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Distribuição estática, inversão judicial e distribuição dinâmica do ônus da prova:

4. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA: ASPECTOS GERAIS

4.1. Distribuição estática, inversão judicial e distribuição dinâmica do ônus da prova:

Como destacado, o artigo 333 do Código de Processo Civil estabelece que compete ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito alegado, enquanto que ao réu incumbe a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, alegados na defesa. A Consolidação das Leis do Trabalho, por sua vez, determina, em seu artigo 818, que a prova das alegações incumbe à parte que as formulou. Em ambos os casos, trata-se de regra de distribuição estática do ônus da prova, na medida em que a norma processual estabelece, abstrata e aprioristicamente, a quem incumbe a comprovação da alegação deduzida, levando em consideração apenas critérios formais, como a posição da parte na relação jurídica processual, a natureza jurídica dos fatos alegados e o interesse processual quanto à comprovação177.

A distribuição estática do ônus da prova, em certa medida, pode ser concebida como uma regra tipicamente relaciona aos ideais do liberalismo, fundada na legalidade e na igualdade formal (igualdade perante a lei) das partes178. Nesse sentido, a lei determina, para todos os casos, indistintamente, que a cada parte incumbe comprovar as alegações que formulou (ônus subjetivo), enquanto que o juiz, sendo vedado emitir o non

liquet, deve julgar, na hipótese de ausência ou insuficiência de prova, contra aquele que

detinha o ônus processual e dele não se desvencilhou (ônus objetivo – regra de julgamento).

177

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael, Curso de Direito Processual Civil:

Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, p. 79; CARVALHO, Priscilla de Souza, A teoria dinâmica do ônus da prova e sua repercussão no Direito Processual do Trabalho, p. 151-152.

178 Artur Thompsen Carpes destaca que a distribuição estática do ônus da prova tem assento na teoria da

A regra de distribuição do ônus da prova na forma mencionada está vinculada à ideologia de um Estado Liberal, porque é o aspecto subjetivo da prova que delimita a atuação e contornos do aspecto objetivo da prova, ou seja, a contrario

sensu, o juiz não pode deixar de julgar alegando falta ou insuficiência de prova,

conquanto caiba às partes, precipuamente, o encargo de municiá-lo sobre as provas que servirão à formação de seu convencimento. Assim, se as partes não oferecem subsídios – e este é um problema que lhes pertence, segundo o Estado Liberal –, deve assim mesmo o juiz julgar, formando seu convencimento sobre o material probatório que lhe foi fornecido179.

Essa posição parte da premissa, portanto, de que os sujeitos processuais detêm as mesmas condições materiais, financeiras, técnicas, sociais e informacionais para produção da prova das alegações (igualdade formal), e que a falta ou insuficiência dessa produção decorre de uma postura negligente e comodista da parte onerada, a qual possui ampla liberdade de agir. Trata-se de regra privatista de distribuição do ônus da prova, que ignora a visão publicista do processo, o direito fundamental à prova e o princípio constitucional de igualdade material.

Nesse sentido, ao longo dos tempos, percebeu-se que a distribuição estática do ônus da prova, valorizando a igualdade formal e a liberdade de agir das partes quanto à produção da prova, desprezando as peculiaridades do caso concreto, as vicissitudes da relação de direito material envolvida na demanda e as condições materiais, financeiras, técnicas, sociais e informacionais das partes, configura-se, em certos casos, como inapropriada ao alcance dos escopos do processo180. Assim, outras técnicas processuais referentes à distribuição do ônus da prova foram ganhando relevo, notadamente a inversão judicial do ônus da prova e a distribuição dinâmica das cargas probatórias181.

179 RODRIGUES, Marcelo Abelha, A distribuição do ônus da prova no Anteprojeto do Código Brasileiro de

Processos Coletivos, p. 244.

