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O Brasil é uma República Federativa composta pela união indissolúvel dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Essa forma de Estado adotada desde 1891 por obra de Rui Barbosa, foi trazida dos Estados Unidos da América141. De forma peculiar, na república

brasileira o Município integra a federação como entidade autônoma.142

Para realizar o estudo da competência de cada ente federado, faz-se necessário a análise do conceito de federalismo. Segundo José Afonso da Silva: “federalismo quer-se referir a uma forma de Estado denominada Federação do Estado, caracterizada pela união de coletividades políticas autônomas”143.

Leciona Toshio Mukai que “a federação se constitui numa descentralização territorial instituída no âmbito da constituição, onde coexistem governos autônomos políticos que dão

139 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi e Edson Darci Heldt. 3. ed.

São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. X-XI.

140 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

141 A teoria do federalismo foi exposta, de maneira pragmática, por Madison, Hamilton e Jay, nos famosos

ensaios Federalist, publicados nos anos de 1787 e 1788, em defesa da Constituição americana, que consagrou a Federação americana composta pelas 13 antigas colônias inglesas. (MADISON, James; HAMILTON, Alexandre; JAY, John. Os artigos federalistas: 1787-1788. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 132).

142 Artigo 1º da Constituição Federal “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito”.

leis a si próprios”144.

Como salienta Mirkine-Guetzévitch, o federalismo “cria um sistema lógico e harmonioso de longa autonomia e de sábia descentralização”145, sendo, portanto, considerado

forma de distribuição de poder no Estado146.

Complementa Luca Levi:147

o princípio constitucional no qual se baseia o Estado Federal é a pluralidade de centros de poder soberanos coordenados entre eles, de modo tal que ao Governo Federal, que tem competência sobre o inteiro território da federação, seja conferida uma quantidade mínima de poderes, indispensável para garantir a unidade política e econômica, e aos Estados federais, que têm competência cada um sobre o próprio território, sejam assinalados os demais poderes.

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercitam os poderes que lhes são conferidos explícita ou implicitamente pela Constituição Federal dentro das respectivas áreas de atuação, ou seja, o território nacional, o estadual e o municipal, mediante aparelhamento próprio148.

A autonomia das entidades federativas pressupõe a repartição de competências legislativas e administrativas, pressuposto do Estado Federal.

José Alfredo de Oliveira Baracho149, resume os pontos fundamentais do federalismo:

a repartição de competência é essencial à definição jurídica da federação: daí decorre o princípio federal de que cada um dos componentes tem sua órbita de ação circunscrita, que decorre da Constituição Federal, como fundamento jurídico do Estado.150

Na repartição de competências ocorre a existência, dentro de um mesmo território estatal, de mais de um centro de poder.

Segundo Alexandre de Moraes151, o princípio geral que norteia a repartição de

competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse. Cabe à União matérias e questões de predominância do interesse geral. Aos Estados competem matérias de predominante interesse regional e aos municípios concernem os

144 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 13. 145 MIRKINE-GUETZÉVITCH, B. As novas tendências do direito constitucional. São Paulo: Nacional, 1933,

p. 60.

146 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 53. 147 LEVI, Luca. Federalismo. In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (Org.).

Dicionário de política. 5. ed. Brasília: UnB, 2000, v. 1, p. 480 ss.

148 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 338. 149 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. 150 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 14. 151 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São

assuntos de interesse local.

O texto constitucional destacou o direito ambiental em capítulo próprio152 e acabou

perpetrando uma legislação que provoca, especialmente na Administração Pública, muitas dúvidas sobre quem pode o quê em matéria de meio ambiente.

Inúmeros são os problemas oriundos de conflitos de competência entre os entes federados do Brasil, quando se trata de matéria ambiental.

Pode-se dizer que a primeira causa destes conflitos se deve à falta de codificação da legislação ambiental, que, antagonicamente, é uma das mais completas do mundo.

Diversamente das Constituições de 1946, 1967 e a Emenda Constitucional 1/69, nas quais a competência era centralizada na União153, a Constituição Federal de 1988 buscou

realizar esse equilíbrio federativo por meio de uma repartição de competência.

