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1.3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DO TEMA

2.1.1 Conhecimentos científico e não científico

A literatura, normalmente, apresenta quatro tipos de conhecimento: (i) conhecimento popular ou vulgar, às vezes denominado senso comum; (ii) conhecimento científico; (iii) conhecimento filosófico; (iv) conhecimento teológico ou religioso. Não obstante, existem autores que considerem o mítico, o mágico e a ideologia como tipos de conhecimento. Segundo Marconi e Lakatos (2008), conhecimento popular ou vulgar ou senso comum é o conhecimento transmitido / adquirido hereditariamente, de geração para geração, por meio de educação informal, baseado em experiência pessoal e imitação. É, portanto, empírico, desprovido de teorias sobre os fenômenos, produzido sem base em procedimentos metodológicos, assistemático e subjetivo. Pode-se afirmar que o conhecimento popular é o modo comum, corrente e espontâneo, de conhecer, que se adquire no trato direto com as coisas e com os seres humanos. Ainda conforme Marconi e Lakatos (2008, p. 17), “é o saber que preenche nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo”.

O conhecimento científico, ao contrário do popular, é obtido de modo racional, conduzido por meio de procedimentos científico- metodológicos e transmitido por intermédio de treinamento apropriado. Trata-se de um conhecimento sistemático, metódico, que não é realizado de maneira espontânea, intuitiva, baseada na fé ou, simplesmente, na lógica racional, embora o cientista dependa do conhecimento sensível, pois, como pessoa, é dotado de sensibilidade. É produzido mediante a investigação da realidade por meio de experimentos, da busca do entendimento lógico de fatos, fenômenos, relações, seres e acontecimentos que ocorrem na realidade cósmica, humana e natural. Visa explicar “por que” e “como” os fenômenos ocorrem, na tentativa de evidenciar os fatos que estão correlacionados, numa visão mais globalizante do que relacionada a um simples fato. Para Marconi e

Lakatos (2008), abrange fatos concretos, positivos e fenômenos perceptíveis pelos sentidos, pelo emprego de instrumentos, técnicas e recursos de observação. É objetivo, à medida que procura concordar com seu objeto, buscando alcançar a verdade factual por meio de observação, investigação e experimentação; verifica a adequação das ideias (hipóteses) aos fatos recorrendo à observação e à experimentação, atividades que são controláveis e, até certo ponto, reproduzíveis. O procedimento científico circunscreve, delimita, fragmenta e analisa o fenômeno que constitui o objeto da pesquisa, atingindo segmentos da realidade. Entretanto não é o único meio de busca da realidade, ou seja, a ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade. O que diferencia o conhecimento científico do popular é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do “conhecer” ou, mais precisamente, o que se refere ao contexto metodológico do que propriamente a seu conteúdo. Essa diferença ocorre, também, em relação aos conhecimentos filosófico e religioso (teológico).

O conhecimento filosófico, por sua vez, tem como objeto de análise as ideias, as relações conceituais, as exigências lógicas que não são redutíveis a realidades materiais, por isso não são passíveis de observação sensorial direta ou indireta (por instrumentos). Emprega o método racional, no qual prevalece o processo dedutivo, que antecede a experiência, e não exige confirmação experimental, mas somente coerência lógica. Encontra-se sempre à procura do que é mais geral, interessando-se pela formulação de uma concepção unificada e unificante do universo, buscando as leis mais universais que englobem e harmonizem as conclusões da ciência. Vai à raiz das coisas e é produzido segundo o rigor lógico que a razão exige de um conhecimento que se quer, buscando a verdade do existente. A filosofia é um método racional para buscar respostas que não podem ser enfrentadas com a ciência e a racionalidade apenas.

Enquanto o saber popular se baseia na experiência de vida e é espontâneo, o conhecimento científico fundamenta-se em procedimentos científico-metodológicos; o saber filosófico apoia-se no rigor da lógica racional; o saber teológico firma-se na fé; é dedutivo por partir de uma realidade universal para representar e atribuir sentido a realidades particulares. Desse modo, o conhecimento teológico parte da compreensão e da aceitação da existência de um Ser supremo, que constitui a razão de ser de todas as coisas. Esse Ser se "manifesta" aos humanos e lhes revela as suas verdades, as quais se caracterizam por serem indiscutíveis, inquestionáveis, portanto a razão não precisa compreendê-las, mas aceitá-las. É esse processo que o conhecimento

teológico investiga e tenta explicar. Por apoiar-se em doutrinas, tem proposições sagradas, inspiração divina e é sistemático por encerrar a origem, o significado, a finalidade e o destino do mundo, embora não seja verificável por evidenciar implícita atitude de fé perante o conhecimento revelado.