180 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael, Curso de Direito Processual Civil:

Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, p. 82; DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr, Distribuição dinâmica dos ônus probatórios, p. 94; GASPARINI, Renata Schimidt, O ônus da prova na perspectiva dos direitos fundamentais no processo do trabalho, p. 72; PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura, O ônus da prova no direito processual civil, p. 130.

181 Marcelo Abelha Rodrigues ainda destaca a preponderância do ônus objetivo sobre o subjetivo,

aproximando-se a prova do caráter público do processo, e as presunções legais como mecanismos de superação das desigualdades processuais decorrentes da distribuição estática do ônus da prova (A

distribuição do ônus da prova no Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 247-249). Nesse mesmo sentido, Eduardo Cambi: “Portanto, a técnica desenvolvida na teoria da carga dinâmica da

prova nada mais é do que uma das possíveis técnicas – com a presunção judicial e a inversão do onus

probandi contida no art. 6º, inc. VIII, do CDC – para facilitar os mecanismos de tutela dos direitos materiais” (A prova civil: admissibilidade e relevância, p. 346).

Como anteriormente analisado, a inversão judicial do ônus da prova está prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, e se configura como mecanismo processual voltado à correção das distorções decorrentes da aplicação das regras de distribuição estática, na medida em que possibilita o reequilíbrio das partes na relação jurídica processual, valorizando a igualdade material entre os litigantes no caso concreto.

Ao lado desse mecanismo de inversão judicial, surge a chamada teoria

da distribuição dinâmica do ônus da prova. Esta denominação conjuga-se à adaptação da

regra de distribuição do ônus da prova aos diversos casos concretos – daí o adjetivo

dinâmica -, em oposição à dita distribuição estática, incidente sempre do mesmo modo,

semelhante em todos os casos, indistintamente182.

Como será abordado mais adiante, a referida teoria tem como grande causídico o jurista argentino Jorge W. Peyrano, considerado o responsável pela sistematização da Teoría de las Cargas Probatorias Dinámicas183.

De acordo com a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, as cargas processuais não são determinadas prévia e abstratamente pela lei, valendo para todos os casos, indistintamente, tendo em vista critérios formais, como a posição das partes na relação jurídica processual, a natureza dos fatos alegados e o interesse quanto à comprovação. Pelo contrário. A lei delega ao juiz a determinação do ônus probatório das partes, com base nas vicissitudes do caso concreto e do direito material invocado, devendo analisar qual delas apresenta a melhor condição para produzir a prova das alegações, independentemente de quem as tenha formulado.

A solução alvitrada tem em vista o processo em sua concreta realidade, ignorando por completo a posição nele da parte (se autora ou se ré) ou a espécie do fato (se constitutivo, extintivo, modificativo, impeditivo). Há de demonstrar o fato, pouco releva se alegado pela parte contrária, aquele que se encontra em melhores condições de fazê-lo. (...)

Pela teoria da distribuição dinâmica dos ônus probatórios, portanto, a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; b) ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se exibe a distinção já

182 “Dinamizar o ônus da prova é atribuir o caráter diâmico ao dogma do onus probandi, permitindo ao

magistrado quando da utilização da regra de julgamento, transformar a regra estática que disciplina o tema em algo dinâmico, ativo, observando determinados requisitos (...)” (COUTO, Camilo José D’Ávila,

Dinamização do ônus da prova: teoria e prática, p. 110); “Siffatta valutazione, per cosí dire, statica, del

fenomeno deve essere invece, a mio avviso, sostituita con una valutazione dinamica di esso” (Tradução

sugerida: “Esta avaliação, por assim dizer, estática, do fenômeno deve ser, a meu ver, substituída por uma valoração dinâmica”) (MICHELI, Gian Antonio, L’onere della prova, p. 464-465).

tradicional entre fatos constitutivos, extintivos, etc. Releva, isto sim, a) o caso

em sua concretude e b) a “natureza” do fato a provar – imputando-se o encargo

àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo184.

