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1. O CONCEITO DE SAÚDE

1.2. Fatores condicionantes da saúde

O indivíduo tem acesso aos meios produzidos e disponibilizados pela sociedade para a sua realização como pessoa, de acordo com a sua posição no ordenamento social. As condições sociais são base para o padrão sanitário de um povo, assim como a posição de cada indivíduo na sociedade é uma base da sua própria saúde.

As condições de habitação e ambientais do peridomicílio, a existência de restrições no acesso à alimentação e a outros bens fundamentais, as características físicas das atividades realizadas no trabalho, assim como as condições do ambiente em que se realiza o trabalho, podem implicar em uma série de riscos à saúde, pois são condições determinadas pela posição dos indivíduos na hierarquia social e na divisão social do trabalho e da renda.

Existe, portanto, um campo físico ou ambiental de determinação social da saúde. A exposição a agentes biológicos, químicos ou físicos danosos, a deficiência nutricional, o desgaste físico generalizado ou o esforço repetitivo no trabalho são características das condições sociais de pobreza que acometem a maioria da população mundial.47

Mas há também outro campo denominado de determinantes psicossociais. O grau de reconhecimento, o nível de autonomia, o balanço entre esforços e recompensas e entre expectativas, realizações e frustrações que os indivíduos têm no curso da vida são igualmente

45 VAITSMAN, Jeni. Saúde, cultura e necessidades. In: FLEURY, S. (Org.). Saúde: coletiva? Questionando a

onipotência do social. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992. p. 171.

46 CARVALHO, Antonio Ivo. Conselhos de saúde, responsabilidade pública e cidadania:a reforma sanitária

como Reforma do Estado. In: FLEURY, S. (Org.). Saúde e democracia: a luta do Cebes. São Paulo: Lemos, 1997. p. 95.

47 FLEURY-TEIXEIRA, Paulo.Uma introdução conceitual à determinação da saúde. Saúde em Debate, Rio de

determinantes de suas condições de saúde. Este campo é cada vez mais relevante, tendo em vista os problemas de saúde da atualidade, na medida em que se constata que fatores psicossociais têm grande peso nas cadeias causais das doenças.

É importante assinalar que não se trata de negar a determinação genética das condições de saúde, mas sim de precisar o seu peso em face dos determinantes comportamentais e sociais da saúde. São muitas as evidências de que graves problemas de saúde são controlados ou mesmo desaparecem com a modificação das condições sociais das populações antes ou independentemente do acesso a recursos médico-terapêuticos ou preventivos contra o problema. Um exemplo disso é o da tuberculose, que, nos países subdesenvolvidos, teve a sua incidência drasticamente reduzida muito antes da descoberta e do início do uso dos primeiros medicamentos tuberculostáticos devido às melhorias das condições de habitação, nutrição e trabalho das massas de trabalhadores.48 Este caso se refere aos determinantes físicos e ambientais que estão fortemente vinculados às condições de pobreza e ambientais. No caso de doenças e agravos não transmissíveis, também existem evidências de que as condições sociais atuam preponderantemente por mediação psíquica, ou seja, por seu efeito sobre as emoções pessoais no curso da vida. Isso quer dizer que a qualidade e o caráter das interações sociais estão diretamente implicados nessa determinação social da saúde.49

Os determinantes sociais da saúde podem ser definidos como uma “estrutura complexa envolvendo desigualdades sociais, usualmente mediadas pelas condições nas quais as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, incluindo o acesso aos serviços de saúde”.50

O conceito da “determinação da saúde” aparece inicialmente em 1974 no Relatório Lalonde (Marc Lalonde era titular do Ministério da Saúde e do Bem-Estar do Canadá) no qual se reconhece oficialmente que o paradigma biomédico do sistema de saúde canadense estava em crise e que era preciso ir além da atenção ao doente. No documento, Lalonde questiona a crença de que a qualidade da saúde de um país torna-se equivalente à qualidade da atenção médica instalada e que, portanto, estaria intimamente ligada aos avanços

48 MCKEOWN, Thomas. The role of medicine: dream, mirage, or nemesis? Oxford: Basil Blackwell Publisher

Ltd., 1979. p. 60-63.