Enfim, excluir a razão ou não admitir nada mais que a razão são dois excessos a evitar ao se confrontar fé e ciência. Esses dois excessos devem ser substituídos por “dois olhares: a ciência e a fé”, ambas necessárias para uma visão completa da realidade que se explora. Cada uma delas cobre âmbitos distintos, com caminhos autônomos e diferentes metodologias, mas as duas têm necessidade uma da outra para se completar na mente de uma pessoa que pensa. A ciência interroga-se sobre o “como”; a metafísica e a religião se dedicam a investigar os valores últimos - o “porquê”. Por outro lado, a fé não é nada se não se pensa sobre ela; a adesão da fé não é só afetiva, mas requer uma elaboração intelectual, e a teologia serve-se de categorias lógicas.

Para Sousa (2006), embora o objetivo do conhecimento científico seja explicar a realidade ou, pelo menos parte dela, ele se configura como um “tremendo equívoco”. Partindo dessa afirmação, a autora apresenta o que chama de “sete teses equivocadas” sobre o conhecimento científico, assim descritas: (i) O conhecimento científico é o único conhecimento válido e confiável porque explica a realidade como ela é. Sem dúvida, são os procedimentos metodológicos rigorosos que o diferenciam dos outros conhecimentos. Entretanto é preciso afirmar que ele não é a única forma de conhecer o mundo e a realidade que rodeia o ser humano; nem mesmo é o único conhecimento válido, confiável e infalível, até porque é uma construção humana e, como tal, é imperfeita, passível de erros.

Além disso, a realidade é dialética, portanto dinâmica e contraditória, daí a necessidade de se reverem paradigmas, constantemente. Outros conhecimentos, como o religioso, o filosófico e o senso comum, trazem consigo explicações de mundo baseadas em seus próprios métodos de verificação e interpretação da realidade, que, certamente, não tomaram emprestados do conhecimento científico até porque existem antes dele, afirma Sousa (2006). O senso comum tem, por exemplo, uma forma muito mais livre de dar sentido à realidade. Não estabelece um método rigoroso e, portanto, chega a conclusões mais rapidamente. É certo que nem sempre essas conclusões são confiáveis, assim como nem sempre o são as do conhecimento científico, acrescenta a autora.

Nenhum tipo de conhecimento, sozinho, é capaz de revelar a realidade como ela é, ou de permitir olhar um fenômeno e explicá-lo em toda a sua complexidade, tão-somente pela incapacidade humana de perceber “toda” a realidade. Por isso, está-se sempre fazendo recortes, a fim de melhor perceber como funciona determinado fenômeno para contextualizá-lo histórica, cultural, econômica e socialmente; mas, segundo Demo (2000), não é mais a realidade. (ii) O conhecimento científico retirou a humanidade do obscurantismo, que antes estava mergulhada no pensamento mágico. Essa tese é equivocada, afirma Sousa (2006), porque, antes do surgimento do conhecimento científico, existiam formas de interpretar a realidade, tão importantes quanto qualquer outra, como a religião, o senso comum, a filosofia. A Idade Média pode até ter ficado conhecida como um período de estagnação, entretanto é provável que essa sensação tenha sido fortalecida pelo iluminismo, que acentuou a importância do progresso científico e tecnológico em detrimento dos outros conhecimentos.

Pode-se afirmar que o conhecimento científico veio por uma demanda da humanidade por explicações mais rigorosas sobre a realidade, mas não para substituir os demais. Afinal, esses pensamentos ainda existem, são importantes e gozam de respeito e autoridade. (iii) O conhecimento científico é somente aquele que pode ser provado e reproduzido em laboratório. Essa é uma discussão metodológica travada entre as ciências naturais e humanas, principalmente em torno do positivismo, que enfatiza a quantificação, o experimento e o empirismo da primeira apesar de nem todo conhecimento científico poder ser reproduzido em laboratório.

Do outro lado, as ciências humanas, embora utilizando em parte o pensamento positivista, desenvolvem seus próprios métodos, respeitando as características do objeto. (iv) A ciência é mais confiável porque está livre do senso comum e da ideologia. O paradoxo dessa tese é que, apesar de serem esses conhecimentos diferentes, servem-se muito um do outro. A ideologia pode utilizar o conhecimento científico e o senso comum para elaborar um discurso que justifique uma posição sua; o conhecimento científico pode lançar mão da ideologia e do senso comum para legitimar seu entendimento de certa observação da realidade.