A determinação do ônus da prova em cada caso concreto, de acordo com

as condições peculiares de cada parte, foi defendida por JEREMY BENTHAM: “La carga

de la prueba debe ser impuesta, en cada caso concreto, a aquella de las partes que la pueda aportar con menos inconvenientes, es decir, con menos dilaciones, vejámenes y gastos185”.

No entanto, a atribuição casuística da carga probatória foi duramente criticada pela doutrina, notadamente por LEO ROSENBERG:

Pues, si cada parte tiene la carga de la prueba en cuanto a los presupuestos de la norma jurídica cuyo efecto reclama para si, lógicamente debe ser indiferente el hecho de que desea hacer constar este efecto en el proceso en calidad de demandante o de demandado; de otro modo la situación casual de parte decidiría sobre la distribución de carga de la prueba y, con eso, muchas veces sobre el éxito del proceso186.

Procura-se, com a teoria da distribuição dinâmica, afastar a chamada

probatio diabolica, a qual está diretamente relacionada à impossibilidade material,

financeira, técnica, social e informacional da parte onerada em se desincumbir da carga processual atribuída187. Trata-se de adequar a regra de distribuição do ônus da prova ao caso concreto188.

184DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr, Distribuição dinâmica dos ônus probatórios, p. 98.

185Tradução sugerida: “O ônus da prova deve ser imposto, em cada caso concreto, àquela das partes que

possa contribuir com menos inconvenientes, é dizer, com menos dilações, vexames e gastos” (Tratado de

las pruebas judiciales, p. 445).

186Tradução sugerida: “Bem, se cada parte tem o ônus da prova quanto aos pressupostos da regra jurídica

cujo efeito reivindica para si, logicamente deve ser indiferente ao fato de que deseja fazer constar esse efeito sobre o processo na qualidade de autor ou réu; caso contrário, situação casual da parte decidiria sobre a distribuição do ônus da prova e, com isso, muitas vezes, sobre o êxito do processo” (La carga de la

prueba, p. 158). Em expressa posição contrária à adoção da teoria da distribuição dinâmica do ônus da

prova: GARCÍA GRANDE, Maximiliano, Las cargas probatorias dinámicas. Inaplicabilidad; PEGO, Rafael Foresti, A inversão do ônus da prova no direito processual do trabalho, p. 80-81; YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira, Considerações sobre a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

187

CARPES, Artur Thompsen, Ônus dinâmico da prova, p. 91.

188“A exigência de convencimento varia conforme a situação de direito material e, por isso, não pode exigir

um convencimento judicial unitário para todas as situações concretas. Como o convencimento varia de acordo com o direito material, a regra do ônus da prova também não pode ser vista sempre do mesmo modo, sem considerar a dificuldade de convicção própria ao caso concreto” (MARINONI, Luiz Guilherme,

Considerando a forma como ordinariamente é aplicada, parece-nos incorreto sustentar que a técnica de inversão judicial do ônus da prova configura-se como hipótese de distribuição dinâmica, e vice-versa. Explica-se.

Com efeito, pela teoria das cargas dinâmicas, o ônus probatório é distribuído de maneira originária, e não posterior a uma distribuição já realizada pela lei. O que ocorre, de fato, é o afastamento da incidência da regra de distribuição estática para aplicação de outra norma processual, a da distribuição dinâmica, e não a inversão da própria regra estática.

É preciso perceber que a dinamização do ônus da prova não significa inversão do ônus da prova. Não se podem confundir ambos os institutos. A dinamização é atribuição ex novo do ônus da prova em atenção às circunstâncias da causa. Por

ela não se distribui de “modo diverso” o ônus da prova. Distribui-se de forma

originária. Só se pode distribuir de modo diverso aquilo que já está distribuído. É

importante fazer alusão a “modo diverso” a respeito da dinamização do ônus da

prova. Igualmente, não há que se falar em inversão do ônus da prova com a dinamização. Só se pode inverter o que está vertido – vale dizer, aquilo que já está estabelecido. A dinamização do ônus da prova ocorre mediante declaração judicial. A inversão, mediante constituição, porque há alteração de algo já instituído. É impróprio, portanto, falar em inversão do ônus da prova a propósito da dinamização189.