49 FLEURY-TEIXEIRA, Paulo.Uma introdução conceitual à determinação da saúde. Saúde em Debate, Rio de

Janeiro, v. 33, n. 83, p. 386, set./dez. 2009.

50 VERAS, Renata Meira; TRAVERSO-YÉPEZ, Martha. Social determinants of health and preterm birth trends

in Brazil and Canada. In: FLEURY, S; BAHIA, L.; AMARANTE, P. (Org.). Saúde em debate: fundamentos da reforma sanitária. Rio de Janeiro: Cebes, 2008. p. 431.

da tecnociência médica.51 Diante dessa situação, o autor propõe uma nova abordagem para o campo da saúde, dividindo-o em quatro elementos:

i) a biologia humana: que compreende a herança genética e os processos biológicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhecimento.

ii) o meio ambiente: que inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local de trabalho; iii) o estilo de vida: do qual resultam decisões que afetam a saúde: fumar ou deixar

de fumar, beber ou não, praticar ou não exercícios e tantas outras.

iv) a organização da assistência à saúde: esses seriam os fatores determinantes da saúde que existiriam fora da assistência médica.52

No final dos anos setenta, as discussões e propostas sobre a determinação da saúde na Organização Mundial de Saúde passaram a incluir a questão social como elemento de peso sob a forma de determinantes que redefiniriam os sistemas de saúde.53 Em 2004, foi criada na Organização Mundial de Saúde a Comissão sobre determinantes sociais em saúde, que foi a responsável pela edição de um relatório elaborado a partir dos resultados obtidos em grupos de trabalho, organizados em torno dos principais determinantes: exclusão social, mulher e equidade de gênero, desenvolvimento infantil precoce, condições de emprego, globalização, urbanização, sociedade civil, sistemas de saúde, condições de Saúde Pública prioritárias, ação intersetorial, entre outros.54

Os fatores determinantes sociais em saúde são definidos pela OMS como circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, bem como os sistemas estabelecidos para combater as doenças. Essas circunstâncias estão configuradas por um conjunto amplo de forças: econômicas, sociais, normativas e políticas.

Na verdade, o que se quer enfatizar com esta abordagem é o fato de que as condições de vida (crescimento, aprendizado, reprodução, trabalho e envelhecimento) estão

51 LALONDE, Marc. A new perspective on the health of Canadians: a working document. Ottawa: Government of Canada, 1974. Disponível em: <http://www.hc-sc.gc.ca/hcs-sss/pubs/system-regime/1974-lalonde/index- eng.php#int>. Acesso em: 10 jul. 2010.

52 Lalonde contribuiu para a discussão dos determinantes da saúde estendendo a discussão das políticas públicas

às esferas do combate aos maus hábitos e à necessidade de melhorar a qualidade do entorno das pessoas. Porém, ele não aprofundou a questão da “determinação social da saúde”.

53 A Conferência de Alma-Ata, em 1978, e a Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em

1986, foram importantes fóruns de discussão a respeito do tema.

54 ORGANIZACION MUNDIAL DE LA SALUD (OMS). Sub-sanar las desigualdades em uma generación:

alcanzar la equidad sanitária actuando sobre los determinantes sociales de la salud. Comisión sobre los determinantes sociales de la salud: informe final. OMS: Ginebra, 2008. Disponível em: <http://whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789243563701_spa.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2010.

em grande parte “determinadas” pelo lugar que cada um ocupa na hierarquia social. Essas condições podem influenciar também o grau de vulnerabilidade individual a varias doenças. A Comissão, em seu relatório final, propõe três recomendações fundamentais: i) melhorar as condições da vida cotidiana; ii)lutar contra a distribuição desigual do poder, do dinheiro e dos recursos; iii) medir e analisar o problema através de ações de cooperação intersetoriais. Bastante elucidativa em relação ao tema é a classificação dos determinantes da saúde de acordo com a sua relevância, feita pelo governo canadense e relatada por Chandrakant P. Shah:55

Tabela 1- Determinantes da saúde56

Determinante Relevância

Renda e condição social É o mais importante. Entretanto, é a distribuição da renda, em vez da quantidade atual, que está associada com pessoas mais

saudáveis na população.

