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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 COMUNICAÇÃO E INTENCIONALIDADE

Diversos pesquisadores propuseram conceituar o termo ‘jogo’, seja direcionando a argumentação para sua prática, o ato de jogar ou a brincadeira (Huizinga, 1971; Sutton-Smith, 1997), ou o que contextualiza o ato, o jogo em si (Rollings & Adams, 2003; Salen & Zimmerman, 2004).

Os conceitos propostos, sob o trabalho de compilação e revisão realizado por Frasca (2007), foram redefinidos dentro de duas categorias indissociáveis: o ‘Ato de Jogar’ e o ‘Jogo como Forma’.

A respeito do ato de jogar, Frasca afirma que “jogar é, para alguém, uma atividade atrativa em que o jogador acredita ter participação ativa. Essa atividade é interpretada como restrições a um conjunto de cenários prováveis em um futuro imediato, os quais o jogador está disposto a tolerar.” (Frasca, 2007) pg. 50 e apresenta que “um jogo é uma forma do jogar onde jogadores concordam com um sistema de regras que atribuem estados sociais às suas realizações quantificadas” (Frasca, 2007) pg. 70.

Por ser considerado um ato, principalmente por ser percebido por ‘alguém’, subjetividade é um conceito a ser aplicado tanto a jogadores quanto a observadores externos, significando algo a ser comunicado, assim como Murray (1998) propõe a respeito de jogos como elementos de comunicação, tendo respaldo na proposta de retórica procedimental (Bogost, 2007).

A intenção principal de um jornalista é transmitir uma informação ou uma mensagem. O contador de histórias utiliza a mensagem como um envelope e intencionalmente acrescenta a evocação de sentimentos ou emoções a se manifestarem no leitor, prática que o game designer também deseja. Mas as características de jogos pedem por um processo controlado de revelação ou entrega da mensagem por meio de ações de interatividade voluntárias realizadas pelo jogador.

Para descrever tal processo recorremos a conceitos da área de comunicação, mais especificamente à intencionalidade (Searle, 1983), um conceito que descreve a composição de

um conjunto de estados mentais, tais como desejos, crenças e vontades, os quais o indivíduo pode ter consciência ou não, que se correlacionam no que é denominado rede de intencionalidade, como uma estrutura de grafo.

Tal conceito representa a interpretação da realidade de alguém. Os estados mentais são satisfeitos, ou seja, tornam-se logicamente válidos para o indivíduo, por meio dos denominados atos intencionais, que podem assumir caráter voluntário ou involuntário e são independentes das habilidades do indivíduo, apenas os resultados dos atos bastam para garantir a satisfação ou não dos respectivos estados mentais.

Esse conceito se manifesta no game designer momentos antes da ciência do desejo de criar um jogo. No jogador ele é manifestado no momento em que ele deseja jogar um jogo. Ambas possuem uma correlação; é responsabilidade do designer oferecer algo que promova a manifestação de tal intencionalidade no jogador, ou ao menos um subconjunto variante dela, como o conceito popular de intencionalidade (CPI) (Malle & Knobe, 1997) (Fig. 1), caracterizado por um conjunto de desejos ou crenças, mas sem a rede de intencionalidade definida no conceito formal. A satisfação do CPI depende da ciência de tais desejos e da crença na habilidade de realiza-los.

Figura 1: O conceito popular de intencionalidade difere de sua contraparte formal. Fonte: (Malle & Knobe, 1997), pg. 112.

Dessa maneira é possível afirmar que a intencionalidade do designer de jogos consiste em manifestar, no jogador, o CPI, o qual é satisfeito ao se superar os desafios projetados, comunicados considerando o conjunto de habilidades do jogador.

A intencionalidade do designer de jogos é satisfeita pela união dos atos de entrega do jogo como objeto e pela aceitação do jogo, por meio do ato de jogar, pelo público.

meio, para transmitir a CPI, responsável por revelar as mensagens e evocar sentimentos ou emoções no jogador por meio de ações voluntárias, um processo que se relaciona com o conceito de atos ilocucionários.

Atos ilocucionários são elementos atômicos da área de comunicação (Searle & Vanderveken, 1985); eles consistem em um conceito mais abstrato e mais amplo do que os propostos na área, agregando os conceitos de atos de fala (Searle, 1969), intencionalidade (Searle, 1983) e expressão e significado (Searle, 1985), apresentando um conjunto próprio de regras lógicas para a validação dos artefatos construídos com eles.

