• Nenhum resultado encontrado

CAP II Conversa com os Mestres

2.1 Análise comparativa

2.1.7. Objetivo e Tema

Por um lado, a Revolução Industrial recém-chegada à Rússia, e por outro, a Revolução do Proletariado de 1917 inspira Meyerhold a criar um teatro baseado neste momento histórico, o qual acreditava ser a saída para a nova sociedade que se erigia. Ao mesmo tempo, foi a partir dos reflexos da chegada da indústria na Alemanha que, pouco tempo depois, Jooss criaria o balé A Mesa Verde que revela a pobreza da nova sociedade capitalista explorada pela indústria. Doris Humphrey, assim como Jooss e Meyerhold, teve seu trabalho diretamente influenciado pelas guerras, e buscou o lado humano afetado pela participação dos EUA na II Guerra Mundial. Durante a Grande Depressão nos EUA, Humphrey seguiu a trabalhar e coreografar. Não mais apenas temas e narrativas mitológicas, como Ruth St Denis e Ted Shawn o faziam, mas trouxe para a cena eventos, temas e preocupações de sua contemporaneidade.

A compreensão do contexto histórico na vida dos quatro artistas estudados para esta dissertação foi essencial para definir a relação e a necessidade de explorar e interpretar em suas obras o sofrimento humano. Quando o artista se relaciona clara e fortemente com o ser humano – cujos problemas sempre foram os mesmos, e tendem a ser cíclicos, é provável, na obra, de ultrapassar a barreira do tempo, e dialogar com públicos de outras épocas. A Mesa Verde de Jooss, por exemplo, tem um motivo muito claro para ter sido realizada e foi relacionada diretamente com o sofrimento do homem daquele tempo. Não existe movimento sem motivo. Nem dança, nem teatro. Isso é básico para qualquer criação artística.

78

Os mestres ensinam que, ao se criar uma obra deve-se ter em mente o porquê de realizá-la naquele tempo e naquele lugar.

Humphrey explicou a diferença entre motivo, assunto e tema; às “razões involuntárias e voluntárias, físicas, emocionais ou instintivas” da obra e do artista, chama de motivo, que é similar ao que Stanislavsky dá o nome de superobjetivo da obra. Por sua vez, o superobjetivo se reflete na organização dos objetivos menores dentro da mesma obra: objetivo da cena, do personagem, e das ações dos personagens. O análogo dessa subdivisão é válido na dança. E o assunto será o elemento concreto por onde o tema se desenvolve.

Porém, eis um cuidado que se deve ter em relação ao tema. O que move a plateia, tanto no teatro quanto na dança, é a sua identificação com algo que vem da obra presenciada. Algo que se relacione ao humano e, em seu sentido profundo, irá encontrar ressonância nos espectadores. Tomemos como exemplo uma atriz que encena Ofélia55 quando se afoga. Ali pode haver algo de sublime e simbólico que, mesmo que o espectador não compreenda direta e racionalmente, pode acontecer com ele uma identificação sutil. Ao criar um personagem, o ator estuda suas ações e os motivos que o levam a agir. Seu trabalho é descobrir como criar um sentido para aquelas ações que sejam condizentes com o objetivo daquele personagem e, ao mesmo tempo, escrever na cena algo que “o liga à sua causa secreta” (JOYCE, 1984, p.210 apud HARADA, 2010, p6). Igualmente, ao se criar na dança, também não se deve ir atrás só das emoções, mas também buscar encontrar nelas os motivos e as ações, e assim desenvolver o material em sequências de movimentos.

Assim, ao escolher o tema, o coreógrafo deve procurar dentro dele as suas nuances, seus acontecimentos e suas ações e saber que o que irá encenar está prestes a atingir outras pessoas que poderão ser afetadas por algo que ali foi representado ou se identificou com algo ali presente.

79

Como existem diferenças no significado da palavra tema entre as linguagens expressivas, ressaltá-las torna-se apropriado para a composição da cena híbrida. Além desse significado explicado, o termo tema é utilizado na música e na dança para definir um mecanismo de linguagem criado pela execução de uma frase sonora ou de movimento, por exemplo, repetida igual ou variadamente dentro de uma composição. A este assunto, voltarei no próximo capítulo. Na composição musical, ainda há mais um significado. De acordo com Schoenberg (2008), além do mesmo significado que se implica na cena, tema é um termo usado para distinguir um tipo de material melódico que será desenvolvido de uma maneira específica. Para Schoenberg (2008), melodia é uma construção linear sonora simples e direta, de rápida resolução. O tema é o que Schoenberg classifica como uma linha melódica que se aprofunda em seu conflito. Por exemplo, Fur Elise, de Beethoven, apresenta uma linha melódica simples, cujos problemas se resolvem direta e rapidamente. É uma melodia simples, enquanto a 5ª Sinfonia, do mesmo compositor, apresenta uma forma-motivo (de quatro notas seguidas) “ligeiramente transformada que adquire variedade devido a apresentações de elementos em situações diferentes” (Schoenberg, 2008; p130); a isso se dá o nome tema. Schoenberg ainda aponta existirem também formas híbridas entre as duas; a nomenclatura vem, como a de todos outros elementos composicionais, para ajudar na compreensão da composição.

Os quatro artistas estudados reconhecem e exploram o potencial das qualidades dos movimentos. Uma vez que o interesse deles era encontrar uma forma enriquecida pelo conteúdo, todos eles perceberam que entender como o corpo se move e a relação com a sensação que sua qualidade causa seria essencial para este fim. Soma-se a isso o fato dos quatro também terem buscado os motivos que levam os artistas cênicos a realizar a arte. Esse pensamento foi levado em conta no experimento cênico. A grosso modo, interpretar A História do Soldado foi descobrir os motivos em comum com os do autor, os pessoais, e de

80

acordo com o conteúdo a se compor, as formas, a gestualidade e as qualidades foram pensadas.