Com a técnica de inversão judicial, da forma como ordinariamente aplicada, a regra estática de distribuição do ônus da prova é redistribuída, de modo inverso, ao passo que com a técnica de distribuição dinâmica, pelo contrário, a carga probatória é atribuída de modo originário, afastando-se a incidência da regra de distribuição estática. Note-se que, com a interpretação e aplicação corriqueira da inversão judicial do ônus da prova, todo o abstracionismo da regra estática de distribuição da carga probatória é, simplesmente, transferido para a parte contrária.

189 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel, O projeto do CPC, p. 104. Nesse mesmo sentido,

Eduardo Cambi: “Com efeito, não há na distribuição dinâmica do ônus da prova uma inversão, nos moldes

previstos no art. 6º, inc. VIII, do CDC, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica, quando o magistrado, avaliando as peculiaridades do caso concreto, com base em máximas de experiência (art. 335 do CPC), irá determinar quais fatos devem ser provados pelo demandante e pelo demandado” (A prova

civil: admissibilidade e relevância, p. 341). Dessa forma, também: CREMASCO, Suzana Santi, A distribuição dinâmica do ônus da prova, p. 75; SCHIAVI, Mauro, Manual de Direito Processual do Trabalho, p. 590-591; CARVALHO, Priscilla de Souza, A teoria dinâmica do ônus da prova e sua repercussão no Direito Processual do Trabalho, p. 157; ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli;

O termo “inversão” aspira a consagrar a transferência integral dos ônus

probatórios de uma parte à outra, nada ressalvando quanto às circunstâncias de fato cujo encargo de prova deva ser efetivamente transferido. Sabe-se que o objeto litigioso é composto de inúmeras alegações fáticas relevantes – thema

probandum -, mas que nem todas elas são aptas a fundamentar a transferência

dos ônus probatórios, especialmente porque nem todas caracterizarão desigual dificuldade no exercício do direito fundamental à prova. Importa dizer: quando se fala em “inversão” está-se a pressupor a transferência integral do encargo probatório de uma parte à outra, a menos que haja a especificação da

circunstância de fato cujo ônus foi objeto de “inversão”, o que, teremos de

convir, se revela prática bastante incomum em nossa prática jurídica.

Em outras palavras, o termo “inversão” consagra a transferência do esquema

legal, imóvel e estático, de um lado para outro, restando mantido, portanto, o generalismo e abstracionismo legal. Altera-se apenas o sujeito no qual recairá o ônus da prova, preservando sua distribuição rigorosamente as mesmas qualidades que opunham sua adaptação à realidade do caso concreto190.

No nosso sentir, com o surgimento da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, a técnica de inversão judicial do ônus da prova restou esvaziada.

Isso porque, rigorosamente, apenas se poderia falar em “inversão”

judicial do ônus da prova se ao autor fosse incumbido o ônus de comprovar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo de sua própria pretensão, alegado pelo réu, e ao réu, por sua vez, fosse atribuída a carga quanto ao fato constitutivo do direito do autor, alegado por este191. No entanto, com a “inversão” judicial, não é bem isto que ocorre (ou não deveria ocorrer).

Quando o magistrado aplica a técnica de “inversão” judicial do ônus da prova, na realidade, ocorre o afastamento da incidência (ou pelo menos deveria ocorrer) das regras de distribuição estática (artigo 333 do Código de Processo Civil e artigo 818 da

190

CARPES, Artur Thompsen, Ônus dinâmico da prova, p. 116-117.

