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CAP I – Contexto histórico e artístico

1.3. Rudolf Von Laban

1.3.1. Laban e o Sistema Effort

Laban começou seus estudos com a crença de que há uma conexão do corpo com o espírito. Ao observar os espetáculos de dança na época que viveu em Munich, ele identificou que a “atitude interior (...) de um dançarino descrevia as mudanças das dinâmicas em um movimento expressivo” BERGSOHN e BERGSOHN, 2003, p6). Logo, a dança já era expressão por si mesma, e não necessitava expressar alguma coisa. Como consequência, em seu trabalho Laban buscou entender como que o corpo lida com o corpo que trabalha e analisa o movimento humano a partir do esforço24. Em sua obra, Laban não se refere à medida de força, mas aos impulsos internos a partir dos quais se origina o movimento.

Laban propôs uma escrita do movimento com o objetivo de entendê-lo e registrá-lo o mais precisamente possível. Para tanto, analisou o movimento de

23 Rítmo Industrial Laban/Lawrence. Tradução do autor. 24

“Apesar do termo Esforço ter sua referência em alemão (antrieb – impulso, ímpeto), foi criado ou selecionado por Laban em inglês (MALETIC, 1987, 99), e por isso traduzido para Esforço em português (LABAN 1978). No livro Effort: Economy of Human Movement (LABAN e LAWRENCE, 1947, segunda edição 1974), o termo é associado a processos mentais e manuais de pessoas individuais que constróem ações coletivas como “esforço cultural” e “esforço industrial”. Talvez por este motivo, no Laban Centre London, o termo utilizado seja “Dynamics” - “Dinâmica” -, uma área mais ampla e que engloba o effort/esforço (PRESTON-DUNLOP, 1979, 61).” (FERNANDES, 2010)

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forma minuciosa (trabalho continuado por Bartenieff25 e Lisa Ullmann26 e estudado em diversos campos do saber, como a pedagogia, a educação física, fonoaudiologia etc). Seus principais estudos foram a eukinética e a corêutica. O primeiro busca entender o movimento a partir de suas qualidades e, no segundo, a relação deste com sua organização no espaço. Para o objetivo do presente estudo serão discorridos sobre alguns dos elementos desenvolvidos por Laban na eukinética os quais serão utilizados na composição do exercício cênico descritos no último capítulo.

É importante notar que o trabalho de Laban se caracteriza pela via da forma relacionada ao conteúdo. A partir do esforço, Laban analisou o movimento e os impulsos internos que o originam. Laban chama de esforço (ou o que foi traduzido do termo effort para este termo) os ímpetos que originam o movimento. Assim, percebe diferentes qualidades de movimento e a sensação que causa.

As qualidades do esforço são compostas pelos fatores Tempo, Espaço, Peso e Fluência do movimento, resultantes de uma atividade interior (consciente ou inconscientemente) de quem se movimenta.

A fluência se refere à sequência das partes do corpo que desenvolve um movimento. Pode ser “desembaraçada ou livre” ou “embaraçada ou controlada”. É uma faculdade dos seres animados, uma vez que podem controlar seus movimentos. Se o movimento segue ininterruptamente, o controle será normal, e a ação contínua; se o fluxo se interrompe durante o movimento, vemos a formação de posições seguidas, às quais chamamos de intermitente. Se o fluxo está completamente controlado, vemos apenas a posição parada. Laban ainda afirma

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Irmgard Bartenieff (1890 – 1981) Foi aluna de Laban, e aplicou o treinamento no campo da terapia física, desenvolve sua própria aplicação sobre reeducação somática chamada de ‘Bartenieff Fundamentals’. Ela também foi dançarina, coreógrafa, expert em Labanotation, pioneira no desenvolvimento em dança-terapia, e pesquisadora. Criou o Certificate Program in Laban Studies em 1965 e fundou o Instituto de Estudos do Movimento Laban/Bartenieff em 1978.

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Lisa Ullmann (1907 – 1985) foi uma dançarina Germano-britânica e professora e estudiosa do movimento, lembrada pelo seu trabalho em associação com Rudolf Laban. Estudou na Escola de Laban em Berlin, se graduou em 1929, ensinou na Essen Folkwang School e trabalhou com Kurt Jooss. Também foi co-fundadora do Laban Art of Movement Guild em 1945 e responsável pela revisão de vários livros de Laban.

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que cada fator responde a uma das perguntas: o quê, quem, quando e onde. A fluência, por determinar uma qualidade aos seres animados, a característica que define responde como se movimenta.

O tempo diz respeito à duração do movimento, e dentro dela, se foi realizado muito ou pouco movimento, ou seja, a velocidade da execução. Pode ser lento ou rápido, e revela o quando da ação. O peso se refere à força muscular desprendida durante o movimento. Se for desprendida muita força, será pesado, porém será leve se for pouca a força muscular nele envolvida, e revela o quê se move. O espaço, quanto a sua definição no espaço. Será direto se a direção for definida e, caso não o seja, será flexível, e por isso revela onde o objeto se move.

