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CAP II Conversa com os Mestres

2.3 Portas para o Hibridismo

2.3.3 Conselhos dos mestres compositores

Da redundância

Os quatro autores – Jooss, Meyerhold, Laban e Humphrey – mencionaram a necessidade de cuidado com a redundância. As redundâncias podem enfraquecer uma obra por sublinharem demasiadamente os signos da cena. Um dos fatores mais comuns que levam à redundância é utilizar-se de duas linguagens expressivas para o mesmo fim estético. Por exemplo: se houvesse uma cena em que o narrador diz que um soldado está apaixonado, a música ao fundo tem uma qualidade romântica e a movimentação do soldado é baseada em gestos emocionais que traduzem sua paixão, o mesmo signo será dito três vezes ao mesmo tempo e o espectador poderá se sentir entediado por ter que suportar alguém que fala e explica a mesma coisa várias vezes.

Como diria minha diretora e orientadora, Verônica Fabrini: “Não precisa „herodizar‟ Herodes!” ou a coorientadora (e também diretora): “Less is more68!” As

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Conceito de supersoma na teoria do Gestalt (surgiu entre 1930 e 1940): em que as partes nunca podem revelar conhecimento do "todo", pois a relação da soma de suas partes gera um todo que revela mais do que a simples soma das partes.

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linguagens expressivas quando usadas e criadas em conjunto, podem trabalhar seus objetivos e suas qualidades em diferentes direções ao mesmo tempo para que, somadas, levem a um só lugar. Quanto mais direções for possível apontar em uma cena, maior a possibilidade de se alcançar um maior grau de profundidade. Contrastes são muito bem vindos nesses momentos. Ao mesmo tempo em que existem momentos em que a força pode vir pelo contrário: uma linguagem expressiva apenas e com muito pouco (ou até nada, apenas presente, como um intérprete apenas parado, em silêncio, no palco) pode dizer muito mais que muito som, movimento e palavras juntos.

Da composição

Três entre os artistas estudados para esta dissertação, os quais tratam da composição (HUMPHREY 1987; HORST & RUSSELL 1981; e SCHOENBERG 2008), ao concluírem o pensamento sobre composição em suas obras, dão conselhos importantes quanto à composição. Como éramos iniciantes no olhar sobre a composição da cena, foi importante nos debruçarmos sobre tais conceitos. Em comum aos três foi a atenção a elementos da composição sobre os quais já discorremos, como as interações e relações entre os signos, o espaço, os gestos, simetria, oposição, frases, contrastes, palavra, formas e dramaturgia (linearidade).

Doris Humphrey apresenta um “check list” para conferir ao se criar uma dança:

Simetria e desenhos bidimensionais são sem vida. Quando Humphrey fala disso, não indica a não utilização. Pelo contrário, enfatiza que quando utilizados por muito tempo levam a obra à monotonia. O corpo em simetria tende ao equilíbrio e muitos coreógrafos se mantêm em uma zona segura, assim como a bidimensionalidade do desenho no palco. O corpo do ser humano é tridimensional, e se a arte quer trazer algo do ser humano, deve espelhar-se também nessa qualidade do corpo. Desafiar a

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gravidade, o equilíbrio o corpo e o espaço são possíveis portas para a vida em cena;

Os olhos são mais rápidos que os ouvidos. Ela afirma que o tempo que se leva para processar uma imagem visual é mais rápido que uma imagem sonora, por consequência do mundo de informações visuais que cresce a cada dia (tal observação é de 1959. Hoje, tal característica do mundo não só continua, como se intensificou muito mais no cotidiano); a audição perdeu, ao longo do tempo, a capacidade de retenção de informação. Até mesmo a memória visual, em geral, é mais forte que a auditiva. A característica do público tem que ser levada em conta na hora que a obra está em preparação. Por isso, movimentos muito repetitivos podem levar ao enfraquecimento da obra, assim como se apoiar apenas na sonoridade da composição para que ela carregue o sentido da obra;

Os movimentos parecem mais devagar e fracos ao serem

colocados no palco. Às vezes, na sala de ensaio, os movimentos parecem certeiros, mas ao chegar ao palco, muito do que foi ensaiado pode parecer mais lento e mais fraco. As relações de espaço mudam quando há plateia e os detalhes tornam-se mais visíveis, como uma perda de equilíbrio, ou algum movimento incerto parecem muito maiores quando executados no palco;

Todas as danças são muito longas. Humphrey se refere aos coreógrafos de sua época, mas já presenciei coreografias com as mesmas características excedentes. A falta de objetividade na composição ou a falta de humildade pode levar o coreógrafo a estender demasiadamente a obra, o que pode levar ao tédio. Há um tamanho justo, sem excedentes, e que deve ser encontrado.

