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Complementaridade, indissociabilidade, unidade e indivisibilidade dos direitos

2. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

2.8. Complementaridade, indissociabilidade, unidade e indivisibilidade dos direitos

Desde o reconhecimento dos direitos fundamentais nas primeiras Constituições, eles passaram por diversas transformações, e é nesse contexto histórico que costumava-se falar na existência de gerações de direitos. Os direitos de 1ª geração (civis e políticos) são aqueles direitos de cunho negativo, uma vez que dirigidos a uma abstenção do Estado. Eles demarcam uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual do indivíduo em face do seu poder.294

Os direitos de 2ª geração (sociais, econômicos e culturais) dizem respeito não mais a uma liberdade do indivíduo do e perante o Estado, mas sim de uma liberdade através do Estado.295 Esses direitos se caracterizam por outorgarem ao indivíduo o direito a prestações sociais estatais como, por exemplo, o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à assistência social. São os direitos que fazem com que ele tenha “o direito de participar do bem-estar social”.296

Os direitos de 3ª geração (direitos de solidariedade e fraternidade) caracterizam-se por destinarem-se à proteção de grupos e coletividades. São direitos de titularidade coletiva e difusa.297 Nesta categoria são reconhecidos, por exemplo, o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e a qualidade de vida, à conservação e

escassez & escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 183.

293 AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo; TIMM,

Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 95. Neste sentido, indaga o doutrinador: “Será que os remédios fornecidos por força de decisão judicial foram obtidos graciosamente pelo Estado? Será que foram adquiridos por compra emergencial? Será que os preços obtidos foram os melhores? Não tendo havido aquisição gratuita, de onde vieram os recursos? De outros setores? De redução de gastos com propaganda? Ou será que vieram da não execução de prioridades no próprio setor de saúde, como sugere a reportagem do Valor Econômico do dia 16 de agosto de 2007?”

294 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hanna Arendt. São

Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 126.

295 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

p. 49.

296 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos, cit., p. 127. 297 Id. Ibid., p. 131.

utilização do patrimônio histórico e cultural, o direito à comunicação.298 A principal característica desses direitos é a titularidade coletiva, às vezes indeterminada e indefinida e isso faz com que, além de ter a dimensão de um direito individual, eles, ao mesmo tempo, possuam uma dimensão de direitos difusos. Isso exige outras técnicas de garantia e proteção, como se percebe, por exemplo, com relação ao direito ao meio-ambiente e à qualidade de vida.299

Os direitos de 4ª geração (direito à democracia, à informação, ao pluralismo)300 são aqueles decorrentes da universalização dos direitos fundamentais no campo institucional. Para Paulo Bonavides, “a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado”.301 A democracia, nesse aspecto, seria para o autor uma democracia direta que se concretizaria graças aos avanços da tecnologia e de comunicação e seria sustentada legitimamente devido à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema.

Alguns doutrinadores, porém, afirmam que o uso da expressão “geração de direitos” deve ser evitado porque ele dá uma impressão incorreta de uma substituição gradativa de uma geração por outra quando na verdade o processo de reconhecimento de todos os direitos fundamentais é um processo progressivo, cumulativo, de complementaridade e não de alternância.302 A solução por eles propugnada de utilização do termo “dimensão do direito” não parece ser adequada na medida em que poderia nos induzir a pensar que um direito é mais fundamental do que outro. Na verdade, há de se ressaltar que os direitos fundamentais devem ser concebidos como uma integralidade, ou uma unidade, que não comporta fracionamento.303 Assim, a sua classificação em “gerações” ou “dimensões” somente poderá ser admitida como critério meramente didático e histórico. Não há, essencialmente, qualquer diferença hierárquica ou de prioridade entre as diversas gerações de direitos humanos, de tal maneira que ao Estado cabe a realização integral e contemporânea desses direitos constitucionais.

298 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 571.

299 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

p.51.

300 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, cit., p. 524-526. 301 Id. Ibid., p.571.

302 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

p. 47.

303 DALLARI, Dalmo de Abreu. A violação dos direitos econômicos, sociais e culturais e seu impacto no

exercício dos direitos civis e políticos. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE DIREITOS HUMANOS, 1º. São Paulo, 1999, São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, 2001. p. 69-84. (Série Eventos, 8).

O direito à saúde é tido como um direito de 2ª geração, ou seja, um direito social que também pode ser denominado de direito prestacional, na medida em que exige prestações positivas do Estado para ser satisfeito. Entretanto, se existe um direito em que se pode, por um lado, comprovar a superação da antiga classificação dos direitos humanos em gerações de direitos e, por outro lado, constatar a unicidade, indivisibilidade e complementaridade desses mesmos direitos, é o direito à saúde.

O direito à saúde nos permite comprovar a indissociabilidade, a complementaridade, a unidade e a indivisibilidade dos direitos fundamentais. Tradicionalmente classificado como um direito de 2ª geração, ele é indissociável do direito ao meio ambiente saudável e à qualidade de vida (direitos de 3ª geração); do direito de escolher livremente o tipo de tratamento a que quiser se submeter (liberdade negativa-direito de 1ª dimensão); do direito de participar das decisões a respeito das políticas de saúde (direito à cidadania e à democracia – direito de 4ª geração); do direito de ter respeitados os valores de sua cultura no tratamento efetuado (direito de 4ª geração); direito de ser informado a respeito dos efeitos colaterais e adversos de seu tratamento (direito à informação – 4ª geração).

Pode-se afirmar, enfim, que o direito à saúde é complementar e indissociável dos demais direitos humanos. Saúde pressupõe direito à liberdade, direito à informação, direito à participação nas decisões sobre políticas de saúde, direito ao meio ambiente saudável e sustentável, direito à moradia, ao saneamento básico, à educação e ao trabalho, o que confirma a tese da indivisibilidade dos direitos humanos.

3. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE