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1.5 Do império à democracia brasileira

1.5.6 O retorno do regime democrático

Com a restabelecimento da democracia, também retornou o debate sobre as relações intergovernamentais. Durante a Assembleia Constituinte, o tema dos repasses entre os entes federativos e a distribuição de tributos foi amplamente debatido.

Cada nível de governo entrou nesta discussão buscando maior quantidade de recursos, sem que isso implicasse, necessariamente, em maiores responsabilidades52.

Os governos estaduais e municipais arguiam que não adiantava terem

52 Apesar das discussões, a atual constituição, no que concerne a distribuição dos recursos financeiros, acabou favorecendo, principalmente, aos municípios, pois houve um aumento dos repasses de recursos da União para estes, os quais não foram acompanhados pelas transferências de responsabilidades (CARVALHO, 1996, p. 55).

autonomia sem recursos financeiros; e, a União, que não conseguiria suportar todas as responsabilidades que lhe haviam sido atribuídas e ainda fazer repasses para os demais entes53.

No ano de 1988, foi publicada a Constituição da República Federativa do Brasil, a qual prevê o federalismo e o insere dentro das cláusulas pétreas54.

Na questão tributária, segundo o anteprojeto da Comissão do Sistema Tributário55, Orçamento e Finanças da Assembleia Nacional Constituinte, convocada em 1985, os principais pontos da pauta em matéria fiscal eram:

a) descentralização e fortalecimento da autonomia dos Estados e Municípios; b) atenuação dos desequilíbrios regionais; c) maior justiça fiscal e proteção ao contribuinte; d) simplificação e adequação da tributação às necessidades de modernização do sistema produtivo; e) garantia de um mínimo de uniformidade nacional ao sistema, nos seus princípios básicos, mediante a preservação da figura da lei complementar em matéria tributária.

Conforme explica José Murilo de Carvalho (1996, p. 56), antes da promulgação da atual Constituição, o governo federal já enfrentava dificuldades para custear a máquina pública, o que somente se agravou, pois, apesar de ter diminuído sua receita, não poderia diminuir seu quadro de funcionários, nem logrou êxito em transferir algumas de suas atribuições para os estados e/ou municípios. A única vitória foi a autorização para privatizar empresas públicas.

Segundo o mesmo autor, outra dificuldade encontrada no início da redemocratização do país, foi a desigualdade entre os estados e, consequentemente, a dependência dos estados mais pobres do governo central, os quais não sobreviveriam sem os repasses da União. O mesmo cenário se repetia em relação aos municípios e a dependência do Fundo de Participação.

53 “O caráter eminentemente político do processo de reforma e a deficiência de informação a respeito das condições mais recentes das finanças públicas impediram que a recuperação da carga tributária fosse listada entre os objetivos da reforma. A reação natural a 20 anos de concentração do poder político alçou o fortalecimento da Federação à condição de seu principal objetivo. Tal objetivo exigia, no que diz respeito às finanças públicas, o aumento do grau de autonomia fiscal dos estados e municípios, a desconcentração dos recursos tributários disponíveis e a transferência de encargos da União para aquelas unidades” (VARSANO, 1996, p. 12).

54 “A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] §4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado” (BRASIL, Constituição da República Federativa de 1988, art. 60).

55 Cf. em <http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-145.pdf>. Acesso em 09 de setembro de 2014.

A atual constituição considerou o município56 como pessoa jurídica de direito público interno, integrante da federação brasileira, encontrando-se “em igualdade com a demais pessoas políticas; possui capacidade de auto-organização; é titular de competências legislativas; detém independência financeira; e, sobretudo, é dotado de Poder Constituinte decorrente” (REIS, 2000, p. 52).

A respeito das dificuldades regionais, Celso Bastos (1995, p. 11) afirma que: No entanto, a solução do problema federativo não é fácil porque, ao contrário da maioria das federações, no caso brasileiro há alguns dados que dificultam a implementação do modelo federativo com todas as suas implicações, sendo o principal, o da igualdade entre os Estados. É difícil tratar isonomicamente entidades tão dispares ao nível da população, extensão territorial, estágio de desenvolvimento socioeconômico e por serem Estados colocados na extrema do máximo desenvolvimento, ou no do menor crescimento.

De qualquer forma, a descentralização, que só pode ocorrer diante da existência de uma forma federativa de Estado, é de suma importância para a democracia e as liberdades públicas, pois visa que os entes federados atuem de forma autônoma, ao mesmo tempo que visam a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consagrados no artigo 3º da Constituição Federal57.

A Constituição de 1988 inaugurou um novo capítulo na história do federalismo brasileiro, renovando sua estrutura e, tendo por base, a cooperação

56 A Constituição Federal de 1988 considerou os munícipios como entes autônomos (art. 01º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” c.c art. 18: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”). Tércio Sampaio Ferraz Jr. (1990) expõe: “até agora as Constituições brasileiras haviam outorgado ao Município uma autonomia em termos de ‘governo próprio’ e ‘competências exclusivas’. A Constituição Federal de 1988 acrescentou, como vimos, o poder de ‘auto-organização’. Em síntese, a autonomia municipal, sede de competência tributária, resulta de atribuições constitucionais (via normas de competência) que outorgam ao Município capacidade de auto- organização (lei orgânica), de autogoverno (eletividade do Executivo e Câmara), de poder heterônomo (elaboração de leis municipais ou capacidade normativa), e de auto - administração (capacidade de instituição de tributos arrecadação e aplicação: autonomia financeira)”. E, no mesmo sentido “Outro condicionamento importante é o que resulta da forte tradição municipalista. A força dessa tradição está hoje refletida no caráter singular assumido pela federação brasileira após a promulgação da Constituição de 1988. Nela, os municípios foram reconhecidos como membros da federação, em pé de igualdade com os Estados no que diz respeito a direitos e deveres ditados pelo regime federativo” (SILVA, F., 2010, p. 335).

57 “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, Constituição da República Federativa de 1988, art. 03).

entre os entes federados.

Ou seja, o “grande objetivo do federalismo é a busca da cooperação entre União e entes federados, equilibrando a descentralização federal com os imperativos da integração econômica nacional” (BERCOVICI, 2008).

Porém, mais do que analisar como o Estado está formalmente estruturado, é preciso verificar se há instrumentos hábeis para sua efetivação. Ao dizermos a respeito de federalismo, é necessário verificar se os entes federados de fato gozam de autonomia e renda para realização de suas atribuições.

No Brasil, o Sistema Tributário assume função de redistribuição de renda para propiciar equalização entre os entes federados, partilhando tributos entre estes. Assim, passamos a analisar o federalismo a partir da esfera fiscal, verificando, a competência tributária e as relações intergovernamentais que se prestam ao abastecimento financeiro das unidades federativas.