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Composição Literária do Apocalipse de João

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1.2 GÊNERO LITERÁRIO E A ESPERANÇA SOCIAL EM MOVIMENTO

1.2.4 Composição Literária do Apocalipse de João

No Apocalipse de João e também nos textos neotestamentários, as visões e narrativas de ordem apocalípticas são adequadas de forma sistemática, para entender suas dinâmicas é preciso categorizá-la.

Sendo assim, todo gênero literário pode ser identificados a partir de suas características que o distingue, para tal apresentamos uma breve organização do gênero apocalíptico no novo testamento, com o interesse de conceituar melhor o nosso foco investigativo.

Faremos uma breve organização do gênero literário dos apocalipses presentes no Novo Testamento:

Apocalipses nos Sinóticos (Mc 13; Mt 24s; Lc 21s): 1 – Ordem apocalíptica de acontecimentos

2 – Vaticínios sobre a proximidade do fim 3 – Exortação à vigilância

Apocalipse de João (Ap 1-21): 1 – Cartas (cap. 1,22 e 2-3) 2 – Relatos de visões (cap. 1-3) 3 – Visão do Trono (cap. 4-22)

4 – Sequência apocalíptica dos acontecimentos (cap. 6-16) 5 – Diálogos reveladores (cap. 7 e 17)

6 – Relato sobre os mártires (cap. 11,3-13) 7 – Descrições de guerras (cap. 16, 19 e 20)

8 – Descrição das duas cidades opostas (cap. 18-21) 9 – Lamento sobre a cidade destruída (cap. 18) 10 – ekphrasis da sequência de eras (cap. 20-21) 11 – descrição da Jerusalém escatológica (cap. 21)

Com base em toda a definição acima, podemos constatar que o molde do livro de apocalipse, onde o “êxtase visionário” (VIELHAUER, 2005, p. 525) é descrito apresentando seu caráter epistolar (Ap 1,4-5) e portanto, foi redigido em forma de carta geral para comunidades cristãs da Ásia Menor.

Com tal característica o seu prólogo aponta para uma construção em forma de carta apostólica enviada as sete igrejas da Ásia e seu epilogo é próprio de um conclusão epistolar (Ap 22,21) enfatizando mais ainda a posição de Vielhauer sobre o caráter do livro.

Além disso, ao analisar as variantes inseridas no grande bloco apocalíptico, observamos na perícope uma visão holística, pela inserção no bloco de “diálogos reveladores”, este realizado através de jornada celestial onde os céus se abrem de fato para o visionário. Possuindo informações oferecidas pelo intermediário, buscaremos analisar esta cena, seus detalhes deste acontecimento apocalíptico.

Em se tratando do imaginário cristão, “o livro do Apocalipse se destaca por permitir acesso a crenças e imagens do cristianismo primitivo de forma inédita” (NOGUEIRA, 2005, p. 28), ele nos aproxima da forma como as comunidades concebiam sua vida religiosa.

Para tal, Pablo Richard (1996, p. 16) enquadra o texto no bloco de “visão profética da história”, pois a história não se dissocia, em nenhum momento, das

imagens comuns dos cristãos, pelo contrário, elas revelam facetas históricas de forma diferenciada.

Dessa forma, o sentido figurado da visão é a porta de entrada para as perspectivas históricas do contexto social cristão, pois é a “figura que representa diretamente os próprios acontecimentos, ou figura que descreve os acontecimentos indiretamente, na forma de símbolos e alegorias” (VIELHAUER, 2005, p. 516).

Na abordagem histórico-figurada, vamos analisar algumas passagens do livro do Apocalipse, para nos ambientar do contexto que cerca nosso recorte textual, sendo assim, nos permitiremos transitar em outros ambientes do livro no intuito de desenvolver uma lógica argumentativa para a perícopes em questão.

Portanto, a compreensão de tempo na literatura apocalíptica é transitória, entra em diversos domínios temporais ambíguos, Rowland (1982, p. 420) deixa entendido que o presente é a perspectiva do visionário pelo “the result of the triumph of the Lamb, to the present situation of the visionary”.

