quaisquer tributos que, no território nacional, gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou pessoas e dos veículos que os transportarem; X - tributar bens, rendas e serviços uns dos outros, estendendo-se a mesma proibição às concessões de serviços públicos, quanto aos próprios serviços concedidos e ao respectivo aparelhamento instalado e utilizado exclusivamente para o objeto da concessão. Parágrafo único - A proibição constante do nº X não impede a cobrança de taxas remuneratórias devidas pelos concessionários de serviços públicos”. Artigo 18: “É vedado à União decretar impostos que não sejam uniformes em todo o território nacional, ou que importem distinção em favor dos portos de uns contra os de outros Estados”. Artigo 19: “É defeso aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV - estabelecer diferença tributária, em razão da procedência, entre bens de qualquer natureza”. Artigo 113: “A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 36) Nenhum imposto gravará diretamente a profissão de escritor, jornalista ou professor” (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934).

77 Artigo 20: “É da competência privativa da União: I - decretar impostos: a) sobre a importação de mercadorias de procedência estrangeira; b) de consume de quaisquer mercadorias; c) de renda e proventos de qualquer natureza; d) de transferência de fundos para o exterior; e) sobre atos emanados do seu governo, negócios da sua economia e instrumentos ou contratos regulados por lei federal; f) nos Territórios, os que a Constituição atribui aos Estados; II - cobrar taxas telegráficas, postais e de outros serviços federais; de entrada, saída e estadia de navios e aeronaves, sendo livre o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais e às estrangeiras que já tenham pago imposto de importação. Artigo 23: “da competência exclusiva dos Estados: I - a decretação de impostos sobre: a) a propriedade territorial, exceto a urbana; b) transmissão de propriedade causa mortis ; c) transmissão da propriedade imóvel inter vivos, inclusive a sua incorporação ao capital de sociedade; d) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido em lei estadual; e) exportação de mercadorias de sua produção até o máximo de dez por cento ad valorem , vedados quaisquer adicionais; f) indústrias e profissões; g) atos emanados de seu governo, e negócios da sua economia, ou regulados por lei estadual; II -

Ocorreram mudanças pontuais. Foram suprimidos o imposto sobre consumo de combustíveis estrangeiros para motor de explosão, que era de competência dos Estados, e o imposto cedular sob a renda de imóveis rurais, que era de competência dos municípios.

A competência para criação de novos tributos restou concentrada nos estados e era defeso a bitributação78.

Na área econômica o governo central tinha como meta a criação de uma economia nacional e o fortalecimento do mercado interno, impulsionado pelas guerras externas, que obrigavam os países a produzirem o que até então obtinham por meio de importações79.

Dando continuidade a esta estratégia, foram adotadas medidas protecionista, tal como a Lei Constitucional nº 03, de 18 de setembro de 1940, que ao emendar os artigos 23 e 35 da Constituição, tornou defeso aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal tributarem “direta ou indiretamente, a produção e o comércio, inclusive a distribuição e a exportação de carvão mineral nacional e dos combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem."

Ainda, dentro deste cenário de desenvolvimento econômico:

cobrar taxas de serviços estaduais. §1º - O imposto de venda será uniforme, sem distinção de procedência, destino ou espécie de produtos. §2º - O imposto de indústrias e profissões será lançado pelo Estado e arrecadado por este e, pelo Município em partes iguais. §3º - Em casos excepcionais, e com o consentimento do Conselho Federal, o imposto de exportação poderá ser aumentado temporariamente além do limite de que trata a letra e do nº I. § 4º - O imposto sobre a transmissão dos bens corpóreos cabe ao Estado em cujo território se achem situados; e o de transmissão causa mortis de bens incorpóreos, inclusive de títulos e créditos, ao Estado onde se tiver aberto a sucessão. Quando esta se haja aberto em outro Estado ou no estrangeiro, será devido o imposto ao Estado em cujo território os valores da herança forem liquidados ou transferidos aos herdeiros”. Artigo 28: “Além dos atribuídos a eles pelo art. 23, § 2, desta Constituição e dos que lhes forem transferidos Pelo Estado, pertencem aos Municípios: I - o imposto de licença; II - o imposto predial e o territorial urbano; III - os impostos sobre diversões públicas; IV - as taxas sobre serviços municipais” (BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934).

78“Os Estados poderão criar outros impostos. É vedada, entretanto, a bitributação, prevalecendo o imposto decretado pela União, quando a competência for concorrente. É da competência do Conselho Federal, por iniciativa própria ou mediante representação do contribuinte, declarar a existência da bitributação, suspendendo a cobrança do tributo estadual” (BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, art. 24).

79 “O território nacional constituirá uma unidade do ponto de vista alfandegário, econômico e comercial, não podendo no seu interior estabelecer-se quaisquer barreiras alfandegárias ou outras limitações ao tráfego, vedado assim aos Estados como aos Municípios cobrar, sob qualquer denominação, impostos interestaduais, intermunicipais, de viação ou de transporte, que gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou de pessoas e dos veículos que os transportarem” (BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, art. 25).

Vale a menção positiva, de outro lado, do imposto criado neste período pela Lei Constitucional 4/40, denominado imposto único sobre operações relativas ao carvão mineral nacional e aos combustíveis e lubrificantes líquidos e qualquer origem. De sua arrecadação, caberia uma quota proporcional ao consumo daqueles produtos em seus territórios, a qual seria aplicada na conservação e desenvolvimento das rodovias. Este foi o primeiro imposto efetivamente nacional, o qual representou importante evolução para o federalismo fiscal pátrio. Ainda assim, esta constituição foi um lapso para a evolução da política de diminuição das desigualdades regionais (DI PIETRO 2004, p. 73).

Ou seja, enquanto a Lei Constitucional80 nº 03 tornou defeso a cobrança do imposto sobre carvão e combustíveis pelos entes federados regionais e locais, a Lei Constitucional nº 04, de 18 de setembro de 194081, entregou a competência do referido imposto à União, prevendo repartição daquilo que fosse arrecadado.

Durante a “Era Vargas”, observamos um início de distribuição de competências tributárias pela Constituição de 1934, que foi interrompido pelo Estado Ditatorial, implantado pela Constituição de 1937. Ou seja, um início de progresso, marcado pelo regresso de uma mudança política, que fez a evolução do federalismo ficar praticamente estagnada até 1945.