• Nenhum resultado encontrado

1. O CONCEITO DE SAÚDE

1.5. Políticas públicas saudáveis

A noção de políticas públicas saudáveis apareceu no debate internacional durante a 8ª Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, em 1986, no mesmo ano em que no Brasil aconteceu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, marco do processo brasileiro da Reforma Sanitária e do processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS).

No âmbito do SUS, o processo de formulação de políticas, programas e projetos de reforma na organização e gestão das ações e serviços de saúde, vem paulatinamente

97 GUTIERREZ, M. e cols. Perfil descriptivo-situacional del sector de la promoción y educación en salud:

Colombia. In: AROYO, H.V.; CERQUEIRA, M.T. (Eds.) La promoción de la salud y la educación para la

salud en América Latina: un Análisis Sectorial. Puerto Rico: Editorial de la Universidad de Puerto Rico,

incorporando noções oriundas do debate em torno da criação de ambientes e estilos de vida saudável, como notamos na concepção do Programa de combate ao Tabagismo, no programa do controle da AIDS, no programa de controle da Hipertensão e Diabetes e no programa da Saúde da Mulher, do Adolescente e do Idoso.98

A ideia moderna de políticas públicas saudáveis envolve um duplo compromisso: o compromisso político de situar a saúde no topo da agenda pública e o compromisso técnico de enfatizar, como foco de intervenção, os fatores determinantes do processo saúde-doença.99

A nova visão da saúde a identifica com bem-estar e qualidade de vida e não apenas com ausência de doença. Assim, a saúde deixa de ser um estado biológico estático e passa a ser um estado socialmente construído e dinâmico. A estratégia é dupla: se, por um lado, procura-se diminuir o risco de doenças, por outro, deseja-se aumentar as chances de saúde e de vida. Isso exige uma intervenção multissetorial e intersetorial sobre os fatores determinantes do processo saúde-enfermidade. O prolongamento da vida implica em esforços para ampliar a qualidade de vida, isto é, ampliar a capacidade de autonomia do indivíduo e o padrão de bem-estar que ele desfruta. Tudo isso depende de valores que são socialmente definidos e que são o resultado das escolhas feitas.

Sob esta ótica, a intervenção sanitária com a finalidade de proporcionar saúde está ligada a uma dimensão objetiva que se caracteriza pelo combate aos agravos e aos fatores de risco, e a uma dimensão subjetiva que se relaciona com as representações sociais de saúde e doença. Essa nova perspectiva implica também numa nova concepção de Estado, agora mais preocupado com a sua responsabilidade social, ou seja, com seu compromisso em face do interesse público e do bem comum. É necessário um esforço institucional para que o Estado seja mais eficiente (tenha capacidade de fazer o que deve ser feito) e mais representativo da vontade da sociedade (capacidade de definir o que precisa ser feito segundo o interesse e as necessidades da sociedade). Por isso as políticas públicas deixam de ser apenas oriundas da iniciativa estatal e passam a ser fruto de uma discussão e pactuação com os diversos atores sociais.

As políticas públicas originadas desses fóruns de discussão em que há diversidade de interesses em jogo são, na prática, políticas mais comprometidas com a saúde na medida em que têm sua concretização controlada pela participação ativa da sociedade. O poder da

98 TEIXEIRA, Carmen Fontes. Formulação e implementação de políticas públicas saudáveis: desafios para o

planejamento e gestão das ações de promoção da saúde nas cidades. Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 38-39, jan./abr. 2004.

99 BUSS, Paulo Marchiori. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro,

sociedade organizada é central na estratégia da promoção da saúde através de políticas públicas saudáveis. Nesse modelo, deve-se repartir direitos e deveres entre todos: entre Estado e sociedade; entre indivíduo e coletividade; entre público e privado.

Tendo na interdisciplinaridade o seu fundamento e na intersetorialidade a sua ferramenta operacional, as políticas saudáveis devem estimular pactos horizontais entre parceiros de outros setores governamentais diferentes do setor saúde e de outros atores como, por exemplo: urbanistas, educadores, e outros.100 Busca-se uma análise global da questão saúde e não do setor saúde. A intersetorialidade procura superar a visão isolada e fragmentada na formulação e implementação de políticas e na organização do setor saúde, incorporando os conhecimentos de outras áreas tais como: educação, trabalho, meio-ambiente, habitação, transporte, energia, agricultura, assim como sobre o contexto social, econômico, político, geográfico e cultural onde atua a política. É preciso analisar tanto os valores que levaram à formulação de determinada política (seus antecedentes) como também o impacto que cada política setorial tem sobre a saúde da população. Por outro lado, ao mesmo tempo, também deve-se ficar atento às consequências das diversas políticas sobre a saúde global da população ou sobre um determinado problema concreto de saúde.

Toda esta ação pressupõe uma nova institucionalidade social, isto é, um conjunto de organismos estatais encarregados do planejamento, coordenação, execução e financiamento das políticas sociais e, dentre eles, da política de saúde. E mais, os responsáveis pelas políticas sociais devem ter igual poder ao dos responsáveis pela política econômica e devem ter recursos financeiros garantidos no orçamento para a realização de suas ações.

A formulação e a implementação de propostas inovadoras, como é o caso das Políticas Públicas Saudáveis, exigem o desenvolvimento de um processo de planejamento e programação “que constitua um espaço de poder compartilhado e de articulação de interesses, saberes e práticas das diversas organizações envolvidas”.101

Para a realização do planejamento e gestão dos planos, lembramos a utilidade do método de planejamento estratégico situacional elaborado por Carlos Matus,102 que se fundamenta na compreensão do objeto do planejamento como sendo constituído por

100 BUSS, Paulo Marchiori. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro,

v. 5, n. 1, p. 163-177, 2000. p. 174.

101 TEIXEIRA, Carmen Fontes. Formulação e implementação de políticas públicas saudáveis: desafios para o

planejamento e gestão das ações de promoção da saúde nas cidades. Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 42, jan./abr. 2004.

problemas e oportunidades reais de intervenção e no entendimento do planejamento como um processo constituído de momentos que se interpenetram (momento explicativo, normativo, estratégico e tático-operacional). Para Carmem Fontes Teixeira, o fluxograma situacional elaborado por Matus permite uma abordagem multirreferencial aos problemas de saúde, especialmente àqueles que extrapolam o âmbito de ação dos sistemas de serviços de saúde. O processo de análise feito desta forma permite o estabelecimento de um diálogo entre os sujeitos envolvidos, bem como a identificação da contribuição que cada instituição ou setor pode vir a dar para a solução da questão.103

Como se percebe, o conceito ampliado de saúde (e de seus determinantes) deve ser adotado como referencial para a identificação e análise dos problemas e das necessidades sociais de saúde da população. Esse é o ponto de partida para a tomada de decisões e elaboração de planos, programas e projetos de ação.

Ao lado disso, para o enfrentamento de problemas através de diversos ângulos de análise, é crucial estabelecer diálogos interdisciplinares que permitam encontrar soluções alternativas de políticas públicas para a criação de ambientes saudáveis e a melhoria da qualidade de vida.

No Brasil, a proposta de Municípios Saudáveis é um modelo de política em prol da saúde e da importância da intersetorialidade que merece uma análise mais aprofundada.