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3 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

3.2 A Repartição de Competências na Constituição Federal de

3.2.4 Competência Concorrente entre os Entes Federativos

3.2.4.1 Divisão das competências concorrentes

3.2.4.1.1 Competência para criar normas gerais

Em seu art. 24, §1º, a Constituição Federal dá, ao âmbito da legislação concorrente, uma limitação a União em estabelecer apenas normas gerais. O conceito de normas gerais é fundamental para que se entenda a competência concorrente. Contudo, antes de abordar tal conceituação se faz necessária uma digressão teórica.

A verdade é que a competência concorrente envolve o fenômeno da superposição de ordenamentos jurídicos num mesmo território, oriundos de diferentes esferas criadoras de normas, tendo sido objeto do tratamento de Hans Kelsen113. Segundo o autor, um problema que tange a coesão do sistema de direito positivo, no que se refere a sua lógica interna de não

contradição entre normas, é a existência de “ordens jurídicas parciais”, coexistindo com uma “ordem jurídica nacional”, ou total.

Tal fenômeno é oriundo da concepção normativista, que o Estado é a materialização do Direito, constituindo-se, portanto, num conjunto de normas, numa ordem jurídica composta de partes mutuamente relacionadas. A forma de divisão do poder dentro do Estado, nada mais seria do que a forma de repartir, entre os entes que compõem o Estado as competências para criar normas e dispor do exercício dos direitos nelas previstos. Nesse aspecto, um Estado pode centralizar a ordem jurídica ou então, descentralizá-la.114

Além destas normas locais, que compõem ordens locais, Kelsen discorre sobre a existência de normas centrais, ou nacionais, que compõem uma ordem jurídica central,

113 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

114“As normas locais válidas para uma mesma parte do território formam uma ordem jurídica parcial ou local.

Elas constituem uma comunidade jurídica parcial ou local. O enunciado de que o Estado é descentralizado ou de que o território do Estado é dividido em subdivisões territoriais significa que a ordem jurídica nacional contém não apenas normas centrais, mas também normas locais. As diferentes esferas territoriais de validade das ordens locais são as subdivisões territoriais.” KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (p. 434)

igualmente parcial como as outras. Nesse sentido, cada ordem jurídica forma uma comunidade jurídica, e assim sendo, tem-se comunidades jurídicas parciais locais e nacionais- centrais, todas constituindo a comunidade jurídica total, qual se dá o nome de Estado115.

Dessa forma, a criação de divisões de normas em termos de especialidade para o critério de divisão de competências concorrentes, é uma forma de ordenar dentro do mesmo território, competências para a criação de normas jurídicas. Segundo este entendimento CINTRA116 acredita ser Lei Federal, toda norma que versa sobre a organização, funcionamento e relações jurídicas da União (comunidade jurídica parcial), enquanto que Lei Nacional seria um conceito, que abrange indistintamente todos os entes federativos (comunidade jurídica total).

A validade do modelo federal está ligada diretamente a competência para a criação de normas, e evidentemente, a representação que os entes federativos têm na criação da Lei Nacional. Sob este ponto inserem-se inúmeras críticas a constituição das casas do Congresso, dentre as quais, conforme falamos, a que mais reverberou foi a que critica a não previsão de representação do Município no Congresso Nacional117.

115

Consolidando este entendimento KELSEN afirma que o Estado Federal, “compõe-se de normas centrais válidas para o seu território inteiro e de normas locais válidas apenas para porções desse território, para os territórios dos „Estados componentes (ou membros)‟. As normas gerais centrais, as „leis federais‟, são criadas por um órgão legislativo central, a legislatura da „federação‟, enquanto as normas gerais locais são criadas por órgãos legislativos locais, as legislaturas dos Estados componentes. Isso pressupõe que, no Estado Federal, a esfera material de validade da ordem jurídica, ou, em outras palavras, a competência legislativa do Estado, está dividida entre uma autoridade central e várias autoridades locais.” KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (p.434)

116 CINTRA, Antônio Carlos. Concessão de Serviço Público: Validade das leis estaduais ou municipais que estipulam isenção de tarifa. In Revista Diálogo Jurídico. Ano I, Vol. I, nº 5; Salvador, agosto de 2001.

