• Nenhum resultado encontrado

CAP III O Campo de experiência:

3.3 O Processo criativo

3.3.6. Composição da Iluminação

No princípio da composição da obra, ainda não havíamos pensado em iluminação. Até que no início do ano de 2012, recebi um convite de Carolina Mota, recém-formada no curso de Bacharelado em Artes Corporais pela UNICAMP e com um grande interesse por iluminação. Ela fora uma das contempladas com uma bolsa de estudos em iluminação na 6ª edição do projeto mineiro Seminaluz, que incentiva a formação de iluminadores cênicos no Estado de Minas Gerais e, como estudo prático de sua formação, teria que trabalhar a iluminação de um espetáculo a ser apresentado no final de seu curso na cidade de Ipatinga-MG. Então, criamos uma parceria.

A entrada da Carolina nos ensaios transformou a maneira simples e utilitária que havíamos pensado até então sobre a questão da iluminação na cena. A concretude da presença dela, que dialogava, pensava e sugeria iluminação para as cenas que nós trabalhávamos, fez com que diretamente começássemos a pensar a iluminação como mais um elemento composicional. A partir dessa experiência começamos a olhar concretamente para a iluminação, aproveitando a

130

interferência da luz praticamente como um novo personagem na cena, um segundo narrador, tamanha força dos signos que ela somou na composição.

Prontamente percebemos que a iluminação tem um papel determinante no princípio composicional da ênfase, uma vez que sempre estará presente e define o que é para ser olhado ou não, além de imprimir uma qualidade – dependendo de intensidade, cor, ângulo - e pode enfatizar o elemento que se quer destacar em diferentes planos concomitantes na cena, e ao mesmo tempo, altera a textura do espaço, influenciando fortemente na textura final da cena.

Uma das ideias iniciais, e que permaneceu até a última versão do desenho de luz, era que a luz indicasse uma encruzilhada no caminho do Soldado. A imagem da encruzilhada nos foi sugerida por uma das versões da obra que foram estudadas, onde o “Entre Denges et Denezy82” fora traduzido por “Entre Dorte,

Corte e Gaza83”. A imagem de estar entre três lugares diferentes sugeria metaforicamente o posicionamento das possíveis escolhas que o Soldado tem ao encontrar-se com o Diabo.

A princípio, essa encruzilhada construída pela iluminação era feita apenas nas duas diagonais do palco que marcavam um „X‟ no chão, onde, no centro, o Soldado se encontra pela primeira vez com o Diabo e, para esse ponto retorna diversas vezes, sempre que há a possibilidade de uma escolha. Esta ideia, da iluminação tratar a encruzilhada, se desenvolveu de forma que até a apresentação em Ipatinga-MG, a encruzilhada foi construída por oito luzes que marcavam o caminho de uma das extremidades do palco até o centro, o que deixava para a iluminadora a possibilidade de usar quaisquer combinações de „caminhos‟ para desenvolver durante a jornada do Soldado.

As primeiras duas diagonais que trabalhamos – que partiam de equipamentos (PCs – plano-convexo) posicionados no chão, à frente do palco, miradas para o fundo – nos surpreendeu com um elemento que não esperávamos.

82

Denges e Denezy são lugares fictícios criados pelo autor. Fonte: ARISTOFANIA [on line]

83 Dorte, Corte e Gaza são três lugares reais com forte histórico bélico, sendo os dois primeiros na França e o

131

A sombra marcada no fundo preto do palco em algumas cenas era distorcida em seu tamanho e bem marcada na sua linearidade. Aproveitamos tal imagem e começamos a usá-la para, ora enfatizar a vitória do Diabo em relação ao Soldado, ora para marcar a presença do Diabo nas escolhas do Soldado.

Aí, ficou claro o tratamento que tínhamos que dar para a iluminação e

outras cenas subsequentes foram pensadas a partir da iluminação. Ela enriqueceu o uso do espaço ao fortalecer ou estabelecer signos que posteriormente não precisaram ser criados por outras linguagens expressivas como, por exemplo, a encruzilhada, a qual, a princípio, tinha sido criada apenas pela movimentação e algumas indicações verbais. A criação desse signo pela iluminação colaborou com o sentido da cena e fez com que percebêssemos que não era mais preciso ser construído paulatinamente pela movimentação, como antes havíamos tentado fazer. Mas era necessário que a luz fosse indicada verbalmente84 no espaço apenas uma vez para que o signo se fixasse. Uma vez que o signo foi compreendido, a criação das outras linguagens expressivas envolvidas no mesmo

84 O signo é exposto na primeira vez em que é dito pelo diabo: “entre a guerra e seu lar”. Este aponta para

duas das direções criadas pela encruzilhada, e assim o signo fica claro pra plateia.

15. Ensaio de O Soldado no auditório do IA/UNICAMP. Evidencia-se na foto a encruzilhada e a sombra ao fundo. Foto: Carolina Mota. Fonte: acervo pessoal

132

momento podia ser concentrada em outros signos que fossem interessantes àquele momento.

Andreas Simma85, ator convidado pela orientadora para colaborar como consultor da estrutura da obra no processo de criação, nos deu a ideia de tratar a luz também como servente do Diabo. Seguindo sua sugestão, fizemos com que a primeira coisa que acontece na peça, fosse o Diabo brincando de riscar fósforos (o fogo – elemento do Diabo) enquanto a plateia entra. Terminada a entrada, ele sobe no palco e risca um fósforo. A ação de riscar este último fósforo está coordenada com o levantar da luz, como se o Diabo tivesse usado de seu poder sobrenatural para iluminar o local. Mais para frente o mesmo se passa, só que ao revés. Ele dá um comando, e as luzes se apagam.

Outro exemplo de composição a partir da iluminação foi uma cena um tanto complicada de se resolver a princípio, e ainda considero que está em processo de desenvolvimento. Uma das cenas finais, na obra original, é a entrada do Diabo (sem disfarce nenhum, ao contrário dos momentos anteriores, nos quais aparece sempre disfarçado) para recuperar o violino, logo após o soldado salvar a princesa. Em seguida, há uma fala do narrador que amaldiçoa o destino fatal do Soldado. Ao olhar para essas linhas, percebemos que elas poderiam ser facilmente colocadas na boca do diabo, quando aparece sem disfarces. Para criar a imagem do Diabo sem disfarces, colocamos Marina em um vestido branco, iluminada por seis luzes negras ao redor do palco. A luz negra reflete apenas algumas cores e, no caso, trabalhamos com seu reflexo no branco. O Soldado, naquele momento veste também uma camisa branca, o que gera na cena a imagem de dois objetos em movimento: a camiseta do Soldado, e o vestido do Diabo.

85 Andreas Simma – (Austria, 1969 - ), é ator, e atualmente trabalha no Théâtre Du Soleil, dirigido por Ariane

133

A presença da iluminação, por fim, foi tão forte que em boa parte cumpriu também com o papel cenográfico, e compôs com diferentes texturas e desenhos pelo espaço.

16. Finalização do projeto Seminaluz. Na foto, da esq. p/ dir.: o tutor Alexandre Galvão, os bosistas Carolina Mota e Geizismar Martins, e Gustavo Valezi. Foto: Nilmar Lage. Fonte: Cedida pelo acervo do Seminaluz

134