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Crítica Textual de Ap 7,9-12

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1.2 GÊNERO LITERÁRIO E A ESPERANÇA SOCIAL EM MOVIMENTO

1.2.1 Crítica Textual de Ap 7,9-12

A tradução livre e autoral será utilizada para análise e argumentação da perícope no decorrer da dissertação. Isto posto, segue a primeira parte da perícope:

9Após ver isto, eu vi imensa multidão, que ninguém é capaz de contar, de

toda etnia, tribo, pessoas e línguas, em pé diante do trono e diante do cordeiro, vestindo estolas brilhantes com ramos de palmeiras em suas mãos

10Gritaram em alta voz: “A salvação é por nosso Deus, sentado sobre o trono,

e pelo cordeiro” 11E ao redor do trono, dos anciãos e dos quatro animais,

todos os anjos, que estavam em pé, prostraram-se sobre sua face e adoraram a Deus 12Dizendo: “Amém, o benefício, a glória, a sabedoria, a eucaristia, a

reverência, o poder e a força ao nosso Deus pela eternidade da eternidade, Amém”2

Sabendo que há diversas diferenças nas fontes de pesquisa, desde uma subtração de determinada letra até palavras diferentes, serão levantadas aqui as principais divergências textuais encontradas. Como base, utilizamos o texto de Nestle-

2As traduções oficiais apresentam poucas variantes textuais, verso 10 tanto a Revista e Atualizada

quanto a Bíblia de Jerusalém utiliza-se do substantivo “pertence”, enquanto a TEB não o insere, preferindo se aproximar escrita grega, que não possui tal substantivo. No verso 11 vemos duas variantes textuais, a primeira está nas expressões utilizadas para designar as quatro criaturas celestes, na TEB temos o termo “animais” que se aproxima do texto grego. Ainda no verso 11, a segunda variante se apresenta no modo como os anjos se prostram diante do trono de Deus, a Bíblia de Jerusalém omite esse trecho, mas a Revista e Atualizada traduziu por “sobre seu rosto” trazendo um sentido mais apropriado para a expressão. Por fim, o verso 12, tanto na Revista e Atualizada quanto na TEB, se aproximando da gramática grega, valem-se do termo “ao” para referir-se a Deus e trazer a ideia d direção.

Aland3 aplicado aos códices: Sinaítico representado por e também o códice

Alexandrino representado pelo

A

.

O verso 9

A

não possui a expressão ‘e vi’ (kai idu); figuras simbólicas são identificadas, a ‘visão do trono’, que será amplamente debatida, e as visões definidas por Ferreira (2012, p. 14) como a “teriomorfia (forma de animal): cordeiro” e as vestes da grande multidão “Cromático: branco = transcendência”. O que estes portavam eram “as palmas em suas mãos são sinais de vitória” (RICHARD, 1996, p. 132).

Nos códices

A

encontramos a partir do verso 10 o surgimento do ‘nomina sacra’, a prática dos primeiros manuscritos em abreviar determinadas palavras, para nome ‘Deus’ (theós) são apresentadas as seguintes variações ʣ, ʣ ou ʣ, e para o nome ‘Senhor’ (kúrios) temos ʥ como abreviação.

Na leitura do verso 10, duas variantes em , a subtração de ‘sentado sobre o trono’ (tô katêménô) e o acréscimo da expressão litúrgica ‘pelos séculos dos séculos, Amém’ (eis tus aiônas tôn aiônôn amê), essa mesma expressão litúrgica aparecerá novamente no verso 12 em todas as cópias. Continuando ainda no verso 10, “O verbo ‘gritar’ (krazo) é forte: lembra o clamor (kraugé) dos israelitas oprimidos no Egito antes do Êxodo” (RICHARD, 1996, p. 125), portanto entende-se que esta multidão grita justiça e vingança:

O verbo vingar (ek-dikeo) aparece no Apocalipse somente aqui, em 6,10, e em 19,2, onde os mártires no céu cantam que Deus julgou Roma, a grande meretriz, e assim vingou nela o sangue dos seus servos. (RICHARD, 1996, p. 126)

O códice

A

subtrai a expressão ‘a sabedoria’ (hê sofía) localizada no verso 12, quando o texto irá descrever as características daquilo que é atribuído em forma de hino ao que Deus assentado no trono.

Os elementos textuais presentes nos códices, que constam no aparato crítico e no texto grego assumido por Nestle-Aland, nos aproximam das questões literárias, da historiografia das tradições e das condições onde os redatores da literatura apocalíptica geralmente escreviam seus livros.

Conforme as tradições, a escrita dava-se através de pseudônimos, pois livros como o de Enoch, Baruch e Daniel, revelaram-se exemplos de redação feita através da pseudoepigrafia. Mesmo assim, após análise do livro de apocalipse, não encontramos a necessidade de desqualificar a autoria do João de Patmos.

Concordando com Koester (2005b, p. 268) podemos afirmar que “o Apocalipse de João não é pseudo-epigráfico e também não situa suas visões em lugares fictícios”, pois espaço e autoria estão bem definidos nas descrições iniciais presentes no livro (Ap 1,1.9).

Assim, a autoria da obra foge ao comum daquilo que representava o escritor, pois “provavelmente seu autor chamava-se de fato João. Nesse sentido, o Apocalipse não é um escrito pseudoepígrafo, algo atípico entre apocalipses” (BERLEJUNG, 2011, p. 112), temos poucas informações sobre o escritor, mas é importante entender que “o autor era um bom conhecedor dos textos do AT e de outros textos apocalípticos paralelos e fez bom uso deles” (LEITE, 2006, p. 5).

O contraponto levantado está na identidade de João, que por muito é entendido como o apóstolo, contudo Koester (2005b, p. 268) afirma:

Não podemos identificá-lo com o autor do Evangelho de João nem das cartas joaninas. A linguagem, a terminologia e os estilos da argumentação teológica são completamente diferentes. Enquanto o autor do Evangelho de João pertence à área da Síria e da Palestina, o profeta do Livro do Apocalipse possuía bom conhecimento das igrejas localizadas a oeste da Ásia Menor às quais endereçou sua obra.

É possível considerar que seu redator possa ter sido ‘João de Éfeso’, líder das igrejas do ocidente da Ásia Menor com sede em Éfeso, ele foi citado por Eusébio e Clemente de Alexandria, mesmo que discretamente. Assim tudo indica que o João do apocalipse não seja o apóstolo de Jesus, mas outra figura que foi relevante em seu tempo.

Conquanto, devemos inferir que as possibilidades de identificar o João do Apocalipse histórico são muito baixas. Observando o contexto em que se apresenta o livro, com informações codificadas que circulavam em igrejas circunvizinhas Cohn (1996, p. 276) considerava que “o mais provável é que o João em apreço fosse um profeta itinerante, talvez um carismático semelhante aos profetas que, pouco antes na Síria-Palestina, haviam escrito Q e Marcos”.

Levando todos argumentos em consideração, partilhamos do pensamento de Vielhauer (2005, p.530). Ele sustenta plenamente que “certamente se trata de João de Éfeso, e nada tem a ver com o ‘círculo joanino’”, colocando por certo este tema controverso e polêmico entre os demais estudiosos.

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