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3. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

3.5. Objetivos, princípios e diretrizes do SUS

3.5.2. Participação comunitária

A falta de controle social permanente das políticas públicas propiciou, no passado, a captura dos espaços sociais por interesses patrimonialistas. As principais instâncias estratégicas do governo, responsáveis pela elaboração das políticas públicas eram preenchidas pelos administradores públicos com pessoal não habilitado, mas que era indicado pelos partidos políticos aliados ou por grupos que perseguiam seus próprios interesses, o que resultava quase sempre em políticas públicas ineficientes. Esse é ainda hoje um dos grandes problemas na administração pública como um todo e na saúde em especial.

O que se busca no SUS é um novo modo de agir dos agentes públicos na efetivação de políticas de saúde, ou seja, uma gestão compartilhada. Isso pressupõe a abertura de espaços de gestão, a fim de que todos os interesses sejam ponderados e outros setores participem da administração pública.A construção de uma gestão eficiente exige uma comunidade envolvida nos negócios públicos e com sentimento de copertença ao interesse público.365

Inspirada nesses ideais, a Lei n. 8142/90 prevê duas instituições jurídicas que permitem a participação da comunidade no SUS: as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde que atuam em cada esfera de governo, como instâncias colegiadas do SUS.

As Conferências de Saúde são realizadas a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, a fim de avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para a formulação de políticas de saúde em cada um dos níveis do sistema.366 O Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução 333/03, determina que o Poder Executivo deve acolher as

364 VIANA, Ana Luiza D’Ávila. Descentralização no SUS, cit., p. 486-487.

365 OHLWEILER, Leonel Pires. Políticas públicas e controle jurisdicional:uma análise hermenêutica à luz do

Estado Democrático de Direito. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos

fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 300-

306.

366 O papel atribuído às Conferências de Saúde pela nova legislação é o de se constituir em uma instância

deliberativa em relação às políticas de saúde. Esse é um papel bem diverso daquele atribuído quando da sua institucionalização através da Lei 378 de 13 de janeiro de 1937, quando as Conferências tinham o papel de promover o intercâmbio de informações e, por meio destas, propiciar ao governo federal o controle das ações realizadas no âmbito estadual e regular o fluxo de recursos financeiro. SCOREL, Sarah; BLOCH, Renata Arruda de. As Conferências Nacionais de Saúde na Construção do SUS. In: LIMA, Nísia Trindade (Org.)

demandas da população apresentadas nesse fórum de discussão, em respeito aos princípios da democracia.367

Os Conselhos de Saúde são constituídos por representantes de vários segmentos na seguinte proporção: 50% de entidades de usuários; 25% de entidades de trabalhadores da saúde; e 25% de representantes do governo, entidades ou instituições de prestadores de serviços públicos, filantrópicos e privados. São órgãos permanentes que formulam estratégias, controlam a execução das políticas que são realizadas pelas instâncias executivas (Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais de Saúde) do SUS, e que têm como uma de suas competências a obrigação de convocar e estruturar a Comissão Organizadora das Conferências de Saúde.368

As atividades dos Conselhos de Saúde e as realizações das Conferências de Saúde constituem foros deliberativos fundamentais para a democratização do processo decisório, debate e difusão das melhores alternativas para a saúde do cidadão. Eles são exemplos da maior participação popular com protagonismo perante os Poderes Legislativo e Executivo, podendo influir na legislação e na execução das políticas de saúde, legitimando as ações realizadas pelo Estado.369

Apesar dos Conselhos de Saúde constituírem uma inovação política, institucional e cultural de relevância para o avanço da democracia e do SUS, quando se trata de analisar o funcionamento desses órgãos colegiados, o que se percebe é que eles enfrentam, além dos naturais conflitos presentes em órgãos, uma série de problemas presentes nas sociedades, como: hierarquia marcada por poderes em extremos desiguais; sigilo e despotismo burocrático; relações clientelistas, desrespeito pela res publica.370 O que se percebe em relação aos Conselhos é que seus conselheiros têm um desempenho ainda deficiente em

367 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 333/2003. Disponível em:

<http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/livros/resolucao_333.pdf.>. Acesso em: 20 out. 2010.

368 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 33/92. Disponível em:

<http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/cidadania/gesau/legislacao/temas/controle/resolucao_CNS_333.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.

