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2. ÔNUS DA PROVA: ASPECTOS GERAIS

2.3. Conceito de ônus da prova

Dentre os diversos ônus existentes no âmbito do processo (ônus de afirmar, ônus de contestar, ônus de requerer a produção da prova, entre outros), destaca-se o ônus da prova.

Assim como o ônus, o instituto processual do ônus da prova apresenta diversas definições53. A partir das considerações tecidas a respeito do ônus, formulamos o seguinte conceito de ônus da prova: ônus da prova é a subordinação do interesse próprio

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CAMBI, Eduardo, A prova civil: admissibilidade e relevância, p. 315.

53“Ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos

fatos de seu próprio interesse para as decisões a serem proferidas no processo” (DINAMARCO, Cândido

Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, vol. 3, p. 71); “Esse ônus consiste na conduta processual

exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz” (THEODORO

JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil – teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, p. 462); “Essas noções gerais aplicam-se ao ônus da prova, que pode ser

conceituado como a atribuição, à parte, da incumbência de comprovar determinados fatos que lhe são

favoráveis no processo” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo, Curso avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, p. 484).

da parte em produzir provas ao próprio interesse em obter um resultado processual final favorável.

No entanto, o ônus da prova difere sensivelmente do próprio conceito genérico de ônus. Enquanto que o cumprimento do ônus tem como consequência imediata, para a parte, a obtenção de uma posição de vantagem, o desvencilhamento do ônus da prova não se traduz, necessariamente, em julgamento favorável, assim como, ao revés, a sua não observância não impede um julgamento favorável à parte que detinha o ônus e dele não se desincumbiu54.

Isso porque, ao julgar, o juiz irá analisar todo o conjunto probatório dos autos, independentemente da parte que tenha produzido a prova - nos termos do princípio da aquisição processual ou da comunhão das provas -, e não, simplesmente, quem se desvencilhou do ônus da prova.

Entretanto, o ônus da prova possui uma especificidade em relação à categoria do ônus em sentido geral, porque o seu simples cumprimento não assegura, necessariamente, uma conseqüência favorável; isto é, realizar a prova não é um dado decisivo ou o único meio para conseguir a obtenção da tutela jurisdicional plena. Percebe-se, pois, que não basta à parte produzir a prova (por sinal, é indiferente quem a produz), para que a sua pretensão ou a sua defesa sejam acolhidas, mas é necessário que essa prova realizada, no contexto do conjunto probatório, tenha força persuasiva suficiente para poder convencer o juiz de que as suas alegações são verdadeiras e de que têm razão, merecendo obter a tutela jurisdicional favorável; caso contrário, não haveria sentido a fase de valoração da prova e o magistrado não teria como julgar o dilema de ter de decidir qual das partes tem razão, se ambas provassem os fatos a que estão onerados55.

54 Essa mesma conclusão pode ser obtida em relação a outros ônus processuais, como o ônus de contestar.

Caso a demanda envolva apenas questão de direito, o fato de a parte, regularmente citada, não contestar o feito – não se desincumbir do ônus de apresentar defesa específica – não conduz necessariamente à procedência dos pedidos, pois os efeitos da revelia e da confissão ficta recaem apenas sobre matéria de fato, e não sobre matéria de direito. Exemplo corriqueiro na Justiça do Trabalho se dá em ações de cumprimento, movidas por sindicatos, cujo pedido é a cobrança de contribuições assistenciais, nas quais, em geral, a empresa-ré, regularmente citada, deixa de apresentar contestação. Na maioria dos casos, a despeito da não observância, pelo réu, de seu ônus de contestar, a demanda é julgada improcedente, com base em jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (OJ n. 17 da SDC e Precedente Normativo da SDC n. 119) e do Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 666).

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CAMBI, Eduardo, A prova civil: admissibilidade e relevância, p. 316. Nesse mesmo sentido: “Se a parte a quem competia fazer prova de determinado fato não se desincumbiu satisfatoriamente desse ônus, isto não implica necessariamente que o resultado do processo lhe será desfavorável, seja porque o julgador possui o dever de analisar todos os elementos processuais capazes de contribuir para a formação de seu convencimento, seja porque a prova em questão foi produzida pela parte adversa” (MARECO, Gabriella Dinelly Rabelo, O ônus da prova no direito do trabalho: distribuição dinâmica e inversão, p. 48).

Como decorrência da definição adotada, não concordamos que ônus da prova seja entendido como verdadeiro dever processual56. Aqueles que sustentam tal posição argumentam, em linhas gerais, que, diante do dever de colaboração das partes com a atividade jurisdicional e do interesse da sociedade e do Estado na obtenção da verdade real por meio do processo, a parte que detém o ônus da prova possui verdadeiro dever de produzir prova das alegações dos fatos que lhe incumbe, sob pena de julgamento desfavorável e, até mesmo, imposição de sanções pecuniárias.

No entanto, como destacado, ônus não se confunde com dever, julgamento desfavorável não é pena, a não observância do ônus da prova não traz como consequência imediata o julgamento desfavorável e a imposição de multas pela não produção da prova é questionável, diante da ausência de previsão legal expressa57.

Portanto, ônus da prova não significa dever de provar.

56Nesse sentido: “Assim, ônus da prova significa o dever da parte de fazer prova de suas alegações” (JORGE

NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito processual do trabalho, p. 688); “O ônus da prova, no nosso sentir, é um dever processual que incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito, e ao réu quanto aos fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor que, uma vez não realizado, gera uma situação desfavorável à parte que detinha o ônus e favorável à

parte contrária, na obtenção da pretensão posta em juízo” (SCHIAVI, Mauro, Provas no processo do trabalho, p. 50); “O que se pretende com o onus probandi é definir responsabilidades processuais na

demonstração legal de fatos que precisam vir à luz e cuja veracidade precisa ser evidenciada ou revelada ao juiz. Mas é claro que, se há uma responsabilidade, um encargo, uma incumbência, há, necessariamente, um

dever” (ALMEIDA, Isis de, Manual das provas no processo trabalhista, p. 38); “Onus probandi é o dever de a parte provar em juízo suas alegações para o convencimento do juiz” (MARTINS, Sérgio Pinto, Direito processual do trabalho, p. 321); “Processualmente, o ônus da prova traduz o dever atribuído à parte de

demonstrar que suas alegações são verdadeiras, visando a convencer o destinatário da prova, juiz sobre a

veracidade do fato alegado” (SAKO, Emília Simeão Albino, A prova no processo do trabalho: os meios e o ônus da prova nas relações de emprego e trabalho, p. 27-28).

57“Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um

simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente” (THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil – teoria geral do direito processual

civil e processo de conhecimento, p. 462); “No processo civil dispositivo, em que não é prioritariamente do

Estado-juiz a função de diligenciar e trazer provas ao processo, ao ônus de afirmar fatos segue-se esse outro, de provar as próprias alegações sob pena de elas não serem consideradas verdadeiras. Só não seria assim num imaginável sistema puramente inquisitivo, em que haveria o dever jurídico de buscar e realizar provas, e não os ônus das partes” (DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual

Civil, vol. 3, p. 71); “Trata-se de um típico ônus, tal como concebido pela doutrina, na medida em que a

posição jurídica é voltada para um interesse próprio: tendo a parte a liberdade de produzir a prova, ao deixar de fazê-lo não pratica ato ilícito (a ensejar uma sanção em sentido estrito), mas apenas se sujeita, somente ela, a eventuais conseqüências desfavoráveis em virtude de sua inércia” (YARSHELL, Flávio Luiz, Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova, p. 49).