Rede de contatos sociais O efeito dessas redes sociais pode ser importante na identificação de fatores de risco como: fumo, atividade física,

obesidade e hipertensão. Não é a quantidade de relações que importa, mas sim a qualidade delas.

Educação Fornece habilidades para lidar com os desafios e tarefas diárias no emprego e na participação comunitária.

Emprego e condições de trabalho O controle das circunstâncias no trabalho e baixos níveis de estresse melhoram a saúde dos empregados. O desemprego está

relacionado também a problemas de saúde.

Meio-ambiente físico Fatores naturais como a qualidade do ar, do solo e da água são relacionados à saúde. Fatores construídos pelos homens como: casa, local de trabalho, estradas, ruas também são importantes. Biologia e traços genéticos O funcionamento dos sistemas corporais e a herança genética

contribuem para o estado saudável, assim como o processo de desenvolvimento

Hábitos saudáveis e coping skills Características psicológicas como: competência pessoal, autocontrole e condução da própria vida contribuem para a

saúde física e mental. Ao lado disso, também são úteis os hábitos saudáveis.

Saudável desenvolvimento na infância

Muitas doenças crônicas parecem ter origem na vida fetal e na infância. As experiências desses períodos são também importantes para o desenvolvimento de competências e

habilidades.

55 SHAH, Chandrakant. P. Public health and preventive medicine in Canada. 5th ed. Toronto: Elseviers

Saunders, 2003. p. 18.

56 Tabela obtida a partir da obra de SHAH, Chandrakant. P. Public health and preventive medicine in Canada.

Serviços de saúde e serviços sociais Eles contribuem para uma população mais sadia. Entretanto, o aumento nas despesas com saúde parece não ser muito efetivo em melhorar a saúde dos canadenses.

Sexo socialmente influenciam a saúde e a utilização dos serviços de As diferenças biológicas entre os sexos e aquelas construídas saúde.

Cultura

Pode influenciar a maneira como as pessoas interagem com os serviços de saúde, na sua participação das ações preventivas, nas escolhas de estilo de vida saudável, e na compreensão do processo saúde-doença. O racismo, as barreiras linguísticas e o

preconceito podem reduzir o acesso aos serviços de saúde. Meio-ambiente social Uma baixa participação social e uma baixa autoestima podem

ter um impacto negativo sobre a saúde.

O enfoque nos determinantes sociais da saúde pode ser bem exemplificado no estudo realizado por Carlos Augusto Monteiro, no qual ele tenta analisar a relação que o fenômeno da desnutrição mantém com as formas de desenvolvimento socioeconômico de um país.57 O autor procura retirar o problema da desnutrição de um contexto exclusivamente sanitário, examinando as relações que a planificação do desenvolvimento nacional mantêm com a política de alimentação e nutrição. Ao analisar o caso brasileiro, o problema da desnutrição visto pelo ângulo da estrutura nacional de produção e consumo dos alimentos, ele mostra que todas as medidas unilaterais postas em prática envolvendo intervenção direta como a suplementação alimentar foram desalentadoras.

Ao analisar a influência da política brasileira de estímulo à exportação com a abertura de créditos agrícolas aos grandes proprietários rurais, ele nos mostra de que maneira isso influenciou, por um lado, na estagnação da produção de produtos como arroz, feijão e mandioca (produtos de consumo interno) e, por outro lado, na grande expansão da produção de soja, carne e laranja (produtos exportados). Isso significou a opção do modelo brasileiro pela implantação de um subsetor moderno de explorações agrícolas, com grandes recursos de capital em detrimento de numerosas famílias camponesas e trabalhadoras, que vêm se desligando da terra e passando da posição de produtores para a de consumidores de alimentos. Tal situação está intimamente ligada ao êxodo rural, à concentração de grandes massas populacionais nos grandes centros, à dificuldade de emprego por falta de qualificação profissional, enfim a vários problemas que certamente contribuem para a baixa ingestão calórica e para o aparecimento de um quadro de desnutrição comumente associado às infecções.