Um ato ilocucionário ocorre quando um orador emite um enunciado com um valor proposicional para pelo menos um ouvinte. Tal enunciado ocorre dentro de um tempo e lugar. Seu valor proposicional é válido no universo de interpretação do orador, mesmo que a proposição atrelada ao enunciado não seja verdadeira, o enunciado pode assumir uma validade considerando os componentes do ato ilocucionário.

Enunciados podem assumir a forma de afirmações, de modo a validar a interpretação no universo de interpretação do ouvinte, compor outros enunciados ou refutar um enunciado ou valor no universo de interpretação do ouvinte. Eles também podem assumir a forma de ordens a ser executada pelo ouvinte dentro do universo de interpretação do orador. O contexto que define as formas do enunciado é denominado de ‘força ilocucionária’.

Nesse contexto os processos que regulamentam a lógica ilocucionária são compostos por 6 elementos: orador, ouvinte, tempo, local, universo de interpretação do orador e universo de interpretação do ouvinte. O ato ilocucionário, envolto pela força ilocucionária, tem a intenção de moldar o universo de interpretações do ouvinte.

Um resultado de um ato ilocucionário é considerado válido quando o universo de interpretação do ouvinte, após o ato, apresenta correlações com o universo de interpretação do orador, levando em conta o momento (tempo) e o local onde o ato ilocucionário foi realizado. Essa dinâmica é ilustrada na figura 2.

Nessa ilustração o orador (mulher), portando seu universo de interpretação (balão ciano com pontos), emite um enunciado em um determinado tempo (t) envolto em forças ilocucionárias (adicione pontos, remova vermelho, adicione azul) com a intenção de modificar ou acrescentar o universo de interpretação do ouvinte (homem), mudando esse universo de um balão amarelo vazio para o balão ciano com pontos. O ouvinte, em um tempo futuro (t+n) após o enunciado, muda sua compreensão de mundo para se relacionar mais aproximadamente com o do orador. Ele ainda pode manter aspectos de sua própria compreensão passada, mas esse processo indica um ato ilocucionário bem-sucedido de acordo com a lógica ilocucionária.

Além de definir o sucesso de um ato ilocucionário, a lógica ilocucionária também apresenta outros conceitos a respeito dos atos ilocucionários: se eles são ou não válidos, seus pontos ilocucionários e seu grau de força. Esses conceitos apresentam validade no processo de game design; sua exploração é encorajada, mas sua contribuição se relaciona à especificidade do contexto do projeto e toma importância apenas tangencial nesse estudo.

Uma discussão pode ser considerada um processo dinâmico levado por pelo menos duas pessoas. As pessoas alternam os papéis como orador e ouvinte, emitindo enunciados ou provendo confirmações ou objeções dentro de um conjunto ordenado de atos ilocucionários, como ilustrado na Fig. 3.

Figura 3: Uma discussão ou diálogo como um conjunto de atos ilocucionários consecutivos com participantes alternando os papéis. Fonte: O autor.

Ao considerarmos um jogo como um substituto para um dos participantes, esse conceito pode ser aplicado a ele. O jogador responde a um contexto enunciado pelo jogo. A resposta do jogador, uma forma de enunciado, é processada de acordo com regras projetadas e respondida com um novo estado de jogo, um novo enunciado, reiniciando o ciclo. Esse processo pode ser considerado um mecanismo contextual, orquestrado por uma retórica procedimental (Bogost, 2007).

Logo, a representação de jogos deve considerar ambas as interpretações: a) a do designer, com suas intenções e b) a dos jogadores, com os desejos e crenças deles. Tal processo deve levar subjetividade em consideração, fundamentando-se em um grande conjunto de dados para prover informação mais precisa, conceitos não considerados por muitas propostas.

Atos ilocucionários e sua respectiva lógica se relacionam à uma estrutura de representação. Uma intenção pode mudar o significado de uma palavra ou de uma frase. Isso também se aplica quando se usa um objeto ou um conceito, que possui um comportamento ou significado inerente, para um propósito diferente do qual ele fora inicialmente proposto. Isso deve ser levado em conta quando se avalia componentes que compõe jogos.