• Nenhum resultado encontrado

3 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

3.2 A Repartição de Competências na Constituição Federal de

3.2.2 Competências dos Entes Federativos 86 1 Competências da União

3.2.2.3 Competências dos Municípios

A questão dos municípios e seu papel no Federalismo Brasileiro é um problema histórico. A perda de inúmeras prerrogativas que lhe conferiam autonomia, durante o período

90 FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 1999. (p. 294)

91

MUKAI, Toshio. Administração Pública na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. (p.38-39) 92 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. O Poder Constituinte dos Estados-membros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. (p. 61)

militar, levou a consideração sobre a necessidade de sua reafirmação pela Constituição de 1988. A grande verdade é que o regime militar, materializado na constituição de 1967 e na emenda nº1 de 1969, previam uma “autonomia municipal” que não existia na prática. A intensa tentativa de se concentrar poderes dentro da esfera central, conforme afirmado anteriormente, característica principal dos governos ditatoriais, conduziu o Brasil a um

“Estado Federal quase Unitário”. Não existiam previsões expressas sobre as competências dos

municípios, tendo o legislador se restringido ao reconhecimento de autonomia para eleição própria e gestão de assuntos de particular interesse.

A história da inferência municipal dentro do federalismo, talvez tenha encontrado seu início na Constituição de 1891 (art. 62, §1º e 64) quando, frente às inúmeras transformações trazidas pela implantação do federalismo a nível constitucional, em decorrências das inúmeras revoltas populares e secessão da Capitania Rio Grandense, dotou o município de competência para formular suas próprias leis orgânicas, tornando-os de entidades meramente administrativas em entidades políticas. Foi justamente tal compromisso com o povo brasileiro, perdido dentre as épocas que se sucederam, que a Constituição de 1988 buscou restaurar, reconhecendo formalmente e expressamente, o município como ente federativo.93

Contudo, em termos materiais, existem inúmeras divergências sobre a questão que envolve os municípios. Alguns autores, dentre eles José Afonso da Silva, Pontes de Miranda, sustentam que o município não integra, em termos materiais, a estrutura federativa. Seus principais motivos para tal afirmação estão na constatação de que o município não possui representação no congresso nacional, não podendo interferir nas decisões políticas do país,

93

Aclamada por uns e criticada por outros, conforme os dizeres de BONAVIDES, “não conhecemos uma única forma de união federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão claro e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do novo modelo implantado no País com a Carta de 1988, a qual impõe aos aplicadores de princípios e regras constitucionais uma visão hermenêutica muito mais larga tocante a defesa da sustentação daquela garantia.”BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 1996. (p. 314)

alem do que a autonomia municipal não é clausula pétrea, podendo ser extinta por emenda constitucional.

Em sua inovação, o legislador constituinte discriminou um rol de competências privativas dos municípios. Alem deste rol, o art. 30, inc. I, traz um resíduo de competência

privativa que pode escapar do disposto, baseado no (polêmico) conceito de “interesse local”.

Mesmo consolidada a autonomia municipal, seja ela formal ou material, uma crítica pode ser feita com relação à falta de discriminação feita pelo constituinte originário. Os municípios foram tratados de maneira idêntica, quando sabemos que dentro desse conjunto universo existem: municípios de natureza agrícola, urbanizados, cosmopolitas e subdesenvolvidos, turísticos etc. Isso fragilizou consideravelmente a posição municipal dentro do federalismo, no sentido de que, conforme as palavras de SILVEIRA94, “os municípios foram tratados igualmente num universo de desiguais.”

3.2.2.3.1 Problemas Terminológicos: o “Interesse local”

As constituições de 1967, assim como a erigida sobre a emenda constitucional de 1969, assim como as anteriores, utilizavam-se do termo “peculiar interesse” como uma cláusula geral com conteúdo abrangente, para designar competências de ordem legislativa e administrativa, qual o município desfrutava.

