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Relação de coordenação entre os entes federativos e a competência concorrente para legislar

4. A PROBLEMÁTICA DA DISTRIBUIÇÃO DE RECEITA TRIBUTÁRIA NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL DA CONSTITUIÇÃO DE

4.2 A divisão de competência tributária em conjunto com a distribuição de receitas na Constituição de

4.2.1 Relação de coordenação entre os entes federativos e a competência concorrente para legislar

A divisão vertical de competência, exposta no artigo 24218 (em relação a

216 Gavronski (2008, p. 53) expõe a que na ocasião da Emenda Constitucional nº 29/2000, havia duas preocupações por parte do Ministério Público: “(1) destinação do mínimo orçamentário constitucional; e (2) gasto do dinheiro efetivamente com “ações e serviços públicos de saúde” e não com outras finalidades”.

217Segundo o estudo “Seguridade e Previdência Social - Contribuições para um Brasil mais justo” da ANFIP (2014, p. 29), no ano de 2013, primeiro ano de validade da Lei Complementar nº 141/2012, o gasto federal mínimo com “ações e serviços públicos em saúde devem ser de R$ 81,9 bilhões, a considerar o montante efetivamente executado segundo seus critérios em 2012 de R$ 77,1 bilhões e a variação nominal do PIB de 2012/2011 de 6,26%”. Segundo o mesmo estudo, no período de 2000 a 2011, em termos de participação no gasto em ações e serviços públicos em saúde a União é responsável em média por 49%. Isso corresponde de 7,7%, em 2000, a 6,7%, em 2011, de sua receita corrente bruta

218 “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...] §1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. §2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. §3º -

União, estados e Distrito Federal) e no artigo 30, inciso II219 (em relação aos munícipios220) ambos da Constituição Federal, repercute diretamente no direito tributário.

Os artigos abordam a competência concorrente para legislar, ou seja, quando uma mesma matéria é atribuída a todos os entes federados, abrindo espaço para que todos legislem sobre assuntos idênticos (FERRAZ JR., 1995, p. 247).

Segundo Miranda Ramalho Cagnone (2008, p. 30), as competências concorrentes “possibilitam que os entes públicos editem normas sobre assuntos relevantes de maneira coordenada”.

O fato de haver previsão de competência concorrente e de prevalecer o poder central sob os demais, não retira a característica principal do federalismo, qual seja, a autonomia de todos os entes federados:

A própria federação reconhece a legitimidade do exercício de competência concorrentes com a preferência do poder central sobre o poder local. A concorrente, todavia, é um dos critérios de distribuição de competência legislativa, vindo sempre acompanhada de uma área de competência privativa dos governos locais (FALCÃO, 1999, p. 96).

Por isso, sempre que for editada norma federal que trate de assunto de normas gerais, as normas editadas pelos estados, Distrito Federal e municípios têm sua eficácia suspensa automaticamente, naquilo que for contrário à norma federal superveniente (CAGNONE, 2008, p. 35).

Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. §4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário” (BRASIL, Constituição da República Federativa de 1988, art. 24).

219 “Compete aos Municípios: [...] I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (BRASIL, Constituição da República Federativa de 1988, art. 30).

220 O legislador constituinte atribuiu, no caput do artigo 24 da Constituição Federal de 1988, competência concorrentes apenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, mas, Janice Helena Ferreri Morbidelli (1999, p. 222) explica que, “embora o dispositivo não mencione os Municípios, entende-se que a eles também é estendida a competência concorrente naqueles assuntos, vez que o artigo 30, § 2º, fornece-lhes competência de suplementar a legislação federal e estadual no que couber”. Em igual sentido, Elcio Reis (2000, p. 69) salienta “que, apesar de não se incluir o Município no artigo 24, como já esclarecido, este poderá, utilizando sua competência suplementar, prevista no artigo 30, inciso II, da Carta Federal, legislar de maneira a suplementar as normas da União, bem como as leis estaduais, sempre que tal fato vise atender seu peculiar interesse local. O artigo 24 vem confirmar a tendência de se repartir a competência legislativa de forma vertical e não somente horizontal, como no federalismo clássico, aprimorando o federalismo de equilíbrio”.

Em matéria tributária, os artigos 24 e 30, inciso II, devem ser interpretados em conjunto com o artigo 146221, todos da CF/88, dos quais extraímos que os entes federados possuem competência legislativa concorrente para legislar sobre direito tributário, e, em se tratando de matéria de competência concorrente, à União cabe estabelecer apenas as normas gerais, que devem ser veiculadas por meio de lei complementar.

