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O compromisso ético na pesquisa considerando as diferentes realidades do Brasil e de Portugal

CAPÍTULO 2. BASES TEÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DO TRÁFICO DE PESSOAS E DE SEU ENFRENTAMENTO

3.4 O compromisso ético na pesquisa considerando as diferentes realidades do Brasil e de Portugal

O fato de a pesquisadora ser comprometida com o seu contexto exigiu sempre desta o deslocamento em busca da objetivação sobre este mesmo contexto. Mesmo quando é participante do mesmo mundo que irá pesquisar, a inserção nele, como pesquisadora, de pronto, causa-lhe estranhamento. Os aportes teóricos e a orientação metodológica se constituem em provocações sobre o que era antes mirado sob o olhar político-militante. Não significa que este seja menos importante. Pelo contrário, é a base do início do projeto de pesquisa. No entanto, esse conhecimento prévio é colocado em evidência exatamente para ser confrontado com o conhecimento científico e, dialeticamente, constituir-se em um novo conhecimento político-científico.

Ao deslocar-se para o contexto da pesquisa, não significa apartar-se de si, significa utilizar-se de instrumentos que apoiem a pesquisadora a olhar a realidade com outras miradas, é a decisão epistemológica de movimento de si até o outro. Como afirma Gadamer (1999: 455), “nós temos que levar a nós mesmos até essa outra situação. Somente assim se satisfaz o sentido de deslocar-se”.

O pesquisador é um ser social e, portanto, marca e é marcado pelo contexto em que vive. Sua inserção no campo de investigação significa, de fato, sua imersão em outra realidade para dela fazer parte. Bakhtin (1997) registra que é deste lugar em que se encontra que olha, observa e avalia a nova realidade. É sua vivência que vai ampliando seu olhar e vai lhe impondo novas perguntas com a finalidade de compreender mais profundamente o que observa e interage consigo. A alteridade exercitada pela pesquisadora é um permanente devir e, assim, é constituída pelo que era antes da pesquisa, pelo movimento e pelo que está se construindo. A autora tem, neste caso, os limites de focar o objeto de pesquisa e, ao mesmo tempo, a amplitude do processo histórico do ser social.

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que o outro sujeito explicita, pois há conhecimentos que só a vivência é capaz de fazer emergir da realidade, considera-se que a determinação de respeitar o outro, a partir dele mesmo, é um grande desafio ético em permanente vigilância.

A pesquisa ética, em primeiro lugar, considera o pesquisador como integrante desta, ou seja, está composta pela responsabilidade com que se dirige a realidade e reconhece a assimetria que está colocada – entre pesquisador e objeto de pesquisa - independentemente do seu desejo de considerar os demais sujeitos da pesquisa como participantes. Por isso, o pensamento tornado escrito é a representação de alguém singular, sobre e em um contexto e, portanto, responsável por esse pensamento que, sabidamente é a aproximação com o real. É esse posicionamento de reconhecer que se está “em face dos outros num contexto real e concreto, torna o pensamento um ato, eis o que torna possível um pensamento ético” (Amorim, 2007: 16).

Dado que o pesquisador tem acesso diferenciado a conhecimentos e técnicas que lhe permitem olhar a realidade com afastamentos e aproximações, reconhecer-se em relações de poder é uma postura ética. Não significa parar a pesquisa para enfrentar as assimetrias, mas, ao reconhecê-las, torná-las evidentes, “pois os mecanismos de desigualdade e de dissimetria na sociedade são muito mais amplos e problemáticos e estão presentes em todas as relações” (Minayo, 2010: 212).

A pesquisa ética trabalha com a perspectiva sujeito-sujeito numa relação dialógica, ou seja, considera que, embora seja indiscutível a relação de poder entre o pesquisador e o pesquisado, ao dirigir-se ao outro, mesmo considerando-se que é um texto, este está repleto de significados aportados pela ação humana. É, portanto, encontro de dois sujeitos, de dois autores. Neste caso, a pesquisa muda a realidade na medida em que os sujeitos se influenciam e se cambiam no processo. Mesmo o documento, que está fixado no seu texto objetivo passa, a partir do exercício de aproximação do contexto e incessante objetivação, a expressar novos significados antes não observados. A essência humana, que é a ação humana que transforma a realidade, muda os sujeitos e seus significados.

O desafio da pesquisa ética, segundo Bakhtin (1997: 31) é a compreensão do que está visível, na busca da essência, com alteridade. Significa que as fontes de pesquisa - independentemente se são pessoas, grupos ou documentos - têm, em si, o contexto criador e ao pesquisador é exigido que olhe a partir do contexto. A alteridade é mergulhar no contexto e, a partir dele, compreender a fonte, ou seja, “servir-se de uma fonte pressupõe que se tenha compreendido seu princípio produtor”.

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O exercício radical da alteridade, do respeito às fontes de pesquisa é considerá-las como possibilidade de revelar novas realidades e interagir com o pesquisador. Por isso, a fonte deixa de constituir-se apenas como “reservatório de dados, [...] mas também para descobrir questões, surpreendentes sob alguns aspectos, mas, geralmente, mais pertinentes e mais adequadas do que aquelas que ele se colocava no início” (Deslauriers e Kérisit, 2012: 148).

A pesquisa ética está pautada pelo compromisso social que é sempre definido pela capacidade de trazer luz sobre uma realidade, buscando a sua essência para além do que está visível e proporcionando as condições para que a sociedade enfrente seus problemas com mais instrumentos de análise. A pesquisa ética requer que a função social da pesquisa esteja inscrita para além da repetição de técnicas e procedimentos que somente servem à academia para seus títulos e construção de conhecimentos herméticos. É preciso romper com “a produção do conhecimento fabricado segundo um padrão, optando por um caminho que denuncie a repetição mecânica de certos procedimentos teórico-metodológicos” (Freitas, Souza e Kramer, 2003: 7).

O compromisso ético da pesquisa, nos moldes propostos nesta tese, requer também que o pesquisador assuma a postura de anunciar as mudanças necessárias, afastando-se do relativismo e da justificação sócio-histórica dos problemas sociais. Conforme afirma Amorim (2007), grande parte das reivindicações libertárias foram assimiladas pelo capitalismo e tudo passou a ser relativizado. Essa postura que a tudo relativiza e em que as diferenças se justificam não aprofunda a crítica sobre as reais motivações das diferenças. O autor ainda denuncia que “o elogio da diferença torna-se assim, paradoxalmente, o elogio da indiferença” (Amorim, 2007: 24).

Corroborando com a postura ético-política da pesquisa em Serviço Social e, portanto, mantendo os mesmos preceitos quanto aos aspectos técnico-operacionais, o projeto desta tese foi apresentado ao Comitê Científico do ISCTE-IUL, obtendo parecer favorável ao seu desenvolvimento e incorporando, naquilo que coube, as sugestões dos pareceristas.

Tendo em vista a pesquisa ser de base documental, não prevendo nenhum dano psíquico ou moral às pessoas ou às instituições, foi dispensado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como a autorização de acesso a dados primários. Todas as fontes documentais, estando disponíveis em websites oficiais, foram acessadas livremente sem necessidade de autorização prévia.

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por meio eletrônico e dos artigos científicos produzidos a partir dela, pelo prazo de três anos, cumprindo assim um importante compromisso de devolutiva à sociedade dos resultados desta investigação.