Um fator fundamental para os apocalipses, é a concepção do céu, não somente a visão propriamente dita, mas a forma como o céu e visto, em seus detalhes, os seres, objetos e imagens que configuram a visão do céus, para estabelecer uma imagem estruturada “os capítulos 4 e 5 são uma impressionante reconstrução do céu” (RICHARD, 1996, p. 117), possuidora de identidade céu-terra:

O céu aberto é descrito por meio de duas visões, através da segunda experiência visionária de João com a apresentação de uma visão inaugural do céu (4-5), a partir da qual se desenvolve a sequência de julgamentos das três séries de pragas escatológicas: selos, trombetas e taças (6-16). (ADRIANO FILHO, 1999, p. 20)

Portanto, os capítulos 4 e 5 são pragmáticos no que se refere a descrição do que representa o notado por Nogueira (1999, p. 47), afirmando que “aqui a visão ganha qualidade, pois é a primeira vez que se vê a porta de céu aberta e que João recebe o convite para subir”, adentrar o espaço celestial, se ausentando da terra e transcendendo ao ambiente que possui as respostas para tudo.

Mais adiante, um bloco literário chama atenção (Ap 6,1;8,1), onde a perícope analisada se insere, “contém este bloco o ciclo das visões dos sete selos” (BRAKEMEIER, 1984, p. 74), selos estes que representam questões futurísticas, sabedoria dos fatos que ainda não ocorreram.

A imagem do Trono, que retrata Deus; também o cristo ressurreto, representado na figura teriomórfica do cordeiro, possuem função relevante diante dos

selos, visto que “o livro selado com os 7 selos que estão na mão direita de Deus, e Jesus ressuscitado que é digno de tomar o livro e abrir os seus 7 selos” (RICHARD, 1996, p. 119).

Importante relembrar, que não estamos somente lidando com questões transcendentais, “João, nesta parte dos 7 selos, nos dá uma visão e uma interpretação profética e apocalíptica da história” (RICHARD, 1996, p. 121), e as ações que se seguem fazem parte das perspectivas cristãs.

O cordeiro, possuidor do poder de abrir os selos, emprega uma sequência de aberturas que só será interrompida “entre a abertura do sexto e sétimo selo” (BRAKEMEIER, 1984, p. 74), onde se apresenta um intervalo da ação Ap 7,1-17, este demonstrado por um diálogo libertador.

Portanto, na análise de Richard (1996, p. 131), “o que acontece no céu tem dois momentos: um momento atual litúrgico (7,9-15a) e um momento futuro utópico (7,15b-17)”, em análise do atual litúrgico se apresenta o céu com sua glória.

Os elementos que compõem o céu estão fixados, pois o determinismo presente no absoluto dá a entender que “toda a história do mundo transcorre de acordo com o plano fixado por Deus” (VIELHAUER, 2005, p. 520). Nada foge de sua sabedoria, registrada no livro e selada até o momento que será revelado ao visionário.

O que Cohn (1996, p. 217) também destaca deste contexto é a ideia determinista dos selos do cordeiro, pois aparenta que “o futuro já está determinado; na verdade, seu curso já está inscrito em um livro celestial” e portanto os fatos que irão ocorrer não são novidade para Deus, o cordeiro e o visionário, consequentemente, para a comunidade que preserva esses escritos.

Portanto, não há possibilidade de transformar aquilo que está registrado, “mudanças da vontade de Deus, como acontece nos profetas, não estão previstas” (VIELHAUER, 2005, p. 520), pois no Israel do VIII Séc. havia chance de escapar do “dia de Jave”, já agora, o estabelecido e revelado pelo cordeiro acontecerá de modo inevitável:

O leitor dos sete selos fica sabendo que todos os eventos terríveis do passado e do presente demonstram que Cristo reina e que os mártires estão protegidos em suas mãos. (KOESTER, 2005b, p. 273)

Os Mártires, figuras importantes nos apocalispes, são introduzidos na visão de forma a demonstrar sua importância, “o aspecto extraordinário aqui é que no céu

os mártires estão vivos” (RICHARD, 1996, p. 125), fator oposto ao vivenciado em terra, eles se apresentam como vitoriosos e não mais como perseguidos.

A ênfase sobre os mártires está em diversos versículos, eles aparecem como aqueles que ‘venceram a Besta’ e entoaram o ‘cântico de Moisés’ e o ‘cântico do Cordeiro’ (Ap 15,2-4). A liturgia dos mártires aparece também em Ap 19,1-4, neste texto, tudo o que passou na vida física dos mártires será revertido em benefício, pois os mesmo no futuro reinarão sobre a terra (Ap 20,4-6).