Não deixe o final para o fim. Um bom final é 40% do espetáculo. A última impressão da obra não é só a mais forte, como se estende para o resto do espetáculo. Não que isso seja justo, mas é um fato.

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Se a obra é boa, excitante, mas deixa um final incerto e fraco, pode ser que o espectador leve para casa uma sensação de desapontamento que pode contrariar todo o resto da obra. Por isso, é de suma importância não deixar para criar o final, quando a estreia está para chegar, o processo todo pode ter sido muito cansativo e o stress estar alto. Encontrar um bom final demanda muito tempo e muito trabalho. Humphrey aponta mais uma característica que pertence à dança: ela é construída por um processo intuitivo, e enfatiza esse é um dos motivos de não deixar o final para o fim do processo. Desde o início, já se recomenda pensar em como articular o final e, uma vez que se sabe aonde se quer chegar, é mais fácil encontrar o caminho.

Monotonia é fatal. Busque contrastes; O contraste é válido para qualquer composição. Do design gráfico à música, da arquitetura à dança. O contraste ajuda a clarear os limites entre dois elementos. Na dança, que leva ao palco reflexos do ser humano em diversas instâncias e estados, os contrastes podem tornar os movimentos mais reveladores, e tirar a dança de um lugar cotidiano e inexpressivo.

Não seja escravo e tampouco um mutilador da música. A música sempre foi um grande aliado da dança, mas, como já estudado, são duas linguagens expressivas e podem ser colocadas juntas. Mas se os movimentos seguirem compasso por compasso, qualidade por qualidade da música, ambas dirão a mesma coisa. Dessa forma, ignorá-la também não é um caminho recomendável. A música deve ser considerada e somar seus signos à cena.

Ouça conselhos dos mais qualificados. Saber escutar as críticas dos mais experientes na área pode levar o compositor a melhorar sua obra.

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Não intelectualize, motive os movimentos. Humphrey aponta que existem divergências sobre a opinião que ela traz. Mas enfatiza acreditar que a dança pertence ao lado sensível e emocional do ser humano. A dança pertence a outro lugar, e a “comunicação não intelectualizada do movimento parece ser o objetivo desejado” (HUMPHREY, 1987; p165).

HORST e RUSSELL, 1981, pontuam quatro coisas a não se fazer na dança:

Não confiar no virtuosismo técnico. Algumas vezes ele pode ser necessário; afinal é a partir da técnica que se constrói a arte, mas o artista tem que fazer dela sempre um meio, não um fim. O virtuosismo pode ser deslumbrante de ser visto, mas por si só não carrega o objetivo artístico.

Não se apoiar na ideia dramática. A dança, quando apoiada na dramaticidade vira pantomima e pode cair em ilustrações inocentes. Ela pertence a outro lugar. O material narrativo deve ser sublimado e abstraído através de alegorias ou simbolismo.

Não fazer a dança muito longa, como já havia apontado Humphrey; o compositor deve encontrar o tamanho justo, de forma clara e breve.  Não ser infiel à sua ideia para agradar uma plateia inexperiente.

Clareza é sempre um objetivo a ser perseguido e pode ser conquistada pelo comprometimento com a ideia da obra, mas nunca por querer agradar ao público.

Schoenberg, 2008, dá conselhos em relação à composição musical, que podem ser úteis ao criar-se delas analogias para a composição cênica:

Escutar ou ler a melodia e a harmonia várias vezes e separadamente para não se enganar com o que é dito.

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Analisar os elementos envolvidos para ver se são condizentes com a proposta, se existem “segmentos vazios sem conteúdo real, sem significância melódica ou movimento rítmico e mesmo sem alteração harmônica”. (SCHOENBERG, 2008; p146)

Eliminar o supérfluo. Aqui ele se refere aos excessos de ornamentações. Excessos de contrastes, floreios e mudanças de registros podem desequilibrar a obra ao invés de contribuir.

Evitar Monotonia. O compositor deve entender como utilizar a repetição para que ela seja uma ênfase e não uma monotonia, além de observar atentamente a linha dramatúrgica da obra: Ver se o clímax está no lugar certo, se é superado, se há mais de um clímax, e orquestrar bem os crescentes e quedas das texturas e da linearidade da obra. Principalmente os finais de frases.

Observar a linha do baixo. A linha do baixo na composição musical é como uma “segunda melodia” na obra musical, e assim como a primeira melodia deve ser analisada e trabalhada, a segunda merece cuidado igual.

Fazer muitos esboços. “Realizar esboços é um caminho humilde e modesto em direção à perfeição” (SCHOENBERG, 2008; p147). Um principiante que sabe ainda não ter atingido sua maturidade artística não deve ter medo de tentar, e considerará tudo o que escreve como tentativa para, mais tarde, encontrar sua forma de compor.

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