57 MONTEIRO, Carlos Augusto. A desnutrição e o planejamento econômico-social. In: FLEURY, S; BAHIA,

L.; AMARANTE, P (Org.). Saúde em debate: fundamentos da reforma sanitária. Rio de Janeiro: Cebes, 2008. p. 29-38.

Problemas de saúde que não são combatidos exclusivamente por ações na área da saúde e tampouco por ações específicas encontradas em programas oficiais, como por exemplo o programa de suplementação alimentar. Uma política de alimentação, no entender do autor, envolve muito mais do que isso, ou seja, é necessário antes de mais nada que se faça uma análise de como a planificação de desenvolvimento do país está repercutindo sobre a alimentação e a nutrição da população.

A solução para o problema, apontada por Carlos Augusto Monteiro, estaria na mudança do modelo de desenvolvimento implementado pelo Brasil, passando-se de um processo de desenvolvimento preocupado apenas com os aumentos de produção e produtividade para um modelo de desenvolvimento que permita às camadas mais pobres do país, se apropriarem diretamente dos benefícios do crescimento econômico.

Em um artigo internacional publicado na Revista Saúde em Debate, Renata Meira Veras e Martha Traverso-Yépez analisam e discutem a forma como o acompanhamento pré- natal vem sendo influenciado pelos determinantes sociais da saúde, tais como nível educacional, status socioeconômico e idade materna.58 Esse é também um bom exemplo de como o problema de prematuridade está relacionado a outros fatores que não aqueles especificamente biológicos.

Apesar de todos saberem que melhorias no acesso e na qualidade do pré-natal de alto risco e no atendimento do recém-nascido são capazes de reduzir dramaticamente a mortalidade infantil e neonatal, o que se observa é que as taxas de partos prematuros vêm crescendo no mundo nos últimos 20 anos.59 Os partos prematuros constituem um problema importante de saúde pública. Cerca de 75% das mortes que ocorrem no período neonatal estão relacionadas aos partos prematuros (antes da 37ª semana de gestação).

Estudos epidemiológicos apontam algumas causas que podem levar ao parto prematuro: trabalho de parto espontâneo com membranas íntegras; trabalho de parto espontâneo com ruptura de membranas; indução terapêutica do trabalho de parto. Algumas causas são também relacionadas ao nascimento de prematuros tais como: doença hipertensiva da gestante, sangramento materno, crescimento intrauterino retardado; alto número de

58 VERAS, Renata Meira; TRAVERSO-YÉPEZ, Martha. Social determinants of health and preterm birth trends

in Brazil and Canada. In: FLEURY, S.; BAHIA, L.; AMARANTE, P. (Org.). Saúde em debate: fundamentos da reforma sanitária. Rio de Janeiro: Cebes, 2008. p. 429-442.

59 No Brasil, as taxas em Pelotas cresceram de 6% em 1982 para 14,7% em 2005. No Canadá, também foi

constatado um aumento: a taxa que era de 6,3% em 1981 passou para 8,3% em 2007. VERAS, Renata Meira; TRAVERSO-YÉPEZ, Martha. Social determinants of health and preterm birth trends in Brazil and Canada. In: FLEURY, S.; BAHIA, L.; AMARANTE, P. (Org.). Saúde em debate: fundamentos da reforma sanitária. Rio de Janeiro: Cebes, 2008. p. 430.

cesáreas marcadas antes de se iniciar o trabalho de parto. No entanto, o problema da prematuridade pode estar relacionado a outros fatores que não esses acima mencionados.

Renata Meira Veras e Martha Traverso-Yépez apontam que alguns fatores como a baixa escolaridade e a pouca idade das gestantes são situações geralmente associadas ao baixo padrão socioeconômico. Sendo assim, concluem elas que as condições socioeconômicas da gestante são um problema de saúde pública tanto no Brasil quanto no Canadá, e que todos esses fatores a ela associados são parte integrante daquilo que denominamos fatores sociais da saúde.

Foi sob esse enfoque teórico e metodológico dos determinantes sociais da saúde que o movimento da reforma sanitária se baseou para incentivar a criação do Sistema Único de Saúde e o capítulo constitucional a respeito da saúde. A Constituição Federal, ao prever que “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”, abandonou a visão de um sistema que considerava a saúde pública como um dever do Estado de evitar a propagação de doenças para a coletividade e assumiu que o dever do Estado consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais, além da prestação de serviços públicos de promoção, prevenção e recuperação da saúde.

O novo conceito de saúde considera seus determinantes e condicionantes (alimentação, moradia, saneamento, meio-ambiente, trabalho, educação, transporte, etc.) e “impõe aos órgãos que compõem o SUS o dever de identificar esses fatos sociais e ambientais, e ao governo o de formular políticas públicas condizentes com a melhoria do modo de vida da população”.60

O que se quer enfatizar é que, sem a redução das desigualdades sociais, a erradicação da pobreza e a melhoria do modo de vida, o setor saúde sofrerá o resultado de políticas sociais e econômicas equivocadas. Em outras palavras, sem garantia de mudança dos fatores condicionantes e determinantes, não se garantirá o direito à saúde em sua abrangência constitucional.

Isto não significa, entretanto, que caiba ao SUS atuar em todos esses campos. É preciso entender que o SUS é apenas um setor da administração pública, na prestação de

60 SANTOS, Lenir. Direito à saúde e Sistema Único de Saúde: conceito e atribuições. O que são ações e

serviços de saúde. In: SANTOS, Lenir (Org.). Direito da saúde no Brasil. Campinas: Saberes Editora, 2010. p. 148.

serviços que garantam a redução do risco de doenças e outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, a proteção, e a recuperação da saúde.

Ao interpretar o artigo 196 da Constituição Federal, Lenir Santos o decompõe em duas partes: i) a primeira parte, de linguagem mais difusa, corresponde a programas sociais e econômicos que visem à redução coletiva de doenças com a melhoria de vida da população. Essa parte estaria relacionada à qualidade de vida, numa demonstração de que a saúde tem conceito amplo, que abrange o bem-estar individual, social, afetivo, psicológico, familiar, etc., e não apenas a prestação de serviços assistenciais; ii) a segunda parte, de dicção mais objetiva, obriga o Estado a manter ações e serviços públicos que possam promover a saúde, prevenir e recuperar o indivíduo das doenças que o acometem, através do acesso a uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados.61

A compreensão de que o SUS é apenas um dos setores da administração pública é muito importante na medida em que torna claro que os fatores determinantes sociais da saúde (condicionantes econômicos e sociais), ainda que sejam relevantes como indicadores epidemiológicos da saúde, devem ser considerados fora do setor saúde para fins de financiamento do setor. Ou seja, os problemas com habitação, trabalho, moradia e tantos outros que influem na saúde devem ser enfrentados por outros setores da administração pública. Como aponta Lenir Santos: “Quem tem o dever de adotar políticas sociais e econômicas que visem evitar o risco de doenças é o governo como um todo (políticas de governo), e não a saúde como setor (políticas setoriais)”.62

Por essa razão, é que gastos com programas de alimentação, saneamento básico e tantos outros não podem e nem devem ser computados como gastos com saúde, como tem sido feito por alguns gestores. Essa prática visa mascarar o financiamento do setor e manipular os dados, no sentido de atingir a meta mínima de financiamento exigida para cada ente da federação.

A questão relativa à saúde está intimamente relacionada a outros fatores que vão determinar direta ou indiretamente o nível de qualidade de vida dos indivíduos. O que aponta para o fato de que, na avaliação a respeito da saúde de um indivíduo, deva-se levar em conta não apenas a presença de uma patologia, mas também o grau de severidade das doenças e as complicações delas resultantes, que possam ter repercussão sobre a qualidade de vida do

61 SANTOS, Lenir. Direito à saúde e Sistema Único de Saúde: conceito e atribuições. O que são ações e

serviços de saúde. In: SANTOS, Lenir (Org.). Direito da saúde no Brasil. Campinas: Saberes Editora, 2010.