Laban denomina ações básicas de esforço as oito combinações das três qualidades (peso, espaço e tempo), e para cada uma ele relaciona a uma função objetiva do movimento e à sensação que esse causa. Uma vez que interessa a experiência psicofísica da representação na arte cênica, a sensação do movimento nas situações expressivas é de maior relevância que nas funcionais. Laban segue o estudo das sensações do movimento analisando as qualidades da experiência psicofísica. Se existem oito ações básicas, podemos referir-nos a elas como oito sensações básicas dos movimentos.

A sensação relacionada ao fator peso será pesada ou leve. Ao fator tempo, duração ou passagem e ao fator espaço, expansão ou plasticidade.

No entanto, a partir dessas combinações, teremos as oito sensações básicas: Flutuar: leve, longo e flexível. Relaxamento: pesado, flexível e longo. Excitação: leve, flexível e curto. Euforia: leve, direto e longo. Socar: pesado, curto e direto. Estimulado: leve, direto e curto. Afundar: pesado, direto e longo. E desmoronar: pesado flexível e curto.

A fluência, no trabalho de Laban, se relaciona à qualidade do movimento referente ao fluxo natural, e se relaciona à facilidade de mudança do movimento. Se esta é controlada, sua sensação é de pausa. Se for liberada, tem a sensação de fluidez e consiste no fluxo ininterrupto do movimento, o que não se pode confundir com continuá-lo, simplesmente. Ou seja, essa sensação é uma

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expressão de esforço ativada pela liberação do fluxo que, dotado de uma capacidade emissora, auxilia o fluir para fora, ou seja, progressivo, característica da fluência livre.

Os fatores de movimento não necessariamente são sempre definidos. Podem aparecer com ênfase maior em um ou outro fator e, então, não importa se define um terceiro fator. Para as ações cujas formas lhe foram atribuídas por apenas dois fatores de movimento ou quando o fator fluência assume o lugar de um dos outros três fatores, Laban os chama de esforço incompleto, o que caracteriza as ações elementares incompletas, por se relacionarem à experiência e à expressão do movimento puro. Laban classifica também os ímpetos de ação, quando a fluência substitui o peso, o tempo ou o espaço. Tanto os ímpetos de ação quanto o esforço incompleto são classificados por Laban, mas não entraremos em detalhes por não serem eles relevantes para o desenvolvimento da pesquisa.

Quatro fases do esforço mental precedem todas as ações práticas, que se tornam visíveis por pequenos movimentos do corpo: Atenção, intenção, decisão e precisão. Na atenção examina-se e considera-se o objeto da ação e situação, cujo grau pode variar. Laban associa a atenção ao fator de movimento espaço. A intenção caracteriza-se por pequenas ações ou tensões que oferecem a informação da intenção da personagem, relacionado ao peso, logo, ao o quê se quer. A decisão é a ação clara, a favor ou contra a intenção, relacionada ao tempo; logo, quando acontece. E a precisão é o “momento muito breve de antecipação da execução da própria ação” (LABAN, 1978; p169), relacionada à fluência, logo, ao como ocorre.

Para Laban, existem ainda, além das ações expressivas e funcionais, os

gestos subjetivos, que são destituídos de significação e são realizados apenas

pelo movimento em si: coçar, contrair os dedos; os gestos convencionais, que substituem a palavra, um acenar a cabeça como quem diz „sim‟, ou „não‟. Existem ainda os movimentos de sombra, que têm suma importância na construção de personagens e movimentos. O movimento de sombra caracteriza-se pelos

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pequenos movimentos inconscientes que revelam conflitos ou desejos interiores da pessoa ou personagem. Tem esse nome porque age como uma sombra que acompanha a ação enquanto é executada. Por exemplo, um assaltante bruto toma a aparência suave e delicada para se aproximar da sua vítima. Nos movimentos de aproximação do ladrão existem as sombras do movimento as quais demonstram sua intenção a todo instante.

O desejo de atingir qualquer objetivo humano, seja ele material ou espiritual, é expresso por movimentos que, por sua vez, escrevem a cena. São capazes de revelar o caráter, as situações e os valores pelos quais uma pessoa luta, e podem contar toda uma história sem diálogos ou explicações verbais.

Além desses pontos referentes à eukinética, outra investigação de suma importância feita por Laban se refere aos movimentos em relação ao espaço; a essa ele nomeou Corêutica. A Corêutica estuda as relações do corpo com o espaço, e muito se deve ao estudo da visão cosmológica de Platão, encontrado em sua obra Timeu (2011), em que se relaciona universalmente forma, alma, e totalidade, sobre o qual esta dissertação apresenta um apêndice ao final. Apesar não se estabelecer no escopo desta pesquisa um estudo aprofundado da corêutica, o entendimento da obra de Platão torna-se necessário para compreender o diálogo com as ideias de Kurt Jooss, discípulo de Laban.

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