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Desde a Constituição Federal de 1891 até a Emenda Constitucional 1/69, a competência para legislar sobre recursos naturais era exclusiva da União.182

No sistema de repartição de competência entre os entes federados da atual Constituição coube à União, em matéria ligada ao meio ambiente, competência material exclusiva de natureza administrativa para planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações (art. 21, XVIII); instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de uso (art. 21, XIX); instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, XX); explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer pesquisa e a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a

179 Neste sentido: MUKAI, Toshio. Administração Pública na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva,

1989.

180 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2000, p. 157-159.

181 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:

Saraiva, 1990, v. 1, p. 189.

182 GUERRA, Sérgio. A competência dos entes federados em matéria ambiental. Revista de Direito Ambiental,

ano 2, n. 6, p. 124, abr./jun. 1997. Em breve histórico sobre a União nas Constituições anteriores temos: Constituição Federal de 1891, competência para legislar sobre minas e terras; Constituição Federal de 1934, legislar sobre bens de domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, água, energia elétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração; Constituição Federal de 1937, bens de domínio federal, minas, metalurgia, água, florestas, caça e pesca e sua exploração; Constituição Federal de 1946, riquezas de subsolo, mineração, metalurgia, água, energia elétrica, florestas, caça e pesca; Constituição Federal de 1967 e Emenda Constitucional 1/69, jazidas, minas e outros recursos minerais, metalurgia, florestas, caça e pesca, água e energia elétrica.

industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados etc.

A competência da União de natureza legislativa privativa (art. 21, XXIII), entre outras, são as águas e energias (art. 22, IV), trânsito e transporte (art. 22, XI) e populações indígenas (art. 22, XIV).

A proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, fauna e flora de forma generalizada passou a ser de competência material ou administrativa também dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, sendo, portanto, comum (art. 23 e seus parágrafos), a estes entes federados.

À União cabe, em caráter concorrente com os Estados e Distrito Federal, a competência para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle de poluição (art. 24, VI).

Aos Estados, cabe além da competência comum juntamente com a União, Distrito Federal e Municípios, para atuação administrativa na proteção do meio ambiente, a competência concorrente183 com a União para legislar sobre as matérias estabelecidas no

artigo 24, inc. VI, da Constituição Federal, já citado.

Aos Estados é atribuída competência para complementar as normas federais, não podendo ir além daquilo que atenda a suas peculiaridades, ou seja, cautelas e condições particulares para sua região. O Estado não tem competência exclusiva em matéria ambiental, restando-lhe as competências remanescentes184, e, portanto, qualquer matéria não contida no

texto constitucional.185

Fernanda Dias Menezes de Almeida186 esclarece que nos municípios a autonomia

político-administrativa obteve seu reconhecimento constitucional desde 1891187, autorizando a

183 Fala-se em competência concorrente sempre que mais de um ente federativo se atribui o poder de legislar

sobre determinada matéria. Enquanto a competência comum deve aguardar a Lei Complementar para definição de responsabilidades, a concorrente, já traz em si regras de divisão entre os entes políticos.

184 A Federação brasileira estabeleceu três esferas de competência, e não deu ao município poderes

remanescentes, como aos Estados. Em relação aos municípios, prevalece, portanto, o mesmo princípio aplicável à União: a União e os municípios têm os poderes que se acham enumerados na Constituição, e também os poderes que nestes estejam implícitos. Os Estados, além de poderes expressos, têm todos os mais que não lhes sejam negados: são os poderes remanescentes. (LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público e outros

problemas. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 324).

185 Na legislação infra-constitucional, especialmente na Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio

Ambiente, que foi recepcionada integralmente pela Constituição Federal de 1988, o Estado, como órgão seccional do SISNAMA, desempenha função de grande relevância para o controle das atividades potencialmente poluidoras: o licenciamento ambiental, através das licenças prévias, de instalação e de operação (art. 10).

186ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2000, p. 112.

187 O reconhecimento dessa autonomia na primeira Constituição republicana, embora não explícito, pôde ser

extraído de seu artigo 68, por via interpretativa. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Novos pólos administrativos

afetando a federação brasileira. As tendências atuais do direito público. Estudos em homenagem ao professor Afonso Arinos. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 73).

afirmação de que a Federação Brasileira, desde o berço, desenvolveu-se em três planos, nela se identificando não a tradicional divisão entre ordem central e ordens estaduais, mas uma tríplice estrutura que compreende a ordem central, a ordem estadual e a ordem municipal.

O município possui a competência administrativa comum com a União, Estados e Distrito Federal (art. 23, III, IV e VII da Constituição Federal de 1988)188, e alcança todas as

atribuições que sejam voltadas, diretamente, para o interesse local (art. 30, I, da Constituição Federal de 1988). Nesse caso, a competência será plena se ainda não existirem para a matéria normas regulamentadoras. Será suplementar se existirem normas gerais da União e suplementares dos Estados.189

Neste diapasão julgou o Superior Tribunal de Justiça:

constitucional. Meio ambiente. Legislação municipal supletiva. Possibilidade. Atribuindo, a Constituição Federal, a competência comum à União, aos Estados e aos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, cabe, aos Municípios, legislar supletivamente sobre a proteção ambiental, na esfera do interesse estritamente local. A legislação municipal, contudo, deve se constringir a atender as características próprias do território em que as questões ambientais, por suas particularidades, não contêm com o disciplinamento consignado na lei federal ou estadual. A legislação supletiva, como é cediço, não pode ineficacizar os efeitos da lei que pretende suplementar (REsp 29299/RS, Min. Demócrito Reinaldo, j. 17.10.94).

