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Proprietários de lote urbano baldio, localizado em área de preservação permanente, à margem de rio urbano

ADMINISTRATIVAS EM EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS NAS MARGENS DOS RIOS URBANOS

3.3 Responsabilidade civil do Estado frente aos particulares que possuem imóveis nas áreas de preservação permanente, às margens dos rios urbanos

3.3.1 Proprietários de lote urbano baldio, localizado em área de preservação permanente, à margem de rio urbano

O Código Florestal (Lei 4.771) norma que dispõe sobre a proteção das áreas de preservação permanente data de 1965, mas somente com o advento da Lei 7.803/89, que alterou o Código Florestal, a tutela foi estabelecida também para as áreas de preservação permanente, às margens dos rios urbanos.

Em 1989 inúmeras cidades já tinham loteamentos demarcados e lotes urbanos vendidos em área edificável que, com o advento da Lei 7.803/89, tornaram-se áreas de preservação permanente287, esvaziando à primeira vista o direito de propriedade dos

particulares e gerando prima facie o dever do Município de indenizar esse dano causado. Numa primeira análise o dever de indenizar seria deflagrado pela alteração da legislação. Ocorre que o Estado não tem responsabilidade civil por atos legislativos.

A regra que prevalece sobre atos legislativos é a da irresponsabilidade do Estado, por vários argumentos. O Poder Legislativo atua no exercício da soberania, podendo alterar,

287 Tratam-se das florestas e demais formas de vegetação que não podem ser removidas, tendo em vista a sua

localização, dada a sua importância ecológica. MAGALHÃES, Juraci Perez. Comentários ao Código Florestal: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 53.

revogar, criar ou extinguir situações, sem qualquer limitação que não decorra da própria Constituição. O Poder Legislativo edita normas gerais e abstratas dirigidas a toda coletividade, e os ônus delas decorrentes são para todas as pessoas que se encontram na mesma situação, não quebrando o princípio da igualdade de todos perante os ônus e encargos sociais. Aos cidadãos não cabe responsabilizar o Estado por atos de parlamentares pelo motivo de que foram eleitos pelos próprios cidadãos288.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro289 ao analisar a irresponsabilidade estatal por ato

legislativo defende que “nem sempre a lei produz efeitos gerais e abstratos, de modo que o Estado deve responder por danos causados por leis que atinjam pessoas determinadas”.

Segundo a mesma autora as leis de efeitos concretos que atingem pessoas determinadas geram a responsabilidade do Estado, porque, como elas fogem às características da generalidade e abstração inerentes aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos demais membros da coletividade.

A lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Poder Legislativo, com obediência ao processo de elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este quando causem prejuízos ao administrado.290

Neste mesmo sentido Cretella Júnior leciona que “o Estado responde civilmente pelos danos que o ato legislativo cause a um ou a um número restritíssimo de administrados”291.

Yussef Said Cahali mostra que “a lei, produto da vontade soberana do órgão competente, perfeita constitucionalmente, pode causar um dano injusto aos particulares”292.

Observe-se que estes doutrinadores admitem a responsabilização do Estado em caso de dano causado, pois toda indenização pressupõe a existência de dano. Reside neste ponto uma questão crucial à resposta do problema. Questiona-se: o advento da Lei 7.803/89 que instituiu os 15 metros às margens dos rios urbanos, antes edificáveis, como área de preservação permanente, causou dano aos proprietários de lotes baldios localizados nestas áreas?

288 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 416. 289 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 416. 290 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 417.

291 CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 255-261.

292 E ainda o mesmo autor transcreve acórdão do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em que foi acolhida a

tese de responsabilidade do Estado por lei estadual que criou a reserva florestal do Vale do Paraíba, afetando totalmente o direito de propriedade. Nesse acórdão foi feita a diferença entre limitação administrativa e o sacrifício que decorre da lei para pessoas determinadas; no primeiro caso, o princípio da solidariedade determina que todos os componentes do grupo social têm o dever de suportar um sacrifício gratuito em benefício da coletividade; no segundo caso, quando o sacrifício passa a ser particular, surge o direito à indenização.