369 A discussão e a influência das esferas públicas tornam legítima a edição da lei pelo Legislativo. Nesse

sentido, aponta Habermas que “as decisões impositivas, para serem legítimas, têm de ser reguladas por fluxos comunicacionais, que partem da periferia e atravessam as comportas dos procedimentos próprios à democracia e ao Estado de Direito, antes de passar pela porta de entrada do complexo parlamentar ou dos tribunais. HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 2, p. 88-89.

370 LABRA, Maria Eliana. Conselhos de Saúde: dilemas, avanços e desafios. In: LIMA, Nísia Trindade (Org.).

termos de autonomia e organização, permanecendo, na maioria das vezes, dependentes e submissos aos interesses do Poder Executivo.371

Problemas iguais também são sentidos durante a realização das Conferências de Saúde. Muitos apontam para o perigo delas se tornarem espaço para comícios ou para o exercício de força sem argumentação ou consenso, especialmente em uma sociedade que reaprende a exercitar e a valorizar o processo democrático.372

Com relação à participação popular nas políticas públicas, vale a pena mencionar a alternativa apontada por Fernando Aith, para quem a participação popular nos Conselhos de Saúde e nas Conferências de Saúde não exclui a possibilidade de participação popular através de outros mecanismos, como: plebiscitos, referendos, audiências, consultas públicas e outros mecanismos.373

Nesse sentido, há de se lembrar o Projeto de Lei n. 4.718/04,374 de iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que ao regulamentar o artigo 14 da Constituição Federal, prevê a participação do povo, através de plebiscito a respeito de temas como do direito à saúde, à segurança pública, aos objetivos de lucro empresarial e à oferta de bens e serviços ao público consumidor, entre outros.375

Há de se apontar também a importância do orçamento participativo na área da saúde. A participação popular nas escolhas orçamentárias está bem de acordo com o Sistema Único de Saúde e tem previsão no artigo 198, III, da Constituição Federal de 1988.376

Com relação às escolhas políticas relativas ao orçamento, é indiscutível que o ideal é que elas sejam realizadas conforme um processo que vise a transparência e a democratização do sistema. Nesse sentido é a posição do Ministro Ricardo Lewandowski ao

371 Eles foram criados em 5.564 municípios, trazendo um contingente de cerca de 72.000 conselheiros, sendo

que aproximadamente 36.000 representam usuários do SUS e foram indicados pelas 28.000 sociedades civis, o que indica a importante participação das organizações não governamentais no processo. No entanto,ainda assim se pode observar a submissão destas organizações aos interesses do gestor. MOREIRA, Marcelo Rasga. Municipal Health Councils of Brazil: a debate on the democratization of health in the twenty years of de UHS. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 804, maio/jun. 2009.

372 SCOREL, Sarah; BLOCH, Renata Arruda de. As Conferências Nacionais de Saúde na Construção do SUS.

In: LIMA, Nísia Trindade (Org.). Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. p. 113.

373 AITH, Fernando. Perspectivas do Direito Sanitário no Brasil: as garantias jurídicas do direito à saúde e os

desafios de sua efetivação. In: SANTOS, Lenir (Org.). Direito da saúde no Brasil. Campinas: Saberes Editora, 2010. p. 213.

374 BRASIL.Câmara dos Deputados.Projeto de lei 4178/04.Disponível em:< www.camara.gov.br

/proposicoesWeb/fichadetramitaçao?idProposiçao=274348?>.Acesso em: 20 ago.2011.

375 COMPARATO, Fábio Konder. Povo, democracia e imaginação criadora. Disponível em:

<http://www.escoladegoverno.org.br/artigo/65-povodemocraciaimaginacao>. Acesso em: 17 jun. 2011.

376 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum, RT, 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.

defender a participação da sociedade nas escolhas orçamentárias, uma vez que vivemos um déficit democrático dada a concentração de poder no Executivo e a subalteridade do Parlamento.377

Essa participação popular também é defendida por Cesar de Moraes Sabbag, pois “divide responsabilidades e impede que a cobrança sobre desacertos da política orçamentária seja direcionada apenas ao Poder Executivo”.378 O esforço deve ser no sentido de se buscar o aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática do orçamento público379 e do processo de administração das políticas públicas, seja no plano da atuação do legislador, seja na esfera administrativa.380