A ideologia significa o mundo a partir da justificação do poder. O caráter ideológico é pretensioso e tende a encarar a realidade da forma como gostaria que fosse. A ideologia está

inevitavelmente ligada ao poder (SOUSA, 2006, p. 148).

Na opinião de Demo (2000), a ciência está cercada de ideologia e senso comum, não apenas como circunstâncias externas, mas como algo que já está dentro do próprio processo científico, que é incapaz de produzir conhecimento puro, historicamente não contextualizado. Essa afirmação implica, por exemplo, que até a escolha do objeto que o conhecimento científico faz para analisar leva em conta tanto o senso comum, quanto a ideologia. Afinal, existe um sujeito (o pesquisador) que faz um recorte a partir da sua própria subjetividade e, no momento da escolha (e, certamente, na condução do processo de pesquisa), pesa tanto o senso comum, quanto as posições ideológicas do investigador.

Resta, pois, que essa confluência seja valorizada e utilizada em benefício da pesquisa agropecuária, no caso vertente. (v) A religião propõe dogmas, o conhecimento científico propõe a libertação. Essa tese é equivocada e, até certo ponto, paradoxal, porque, além de “libertação” nem sempre acontecer em ciência, é uma forte proposta dogmática, particularmente das religiões cristãs. Além disso, o conhecimento científico já produziu inúmeros dogmas, que foram difíceis de serem rompidos, como ocorreu, na Física, com o átomo, por exemplo. Por outro lado, seria muita pretensão da ciência propor a libertação, porque a própria dinâmica dialética da produção científica propõe dogmas. (vi) O conhecimento científico é reconhecido pela sua preocupação com a forma e a sua desvinculação com a política. Não há dúvida quanto à preocupação com o rigor, com a forma e a coerência de argumentos na produção da ciência, entretanto todo conhecimento cientifico está entranhado de ação política.

A produção do conhecimento científico dialoga com as necessidades da sociedade e com as próprias necessidades da comunidade científica. Isso é política. Ciência que não faz isso dificilmente é reconhecida como tal. Por outro lado, a consecução de recursos para pesquisa, por exemplo, dificilmente é eximida de ações políticas. Algumas instituições de pesquisa conseguem mais recurso do que outras, nem sempre por produzirem mais e melhor, mas pelo simples fato de usarem ações políticas mais efetivas. Essa tese, então, está equivocada, porque não existe conhecimento científico despretensioso, despreocupado com a ação política; exatamente ao contrário, porque fazer ciência é uma ação política. (vii) O conhecimento científico é indiscutível. Ele é a expressão da verdade.

Esse é, provavelmente, o erro mais comum sobre o conhecimento científico, afirma a autora.

Nele nada é indiscutível; pelo contrário, a discutibilidade é, inclusive, um critério de cientificidade, pois a produção científica é dialética. Assim, tudo o que se colocar como pronto, acabado não pode ser considerado científico, já que a própria natureza está sempre em processo de transformação. Por isso não só o cenário da realidade muda, como também a forma de ver o mundo e os métodos de interpretar essa realidade, exigindo refutação, alteração e substituição.

Não obstante “eventuais exageros” de alguns, parece difícil negar a importância de bem usar os diversos tipos de saberes para realçar o potencial de produção de conhecimentos em projetos de pesquisa agropecuária, por exemplo. Primeiro, porque cada membro dessas equipes carrega consigo experiências adquiridas na vida, que, se provocadas num processo interativo, podem ser bastante úteis, até porque a própria escolha do objeto de investigação nem sempre prescinde do senso comum. Segundo, detectar e explorar adequadamente a perspicácia de eventuais seguidores de correntes filosóficas ou religiosas pode motivar a equipe ao interesse pela formulação de concepções mais gerais, unificadas e unificantes do universo pesquisado, de modo a buscar conclusões mais globais e harmônicas. Afinal, o valor da lógica racional e a convicção de que realidades universais dão sentido a realidades particulares, somadas ao conhecimento científico dos componentes das equipes dos projetos podem realçar a obtenção de resultados. Por outro lado, pertencendo ou não a quaisquer correntes religiosa ou filosófica, o cientista é sensível, pois sente, percebe, forma imagens mentais de coisas, seres e fatos, que não se pode desprezar. Apesar da diferença entre esses conhecimentos, eles se servem muito um do outro.

2.2 INTERDISCIPLINARIDADE E PESQUISA INTERDISCIPLINAR