Sob o termo pairava uma esfera de incompreensões e divergentes interpretações.

Alguns acreditavam que peculiar seria um termo equivalente a “privativo”, visão esta

rechaçada pela compreensão de que privativo importa em exclusão de competências, enquanto o termo peculiar não iria tão longe assim, referindo-se mais a idéia de predominância95. Contudo, de uma forma ou de outra, “a extensão da competência municipal

94 SILVEIRA, Patrícia de Azevedo. Competência Ambiental. Curitiba: Juruá. 2006. (p. 72)

95“Confrontando doutrinas e julgados, para concluirmos que o interesse local se caracteriza pela predominância (e não pela exclusividade) do interesse do Município em relação ao do Estado e da União.” MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008. (p.136)

vai depender em muito da idéia que atribuiremos ao conteúdo e ao sentido dessa terminologia

no caso concreto” 96

.

Segundo FARIAS97, o termo peculiar é de origem estrangeira e diversa, possuindo em vários autores significação diferente. O fato é que o termo “peculiar interesse” fora

substituído para “interesse local”, que apesar da distinção terminológica, continua a gerar

divergências teóricas. Para TEMER98, ambos os conceitos possuem igual significado, não havendo, portanto, modificação substancial alguma. O fato é que o termo denota um nítido enfoque geográfico e dessa forma, sob este critério, uma delimitação político-territorial, em oposição aos termos, regional e nacional.

Na busca de uma significação de melhor utilidade na solução de conflitos de competência, deve-se perceber que “interesse local” é um termo abstrato, mas que possui uma

indicação bastante precisa para “todos os interesses que atendam de modo direto e imediato as necessidades do município”. Podemos ver que este é o conhecimento intuitivo que temos a

primeira vista sobre o termo. Mesmo que estes interesses tenham repercução sobre as necessidades do Estado ou mesmo do país, possuem relação íntima e direta com o município, razão pela qual sob a competência deste deve ficar.

Quando se tratam de assuntos econômicos ou ambientais, em especial, percebe-se o quanto difícil é separar os interesses entre os entes federativos. A verdade é que todos os entes federativos compartilham de interesses recíprocos, e que muito dificilmente um assunto

96

SILVEIRA, Patrícia de Azevedo. Competência Ambiental. Curitiba: Juruá. 2006. (p. 74)

97

Para o clássico Black, tais interesses se referem aos negócios internos de cidades e vilas (internal affairs of

otwns and counties); para Bonnard, o peculiar interesse é o que se pode isolar, individualizar-se dos de outras

localidades; para Borsi, é o que não transcende os limites territoriais do Município; para Mouskheli é o que não afeta os negócios da administração central e regional; para Jellinek é o interesse próprio da localidade, oriundo de suas relações de vizinhança.” FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 1999. (p. 299)

98“Doutrina e jurisprudência, ao tempo da Constituição anterior, se pacificaram no dizerem que é de peculiar interesse aquele em que predomina o do Município no confronto com os interesses do Estado e da União.

Peculiar interesse significa interesse predominante. Interesse local é expressão idêntica a peculiar interesse.”

relativo a um ente federativo não vá gerar repercussões, mesmo que indiretas, sobre os outros99.

Dentre tantos problemas oriundos de uma possível delimitação completa do termo em questão, restaria igualmente confuso a criação de um rol taxativo de atividades de interesse local, aumentando o casuísmo da Constituição. Não se deve perder de vista que o Federalismo não é um conceito estático, mas um instrumento que viria a implementar o desenvolvimento de um país, a partir da mútua ajuda das diversas partes que o compõem. Sendo assim, pode-se perceber que seria desastroso para o Federalismo brasileiro, elencar em um rol exaustivo de competências municipais, visto que iria engessar a estrutura cambiante das relações entre os entes federativos. O Federalismo necessita de uma estrutura dinâmica, e o casuísmo normativo excessivo, seria um obstáculo a este elemento100.