Convém anotar que somente há dano quando ocorre violação a um direito juridicamente tutelado. Qual o direito violado? O direito de propriedade? Antes de qualquer formulação há que se questionar qual o conteúdo do direito de propriedade.

Segundo o Código Civil brasileiro, art. 1.228, o direito de propriedade implica uso, gozo e disposição, mas vincula-se ao cumprimento da função econômica e social de modo que sejam preservados, nos termos da lei, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. A Constituição Federal de 1988 trata o direito de propriedade como um direito fundamental que precisa cumprir sua função sócio-ambiental.293

Sob a égide da função sócio-ambiental da propriedade a limitação ao direito de construir nas áreas de preservação que margeiam os rios urbanos não esvazia o direito de propriedade294, pelo contrário, cuida para que este cumpra efetivamente sua função, sem a

qual não merece tutela legal.

Mesmo diante da nova ordem constitucional, alguns autores295 continuam a sustentar o

esvaziamento do direito de propriedade e o dever do Estado de indenizar os proprietários. Neste sentido, Maria Emília Mendes Alcântara296 apresenta três teorias que autorizam

seu posicionamento: (a) enriquecimento ilícito do Estado, o qual determina que lesão causada ao patrimônio de particular obriga a indenização do patrimônio afetado; (b) o sacrifício especial, pela qual o interesse geral sobrepõe o individual, mas sendo o prejuízo suportado diretamente por apenas parcela da coletividade, estes, atingidos de modo desigual e especial, merecem indenização, generalizando, assim, o sacrifício especial; (c) a expropriação, teoria estratificada do direito de propriedade, pela qual o Estado só pode atingir o direito de

293 As implicações e o significado da função sócio-ambiental da propriedade foram analisadas no capítulo

primeiro, item 1.4.

294 A criação de parques nacionais, estaduais ou municipais é uma forma de intervenção do Estado no domínio

econômico que grava com a intocabilidade toda a área na qual se tenha estabelecido o parque. Esta circunstância faz com que os proprietários de terras da referida área não possam mais explorar economicamente o seu bem, esvaziando-lhe o conteúdo econômico e, portanto, reiterando-lhe qualquer utilidade que não seja a de lazer. (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 255).

295 É inerente à atividade estatal a preservação do interesse público em razão do privado, mas nunca utilizar-se

daquele para a supressão unilateral deste. A própria estrutura da Constituição Federal contrapõe-se a esta idéia, dando-nos a concepção de que o poder estatal, em tese ilimitado, será limitado todas as vezes que atingir direitos e garantias individuais (art. 5). Tanto é que o parágrafo primeiro desse artigo definiu tais direitos como de aplicação imediata, sendo desnecessária qualquer regulamentação, e, como garantia maior, transformou tais direitos e garantias em “cláusulas pétreas” (art. 60, § 4º). Estando o direito de propriedade entre esses, sua supressão por ato estatal, seja criando(Poder Legislativo) ou executando (Poder Executivo) dispositivo de lei, deve o particular ter uma retribuição. Não se diga estarem “truncadas” as competências estatais, mas que estão adequadas ao único limite intransponível: os direitos e as garantias individuais. (MORAES, Luís Carlos Silva de.

Código Florestal Comentado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 39).

296 ALCÂNTARA, Maria Emília Mendes. Responsabilidade do Estado por atos legislativos e judiciários. São

propriedade por procedimento específico, a desapropriação.

Para a autora, no direito pátrio, ajusta-se tecnicamente melhor a última teoria, principalmente pela regulamentação prevista no inciso XXIV, do art. 5º, ou seja, o inciso imediatamente posterior aos que prevêem o direito de propriedade, indicando as três formas de se adentrar a propriedade privada: interesse e necessidade pública, e reforma agrária punitiva.

O Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre a matéria:

incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e adotar as necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública297.

Apesar do posicionamento do Supremo volta-se a afirmar que a ordem econômica deve observar como princípio a função social da propriedade (art. 170, III, Constituição Federal). Caso se generalize a tese da indenização por desapropriação, o município passará a ser proprietário de todas as áreas de preservação permanente, às margens dos rios urbanos, condição economicamente inviável e desproporcional298 na análise jurídica.

3.3.2 Proprietários de terrenos em áreas de preservação permanente, às margens dos