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3. ÔNUS DA PROVA NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

3.1. A regra do artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e a aplicação subsidiária

3.2.4. Princípio da aptidão para a prova

O princípio da aptidão para a prova é o mais invocado pela doutrina e jurisprudência para fundamentar a inversão judicial do ônus da prova no Direito Processual do Trabalho. Em linhas gerais, a prova de determinada alegação deverá ser produzida pela parte que detenha as melhores condições materiais, financeiras, técnicas, sociais ou informacionais de efetuá-la, independentemente de sua posição na relação jurídica processual e da natureza do fato alegado a ser provado172.

O fundamento para o princípio da aptidão para a prova seria a igualdade substancial dos litigantes no processo. Assim, determinando o juiz trabalhista que a prova seja produzida por aquele que detenha as melhores condições de fazê-lo, no caso concreto, estará sendo aplicado, em última análise, o princípio da igualdade material na relação jurídica processual trabalhista, reequilibrando as partes desiguais173.

Diante do postulado de que a parte que detenha as melhores condições é a que deve produzir a prova de determinada alegação, independentemente de quem o formulou e da natureza do fato, sustenta-se que a aplicação do princípio da aptidão para a prova resulta em verdadeira inversão judicial do ônus da prova. Isso porque, a carga

172“Debe probar el que este en aptitud de hacerlo, independientemente de que será el actor o el demandado”

(Tradução sugerida: “Deve provar aquele que tem aptidão para fazê-lo, independentemente de que seja

autor ou réu”) (PORRAS LOPEZ, Armando, Derecho procesal del trabajo, p. 251); “No campo do

processo do trabalho, isso significa inverter quase sempre o ônus da prova em benefício do empregado, já

que o patrão detém, em geral, os meios de convencer o juiz” (VIANA, Márcio Túlio, Critérios para a inversão do ônus da prova no processo trabalhista, p. 1223); “Significa esse princípio que a prova deverá

ser produzida por aquela parte que a detém ou que tem acesso à mesma, sendo inacessível à parte contrária. Consequentemente, é a que se apresenta como apta a produzi-la judicialmente” (PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 120); “Trata-se, na verdade, da superação da regra do ônus da prova prevista nos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, à luz dos princípios constitucionais do acesso à justiça, contraditório, ampla defesa e igualdade substancial dos litigantes, uma vez que no processo, em determinadas circunstâncias, a prova pode ser produzida com maior facilidade e efetividade por uma parte à qual não detém o ônus da prova” (SCHIAVI, Mauro, Provas no processo do

trabalho, p. 33).

173“O fundamento para a aplicação do princípio da aptidão está na justiça distributiva aliada ao princípio da

igualdade, cabendo a cada parte aquilo que normalmente lhe resulta mais fácil. O critério será o da

proximidade real e de facilidade do acesso às fontes de prova” (PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 123).

probatória deverá ser atribuída pelo magistrado à parte que detenha as melhores condições probatórias, que esteja materialmente apta a superá-la no caso concreto174.

No entanto, assim como no caso do princípio da pré-constituição da prova, não nos parece que o princípio da aptidão para a prova seja fundamento para inversão judicial do ônus da prova. Parece-nos, sim, que representa um dos parâmetros para aplicação da inversão.

Com efeito, o juiz trabalhista não pode inverter o ônus da prova apenas porque a reclamada possui, no caso concreto, as melhores condições materiais, financeiras, técnicas, sociais ou informacionais de produzir a prova necessária ao deslinde do feito (aptidão para a prova). Deve, também, restar configurada a ausência dessas condições por parte do reclamante. Nesse sentido, o fundamento para a inversão não é a aptidão, mas, sim, a hipossuficiência probatória, caracterizada pela falta de condições de uma parte e pela detenção dessas condições pela outra parte175.

De fato, a inversão judicial do ônus da prova não será aplicada apenas porque o empregador detém as melhores condições de produzir a prova, mas, também, porque o trabalhador não possui as mesmas condições176. Note-se a configuração de um quadro de desigualdade material no âmbito da relação jurídica processual, caracterizando a hipossuficiência probatória do trabalhador em face do empregador. Essa sim, a

174“Já o princípio para a aptidão para a prova influenciará na fixação do ônus da prova, em decorrência do

qual esse encargo será atribuído a quem detém o documento ou coisa, prova relevante para a parte contrária. (...) Indiscutivelmente, o princípio será aplicado todas as vezes em que o empregado não puder fazer a prova a não ser por meio de documento ou coisa que a parte contrária detém. Partindo do princípio da boa-fé, que informa a conduta processual dos litigantes, todas as vezes que o documento, por seu conteúdo, for comum às partes, haverá também a inversão do ônus da prova, competindo ao empregador colacioná-lo, sob pena de serem admitidas como verdadeiras as alegações feitas pelo empregado” (PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 120 e 123). Nesse sentido, inclusive, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho: Processo: RR - 107800- 05.2002.5.05.0018; Data de Julgamento: 28/06/2011, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2011.

175 Nesse sentido, Mauro Schiavi: “Também não se trata de inversão do ônus da prova previsto no Código de

Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII), mas de se atribuir simplesmente o ônus da prova à parte que melhor tenha condições de produzi-la”. No entanto, o referido autor equipara o princípio da aptidão para a prova com a teoria dinâmica da prova, o que, no nosso sentir, data venia, não pode ser confundido. Como será analisado, o princípio da aptidão para a prova é um dos fundamentos para a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, não podendo ser com ela equiparada: “O presente princípio, também chamado pela moderna doutrina de teoria dinâmica da prova, determina que deve produzir a prova não quem detenha o ônus processual (arts. 818, da CLT ou 333 do CPC), mas sim quem detenha melhores

condições materiais ou técnicas para produzir a prova em juízo” (Provas no processo do trabalho, p. 33).

176“É evidente que o fato de o réu ter condições de provar a não-existência do fato constitutivo não permite,

por si só, a inversão do ônus da prova. Isso apenas pode acontecer quando as especificidades da situação de direito material, objeto do processo, demonstrarem que não é racional exigir a prova do fato constitutivo, mas sim exigir a prova de que o fato constitutivo não existe. Ou seja, a inversão do ônus da prova é

imperativo de bom senso quando ao autor é impossível, ou muito difícil, provar o fato constitutivo, mas ao réu é viável, ou muito mais fácil, provar a sua inexistência” (MARINONI, Luiz Guilherme, Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto, p. 260).

desigualdade probatória, é que serve de fundamento para a inversão judicial, sendo a aptidão para a prova um dos critérios de aferição.

Portanto, o princípio da aptidão para a prova atua como parâmetro de configuração do estado de hipossuficiência probatória do trabalhador em face do empregador, este, sim, fundamento para a inversão judicial do ônus da prova.