A Constituição Federal de 1988 possibilitou a participação dos Municípios em matéria legislativa190, mormente devido ao estabelecido no artigo 30, cujos incisos I e VIII aduzem à

“Numa linguagem relativamente vaga, mas suficiente para que se compreendesse que os Municípios deveriam ter uma esfera de ação autônoma, dispôs o artigo 68 da Constituição de 1891: ‘Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse’. Talvez a necessidade de usar uma fórmula vaga para não despertar resistência justifique essa redação, mas na verdade ela contém evidente imperfeição. Com efeito, quando o artigo 68 diz que o Município terá autonomia está assegurando que ele terá governo próprio. E com a expressão ‘em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse’ está definido uma área de competência. A conjugação dessas idéias leva, como foi logo reconhecido pelos teóricos e pela jurisprudência, à conclusão de que a autonomia municipal se deveria caracterizar pela existência de um governo escolhido pelos próprios munícipes e que teria competência exclusiva para todos os assuntos de peculiar interesse municipal”.

188 O município não tem condições estabelecidas no ordenamento jurídico para resolver alguns tipos de questões,

e isto decorre em grande parte da não regulamentação da Constituição, em especial o artigo 23, que fala das funções concorrentes, seja do ponto de vista financeiro, seja da regulamentação das funções. (FORTES, José Alexandre Monteiro; PEREIRA, Dilma Seli Pena. Aspectos da Política Nacional de Saneamento. In: PHILIPPI Jr., Arlindo et al. Municípios e meio ambiente: perspectivas para a municipalização da gestão ambiental no Brasil. São Paulo: Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente, 1999, p. 130).

189 Essa possibilidade do município suplementar a legislação federal e estadual já era reconhecida pela legislação

infra-constitucional, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, cujo destaque está no artigo 2º da Lei 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, que estabeleceu que os Municípios poderão elaborar normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, desde que observadas as normas federais e estaduais.

190 Toshio Mukai afirma que, na competência concorrente, tanto o Estado-membro como o Município podem

legislar complementarmente às normas gerais, “Há que se registrar, aqui, que o constituinte, ao imaginar que haveria diferenças substanciais entre as competências administrativas e legislativas; portanto, entre o art. 23 e o art. 24, excluiu propositadamente o Município, do art. 24, dizendo competir à União, Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre diversas matérias que elenca em 16 incisos (art. 24). Contudo, permitiu

competência legislativa municipal relativa a questões de interesse local e à ocupação do solo urbano respectivamente. O subjetivismo daquela expressão leva a interpretações conflitantes. No entanto, tratando-se de matéria ambiental, deve prevalecer o interesse nacional sobre o local.

A respeito das leis municipais que regularizam a ocupação territorial Vladimir Passos de Freitas191 expõe:

a legislação municipal que regula o uso do solo urbano deve, da mesma forma, ater- se às prescrições gerais da União, na esfera de sua competência. Por exemplo, se norma geral da União, como é o caso do Código Florestal, disciplina determinada matéria, não pode o Município, alegando autonomia, legislar diminuindo a restrição geral. Pode, até criar novas restrições na proteção do meio ambiente, porém não afastar as existentes na lei geral.

Hoje é o próprio município que elabora sua lei orgânica, dentro dos parâmetros fixados pelo artigo 29192 da Constituição, mantendo, de outra parte, a capacidade de auto-

governo, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores; a capacidade de autolegislação, mediante a elaboração das leis sobre as matérias de sua competência, e a capacidade de auto- administração, que o habilita a organizar, a manter e a prestar os serviços de interesse local.

O Poder Público municipal, em razão do aparente conflito entre as normas federal, estadual e municipal encontra dificuldades para conceder licenças nos empreendimentos imobiliários às margens dos rios urbanos. Existem dilemas de como agir mediante os casos em que tais licenças já foram concedidas, e os imóveis já se encontram no local em que deveria ter sido preservado. Como exemplo tem-se várias cidades: São Paulo, capital, Blumenau no Estado de Santa Catarina, entre outras (anexo I).

Este conflito é realmente aparente, pois a competência comum dos quatro entes federados é a competência de proteger o meio ambiente (art. 23, inc. VI, Constituição Federal). A competência concorrente, como acima exposto, é para legislar sobre o meio ambiente.193

ao Município suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (inc. II do art. 30); aqui, trata-se do Município dar continuidade à legislação existente, federal ou estadual. Assim, o Município pode legislar, p. ex., sobre proteção do meio ambiente (inc. VI), suplementando a legislação federal e estadual, em âmbito estritamente local”. (MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 19).

191 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. rev.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 70.

192 Art. 29 da CF – O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de

dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta constituição.

193 No sentido de competência municipal em matéria ambiental, cita-se DELGADO, José Augusto. Direito

Ambiental e competência municipal. Cidadania e Justiça, vol. 4, n. 9, p. 32-51, 2 sem. 2000; MACHADO,

Paulo Affonso Leme. O Município e o Direito Ambiental. Revista Forense, vol. 88, n. 317, p. 189-194, jan./mar. 1992.

Após esta explanação sobre as competências, passa-se a análise das áreas de preservação permanente em rios urbanos.