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2.2 INTERDISCIPLINARIDADE E PESQUISA

2.2.1 Complexidade e pesquisa interdisciplinar

Mesmo que a forma como o conhecimento vem sendo organizado e aplicado em busca do progresso não seja apresentada em contraposição à organização do universo (pelo menos no que se vê na literatura), uma reflexão nesse sentido parece bastante útil. Uma olhada, mesmo que superficial, para a complexidade dos sistemas naturais parece alertar para uma ameaça que se desponta talvez já não tão silenciosa e que reclama uma tomada de consciência da pesquisa interdisciplinar. A complexidade do universo e a diversidade de

fenômenos que nele se manifestam, aliadas à necessidade do homem em estudá-los para entendê-los e explicá-los, levaram, conforme Marconi e Lakatos (2008), ao surgimento de diversos ramos de estudo e ciências específicas. Ainda que isso seja uma realidade, é impossível compreender, claramente, os sistemas vivos sob a luz de uma única ciência ou área específica do conhecimento, mesmo no exame de um fenômeno particular. Afinal, conforme alguns estudiosos, são fenômenos com enorme quantidade de inter-relações, cuja compreensão, além de conhecimentos específicos, exige a interação desses conhecimentos.

Embora reconhecendo que não há definição consensual, Demo (2000, p. 66) adota que “complexidade é antes de mais nada questão do número e variedade dos elementos constituintes de um item e do nível de elaboração de sua estrutura inter-relacional, seja organizacional ou operacional”. Toda sorte de sistema ou processo – qualquer coisa que seja um todo estruturado de partes inter-relacionadas – será até certo ponto complexo, afirma o autor.

Para Morin (2007, p. 35), a complexidade é, “à primeira vista, um fenômeno quantitativo, a extrema quantidade de interações e de interferências entre um número muito grande de unidades”. Apesar de todo sistema vivo, auto-organizado, mesmo o mais simples, combinar um número muito grande de unidades, da ordem de bilhões, seja de moléculas numa célula, seja de células no organismo, a complexidade não compreende apenas quantidades e interações. Ela abrange também incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios; embora não se reduzam à incerteza, ocorre a incerteza no seio de sistemas ricamente organizados. A complexidade, diz o autor, coincide com uma parte de incerteza, seja proveniente dos limites do entendimento humano, seja inscrita nos fenômenos.

À problemática que envolve o meio físico-biológico, a produção, a tecnologia, a organização social, a economia, caracterizada pela confluência de múltiplos processos, cujas inter-relações constituem a estrutura de um sistema que funciona como uma totalidade organizada, García (1994) chama sistemas complexos. É neste contexto de sistemas vivos, complexos envolvendo solos, água, plantas, animais, ambiente, ecossistema etc., com seus múltipos organismos, além de uma gama de outros insumos, que se desenvolve a pesquisa agropecuária, em busca de solucionar algum problema da humanidade. Alcançar esse objetivo, mantendo a harmonia e a sustentabilidade desses sistemas, representa, claramente, um desafio interdisciplinar.

Enquanto o ponto central das suposições que estão por baixo do ideal científico inclui reducionismo, causa linear e mecanismos de experimentação com a entidade como unidade de análise, a ciência da complexidade é caracterizada pelo holismo, pela causa mútua e pela evolução adaptável à relação entre os fatores que são a unidade preliminar de análise (RHOTEN; O’CONNOR; HACKETT, 2009). A complexidade articula-se nas interdependências críticas, promove laços de feedback e, frequentemente, confia em modelos multivariados e multiestágios para nisso representar a dinâmica do conhecimento. Embora a ciência da complexidade represente uma visão inerentemente interdisciplinar do mundo, executar essa troca de paradigma do reducionismo para o sinergismo integrado depende da representação, da confirmação e da organização bem-sucedidas do conhecimento disciplinar, afirma Wierzbicki (2007). A ciência da complexidade é, pois, uma arte que requer o emparelhamento de habilidades disciplinares com uma disposição interdisciplinar.

Muitos cientistas, em diversas áreas parecem preocupados com essa questão. Para Rhoten, O’connor e Hackett (2009), os problemas ambientais, inclusive o ciclo hidrológico, o funcionamento dos ecossistemas, o desenvolvimento sustentável e a mudança climática global, por exemplo, necessitam de atenção especial. Eles não podem ser encaminhados adequadamente sem o concurso coletivo de pesquisadores da agricultura, da biologia, da ciência da computação, da silvicultura, da hidrologia, da matemática, da gestão de recurso, das ciências sociais e da engenharia, dizem os autores.

Acrescentam que a exigência de amplas habilidades disciplinares e de conhecimentos requeridos para abordar tais problemas, frequentemente, não excede apenas os limites de disciplina intelectual; sobrepuja, também, a capacidade individual, requerendo, assim, a integração de domínios diversos e o aumento de colaboração entre investigadores de campos diferentes. Nas ciências da vida, segundo Cech (2005), futuras inovações nas ciências biomédicas surgirão até mais rapidamente, se físicos, químicos, engenheiros e cientistas da computação puderem trabalhar, ombro a ombro, com os cientistas biomédicos para definir as questões que precisam ser resolvidas.

Mesmo que muito da ciência tradicional ainda procure simplificar para compreender, já surgem fortes tendências para essa mudança de paradigma na expectativa de avançar na carreira científica para uma “unidade das ciências” em prol de uma pesquisa interdisciplinar efetiva. Por outro lado, existem, nas ciências, indivíduos com “atitudes criativas” que são impelidos a empenhar-se na complexidade e a

descobrir formas alternativas de compreensão. Mais do que um desafio crítico de como incentivar, preparar e apoiar tais indivíduos, que se encontram frequentemente propensos para a interdisciplinaridade, é gerenciar esse processo. Eis um desafio à gestão do conhecimento, em particular às instituições de pesquisa agropecuária.

Deve estar claro, porém, que a interdisciplinaridade não deve ser considerada como uma panaceia, que garantirá uma pesquisa adequada ou um saber unificado; mas um ponto de vista, que permitirá uma reflexão profunda, crítica e salutar sobre o funcionamento da pesquisa agropecuária. Ela deve ser considerada: (i) como meio de atingir uma formação profissional de “horizonte alargado”, já que permite a abertura a novos campos do conhecimento e a novas descobertas; (ii) como incentivo à formação de pesquisadores e de pesquisa, pois o sentido das investigações interdisciplinares é reconstruir a unidade dos objetos que a fragmentação dos métodos separou e, assim, permitir a análise das situações globais, dos limites de seu próprio sistema conceitual e o diálogo entre as disciplinas (áreas do conhecimento); (iii) como forma de compreender e modificar o mundo, pois, sendo o homem agente e “paciente” da realidade do mundo, se torna necessário um conhecimento efetivo dessa realidade em seus múltiplos aspectos.