117Segundo KELSEN, o modelo federativo “tem duas casas: os membros de uma são eleitos diretamente por todo o povo do Estado federal; trata-se da chamada Casa dos Representantes, ou Câmara dos Deputados, e também Casa Popular. A segunda câmara é composta de indivíduos escolhidos pelo povo ou pelo órgão legislativo de cada Estado. Eles são considerados representantes desses Estados componentes. Esta segunda câmara tem o nome de Casa dos Estados ou Senado. Corresponde ao tipo ideal do Estado federal que os Estados componentes sejam igualmente representados na Casa dos Estados, ou Senado, que cada Estado componente, independentemente do seu tamanho, isto é, sem se levar em conta a extensão do seu território ou o número dos seus habitantes, envie o mesmo número de representantes à Casa aos Estados, ao Senado”. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (p.454)

Seguindo a concepção de Kelsen, ATALIBA 118 conceitua lei nacional, trazendo-a

para o ordenamento brasileiro como “a lei brasileira, que transcende as contingências

regionais e locais (...) transcende as distinções estabelecidas em razão da circunstancias

políticas e administrativas.”

Sendo assim, o temo “normas gerais” posto pela Constituição Federal tem a função

principal de superar as limitações políticas entre os entes federativos, criando diretrizes para todos, indo de encontro com a idéia de lei nacional. A expressão nominal é da criação de Aliomar Balleiro119, que buscava com a sua implantação, resolver os problemas de competências em ordem tributária. Contudo, apesar do sentido do termo empregado ser de grande valia, a sua conceituação é vaga e divergente dentro da doutrina.

Segundo FERREIRA FILHO120, o termo normas gerais, implicaria numa concepção não particularizante-individualizante, onde as normas criadas pela União teriam a limitação de apenas descrever diretrizes gerais sem adentrar em situações concretas, as quais ficarão ao cargo dos Estados e Municípios. Sobre este ponto concorda o Ministro Carlos Velloso que em

uma decisão, afirmou que “a norma geral federal, melhor dizer nacional, seria a moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências”121

. A ampla forma como é relacionada com o conceito de Lei Nacional de Hans Kelsen, fez com que o Ministro relacionasse, nitidamente, com o conceito de “norma moldura” do autor.

Cabe ás normas gerais, emanadas da União, disporem sobre assuntos do interesse nacional, resguardando os bens e institutos jurídicos dispostos pela Constituição Federal, estabelecendo princípios e regras fundamentais para a proteção destes. De uma forma ou de outra, a norma geral deve versar sobre assuntos diversos, sem determinar os pormenores e

118

ATALIBA, Geraldo. Normas gerais de direito financeiro e tributário e autonomia dos estados e municípios.

In Revista de Direito Público. N. 10. São Paulo, 1969. (p. 45-80)

119 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:Forense, 2008. 120

FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. (p. 196-196)

detalhes de sua regulamentação, sob pena de ferir a competência dos outros entes federativos. A União através de suas normas não poderá nunca especificar situações, visto que tal disposição lhe é vedada pela constituição. Entretanto, MACHADO122 elege o caráter territorial para determinar a característica de geral que reveste uma norma. Sendo assim, norma geral é aquela que pode ser aplicada em todo o território nacional, indistintamente.

Segundo o autor, a norma geral é do “interesse geral”, de modo que exatamente por isso é

considerada superior hierarquicamente as outras.

A norma geral representa na doutrina, diferentes idéias, nem sempre passiveis de ser pactuadas. Contudo, todas as idéias convergem para a existência de limites ao poder normativo da União, fator que se pode dizer como sendo, inerente a todos os autores. Devido

a esta “abertura” dada pela Constituição Federal, uma transposição dos limites por parte da

União, que seja entendida pelos tribunais como contrária ao conceito posto pela Constituição, pode levar a uma declaração de inconstitucionalidade de tal ato. Sendo assim, o Poder

Judiciário possui função fundamental na determinação dos limites do termo “normas gerais”,

assim como na solução de eventuais conflitos normativos, ponto este, inclusive, sob qual já se manifestou.123