A repartição de competência se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (artigos 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (artigo 25, § 1º) e

152 A Constituição de 1988 pela primeira vez no Brasil insere o tema meio ambiente em sua concepção unitária,

abrindo um capítulo específico no seu artigo 225. Não foi a primeira Constituição da América Latina a fazê-lo, tendo sido precedida pelas constituições do Equador e do Peru de 1979, Chile e Guiana de 1980, Honduras de 1982, Panamá de 1983, Guatemala de 1985, Haiti e Nicarágua de 1987. (MACHADO, Paulo Affonso Leme.

Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 95).

Em relação à tutela ambiental, pode-se dizer que a Constituição avançou bastante em comparação com a anterior, que em nenhum passo estabelecia normas expressas sobre a proteção do meio ambiente. Essa proteção decorria apenas implicitamente de normas atinentes a águas, florestas, jazidas, proteção à saúde, etc. O único artigo que mencionava o termo “ecológico” era o artigo 172, prevendo que a lei regularia, mediante prévio levantamento ecológico, o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidades.

153 Observa-se algumas decisões judiciais referentes a questões ambientais em dois países em que se reserva para

o Estado a função de estabelecer as normas gerais ambientais. Na Espanha o artigo 149.1.23 reserva, com exclusividade, ao Estado a “legislação sobre os princípios da proteção do ambiente, sem prejuízo do poder das Comunidades Autônomas de estabelecer regras adicionais de proteção”. O Professor Tomás-Ramon Fernandez acentua que os princípios gerais “desempenham o papel, a serviço dos interesses superiores da Nação inteira, de um comum denominador normativo, um minimum de uniformidade de cada regulamentação, a partir do qual o poder legislativo territorial poderá procurar a via que julgue a mais correta, lavadas em conta circunstâncias especiais de seu território regional e singularidades e especificidades dos problemas particulares que ele deve resolver”. Acrescenta o professor espanhol, que é também Conselheiro no Conselho de Estado: “a Constituição quis adicionar, indo além do simples desenvolvimento dos princípios gerais, permitindo às Comunidades Autônomas elaborarem regras novas para melhorar e reforçar o nível de proteção. Essas regras adicionais podem traduzir-se no estabelecimento de medidas mais rigorosas contra a poluição de restrições mais severas para o uso de veículos, de limitações mais fortes para certas indústrias ou para as atividades turísticas, etc. Tudo o que reforça o regime geral é, em princípio, possível, pois a Constituição fala de uma proteção adicional. Somente é interdito às Comunidades Autônomas de serem menos exigentes ou de enfraquecerem os padrões fixados pelo Estado”. (“Environnement dans la Constitution espagnole et dans la doctrine du Tribunal Constitutionnel”. In: Revue Juridique de l’Environnement 3/197-95, de 1984).

Na Bélgica menciona-se a decisão da Corte de Arbitragem 47, de 25.2.1988, que visou à anulação parcial de decreto da região Wallonne de 7.10.1985, sobre a proteção das águas de superfície contra a poluição. Foram relatores os Juízes J. Sarot e L. P. Suetens. O Conselho de Ministros Belga argumentou no recurso interposto “que a competência atribuída às regiões em matéria de proteção do ambiente deve ser exercida respeitando-se as normas legais gerais e setoriais, e que, em outros termos, esta disposição não concede às regiões senão o poder de adotar normas mais severas que as normas elaboradas pelo legislador nacional e não o poder de ab-rogar estas últimas”. A Corte de Arbitragem entendeu que normas “gerais” compreendem normas que são aplicáveis a todos os setores da atividade e que normas “setoriais” designam aquelas que só se aplicam a um ou diversos setores de atividade determinada. O Tribunal anulou o art. 70 do decreto da região Wallonne. (MACHADO, Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 94).

poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 29 e 30). Combina com essa reserva de campos específicos áreas comuns em que se prevêem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 23) e, setores concorrentes entre a União e Estados em que a competência para estabelecer políticas, diretrizes e normas gerais cabe à União154, enquanto se defere aos Estados e aos Municípios a competência suplementar (artigos

24 e 30).155