Imediatamente antes da nossa perícopes, encontramos os “selados” (esfragismenôn) Ap 7,4-8 estes contados como 144 mil de todas as tribos de Israel, que para Richard (1996, p. 130) “não resta dúvida que a figura das tribos de Israel é um símbolo e o número indica perfeição”, pois a menção que é feita “trata-se do Povo de Deus completo, perfeito, organizado” (RICHARD, 1996, p. 130).

Embora, seja importante supor que esta parte do texto, apresentada por Vielhauer (2005, p. 528) como a “teoria dos fragmentos, segundo a qual, em muitas passagens, o apocalíptico não teria trabalhado livremente, antes teria usado fragmentos mais antigos e/ou tradições fixas”, levando a acreditar que “tais fragmentos usados seriam 7.1-8” e portanto a expressão dos salvos das tribos de Israel já fazia parte da literatura fragmentada:

No que diz respeito às intercalações (7,1-17;10,1-11,14;12,1-14,20), ainda que elas possam interromper a narrativa, não comprometem o desenvolvimento do livro. Em 7,1-8 são selados na terra os 144.000 servos de Deus e 7,9-17 mostra uma multidão de mártires cristãos no céu. Estas duas perícopes estão relacionadas com o quinto selo (6,9-11), onde os mártires em oração pedem a Deus que vingue o sangue deles dos que moram sobre a terra. (ADRIANO FILHO, 1999, p. 18)

A sustentação da experiência estática encontra-se a visão do trono, esta é considerada o “ponto mais alto dessas viagens” (VIELHAUER, 2005, p. 517), pois situa-se no centro da visão, os demais seres e objetos estão em torno do trono.

Portanto, Nogueira (2005, p. 34) vai concluir que “o fato das visões do final dos tempos acontecer após sua ascensão aos céus e a contemplação do culto diante do trono de Deus não é mero capricho literário” mas a convicção de que Deus é o rei que verdadeiramente deve ser adorado.

Em razão do imperador romano, há certa comparação de Deus com o monarca, através da imagem da visão do trono, pois “parece que esta imagem, a de monarca, domina o rosto de Deus no Apocalipse” (NOGUEIRA, 1999, p. 49) e não era

para ser diferente, já que o que se tinha por oposição principal entre os cristãos e o líder de Roma era o culto ao imperador.

A esperança da salvação é o tema central do apocalipse, “the Greek word VǀWƝULDPHDQVWKHWRWDOZHOO-being of people. 6ǀWƝULD VDOYDWLRQ LVIRXQGLQ5HYHODWLRQ only in hymnic passages that refer to eschatological, final salvation” (SCHÜSSLER FIORENZA, 1981, p. 68). Entendemos, portanto, que a salvação é alcançada pelos que a busca somente quando eles se encontrarem no final da história.

Verifica-se também, que para alcançar a salvação, é necessário ter algumas características. Talvez possamos pensar que elas estavam exclusivamente relacionadas à moral humana ou na integridade de caráter das pessoas, entretanto, por meio da interpretação de Malina (1995, p. 110), compreendemos que “worthiness thus is not a moral reference but a status reference. This means that worthiness derives not from being good or from doing something good, but from social rank or from social standing within a community”.

Analisando por estas questões, podemos inferir que o gênero literário é designado para promover a permanência da comunidade cristã perseguida, isso se dá de forma dinâmica, a permitir um movimento de resistência adaptativo.

O fato do livro poder circular, com a ajuda de personagens itinerantes, entre diversas comunidades cristãs, difundindo uma identidade à fortalecer os aspectos emocionais e espirituais das pessoas, nos permite propor uma dinâmica fluente das construções simbólicas representativas.

Grupos em movimento, desenvolvem suas práticas e sua organização social deslocados dos padrões vigentes, evidenciando suas transformações pessoais através de atitudes humanizadas, onde seus sistemas econômicos promovam novas perspectivas a grupos e comunidades à margem da lógica social vigente.

Quando há um apoio mútuo e contínuo entre integrantes do mesmo grupo forma-se uma caracterização de comunidade que realiza sua produção baseada na mutualidade e na divisão do produto do trabalho.

Assim, faremos um levantamento dos sistemas de organização como meio de produzir políticas agregadoras, com organização diferenciada e factível, onde a realidade pode ser compartilhada entre diferentes comunidades através da cultura e das representações difundidas coletivamente.

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