Há uma ampla discussão a respeito do que seriam “normas gerais”, que não é objeto do presente trabalho. Por isso, apenas para pontuar a questão, trazemos o entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1991, p. 168), que, após elaborar um estudo sobre o assunto, concluí que:

Normas gerais são preceitos principiológicas que caber à União editar no uso de sua competência concorrente limitada, restritos, enquanto princípios, ao estabelecimento de diretrizes nacionais a serem pormenorizadas pelos Estados-membros para serem aplicadas direta e imediatamente às situações concretas que devam reger

E complementa:

O conceito oferecido sublinha os seguintes elementos que consideramos essenciais para caracterizar normas gerais: 1º) são normas principiológicas – não se identificando com o os princípios “tout court”; 2º) são normas que podem ser editadas pela União, no uso de sua competência concorrente limitada; 3º) São normas que estabelecem diretrizes nacionais sobre certos assuntos enumerados constitucionalmente; 4º) São normas que deverão ser respeitadas como se foram princípios pelos Estados-membros na feitura de suas respectivas legislações; 5º) são normas que carecem de suficiente pormenorização para serem aplicadas direta e indiretamente às situações concretas que devem reger, deverão ser integrada por normas específicas dos Estados - membros para que se apliquem, destarte, indireta e imediatamente; 6º) São, por fim, normas que, se contiverem uma diretriz que natureza principiológica e não precisarem de pormenorização, deverão ser aplicadas, ainda que o

221“Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239 [...]” (BRASIL, Constituição da República Federativa de 1988, art. 146).

Estado-membro haja detalhado de maneira diversa ou se haja omitido na particularização (p. 170).

Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1995, p. 51) elucida o modo como a competência concorrente se relaciona com as “normas gerais”:

Na legislação concorrente, a União possui competência limitada ao estabelecimento de normas gerais; os Estados e o Distrito Federal detêm a competência residual para o estabelecimento de normas particulares, competência que lhes é prevista, e, em caso de lacuna - inexistência - de normas gerais, competência plena (normas gerais e particulares) com função colmatadora (isto é, estabelecimento de normas gerais apenas na medida em que estas sejam exigidas para a edição de normas particulares e, obviamente, válidas só no seu âmbito de autonomia). A superveniência de normas gerais federais, porém, toma ineficazes (mas não inválidas) as normas gerais estaduais com função colmatadora. A despeito das regras sobre a legislação concorrente, Estados e Distrito Federal, mas também os Municípios, mesmo estes, que dela não participam, têm ainda a competência suplementar, que os autoriza a estabelecer normas gerais não-concorrentes, mas decorrentes das normas gerais federais; por isso, aliás, esta competência só pode ser exercida em havendo normas gerais da União (não serve para preencher lacunas), devendo existir compatibilidade entre elas (gerais da União e dos Estados/DF) sob pena de invalidade (inconstitucionalidade). Roque Antônio Carrazza (1986, p. 235), apesar de se reportar à Constituição anterior, explica que normas gerais de direito tributário devem estar em harmonia com a competência privativa dos entes federados, inclusive pelo fato das competências tributárias serem designadas pela Constituição, e, norma infra constitucional lhe serem subordinada:

As “normas gerais de direito tributário” só podem explicitar o que está implícito na Constituição. Não podem inovar, mas apenas declarar. Para além destas angustas fronteiras, o legislador complementar estará arrogando-se de atribuições que não lhe pertencem e, deste modo, desagregando princípios constitucionais que deve acatar máxime os que concedem autonomia jurídica à União, aos Estados e aos Municípios, no que respeita à decretação e à arrecadação dos tributos de suas competências (p. 261).

Assim, se “é a partir do Sistema Federal que se deve buscar o desenvolvimento do País e a consequente redução das desigualdades sociais” (CAGNONE, 2008, p. 08), e um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 3º, inc. III), concluímos que em se tratando de competência concorrente, os entes federados devem legislar em uma relação de coordenação, que é definida por Gilberto Bercovici (2003, p. 151) como:

A coordenação é na realidade um modo de atribuição e exercício conjunto de competências no qual os vários integrantes da federação possuem certo grau de participação. A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação é um procedimento que busca um resultado comum e de interesse de todos. A decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada ente federado, adaptando-a ás suas peculiaridades e necessidades.

A competência tributária, no âmbito das competências concorrentes, prevê que entes federados interajam em uma relação de coordenação, ou seja, autuem, ainda que de maneira isolada e autônoma, em prol do desenvolvimento nacional e o bem estar dos cidadãos:

Em termos fiscais, o federalismo não está limitado a criar espaços financeiros e tributários estanques, mas busca o equilíbrio e a redistribuição da renda inter-regional. Para tanto, são desenvolvidos inúmeros mecanismos que permitem aos diferentes níveis de governo atuarem coordenadamente para a igualação das condições sociais de vida dos habitantes de toda a federação (BERCOVICI, 2003, p. 159).

Portanto, quando a União editar normas gerais em matéria tributária, ou, não o fazendo, os entes federados estabelecerem suas próprias regras, ou, ainda, existindo norma federal, e os entes federados utilizarem de sua competência suplementar, devem almejar um resultado comum e do interesse de todos, ou seja, em benefício da federação e da efetividade dos objetivos da República Federativa do Brasil.

4.2.2 Relação de cooperação entre os entes federativos e a competência