191“Diante dos elementos postos nestes conceitos, conclui-se que a inversão do ônus da prova é a aplicação

da regra expressa sobre ônus da prova, no sentido contrário, inverso. Ou seja, ocorre a inversão do ônus da prova quando, originariamente, incumbir ao réu realizar a contraprova do fato constitutivo do direito do autor, ou, ainda, quando ao autor incumbir à contraprova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo do

direito postulado” (PEGO, Rafael Foresti, A inversão do ônus da prova no direito processual do trabalho,

p. 73). Nesse mesmo sentido, e criticando o termo inversão, propondo a utilização do termo modificação,

Sérgio Cruz Arenhart: “Outro reparo que merece ser desde logo apontado diz com o termo ‘inversão’,

geralmente empregado para tratar do tema aqui apreciado. Na realidade, não existe caso de inversão própria do regime do ônus da prova, já que esta deveria consistir em imputar ao réu o ônus da prova dos fatos

constitutivos do direito do autor e ao autor a carga da prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos de seu próprio direito. Ora, nenhuma hipótese existente no direito brasileiro contempla semelhante previsão, de modo que não se deve falar, ao menos propriamente, em ‘inversão do ônus da prova’. O que existe, sempre, é uma modificação no regime tradicional do ônus da prova, de forma a

imputar a (falta de) prova de determinados fatos de maneira diferente daquela realizada pela regra do art.

333 do CPC” (Ônus da prova e sua modificação no processo civil brasileiro, p. 337). Também Camilo José D’Ávila Couto: “Possível concluir, assim, que o termo ‘inversão’ do ônus da prova não é o termo técnico-

jurídico adequado à hipótese, pois não corresponde ao sentido do vernáculo, nem o próprio de nossa língua,

Consolidação das Leis do Trabalho), redistribuindo-se a carga probatória de modo originário, ex novo192.

Assim, quando o juiz trabalhista aplica a técnica processual de “inversão”

judicial do ônus da prova, reconhecendo a hipossuficiência probatória do trabalhador em face do empregador, quanto à comprovação, por exemplo, da alegação de que foi preterido em promoção na carreira por discriminação, a regra prevista no artigo 818 do texto consolidado é afastada (ou pelo menos deveria ser afastada) e o empregador passa a suportar o ônus de produzir provas a respeito do thema probandum, qual seja, a

discriminação. A técnica de “inversão” judicial do ônus da prova é aplicada (ou deveria ser

aplicada) de modo novo, originário. No mais, no exemplo dado, o empregador não suportará (ou não deveria suportar) o ônus de produzir prova de fato constitutivo do direito do trabalhador – como o termo “inversão” sugere -, mas, sim, de produzir prova quanto ao

thema probandum, qual seja, a discriminação. A prova produzida, portanto, poderá ser

favorável ao trabalhador ou ao próprio empregador, dependendo da valoração dada pelo magistrado.

A “inversão”, assim como a técnica de distribuição dinâmica, não

transfere (ou pelo menos não deveria transferir) a carga probatória de um polo para outro da demanda. Pelo contrário. Redistribui o ônus da prova do thema probandum entre os litigantes, de maneira originária, de acordo com as vicissitudes do caso concreto, do direito material alegado e das condições das partes envolvidas. Não importa, para tanto, a posição das partes na relação jurídica processual193, a natureza dos fatos alegados, nem o interesse processual na produção da prova, mas, sim, as peculiaridades do caso concreto, as

192 Não há necessidade de declaração de inconstitucionalidade do artigo 333 do Código de Processo Civil

para o afastamento de sua aplicação no caso concreto, como defende Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa (Considerações sobre a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, p. 132), pois a distribuição do ônus da prova sob outros critérios configura-se como técnica excepcional, coexistindo no sistema processual juntamente com a distribuição legal-estática.

193

Essa posição coincide, em certa medida, com o quanto defendido por José Carlos Barbosa Moreira, no sentido de que, na hipótese de incidência de presunção legal, o ônus da prova é redistribuído entre os litigantes, não importando a posição das partes na relação jurídica processual: “Do exposto ressalta com meridiana clareza a função prática exercida pela presunção legal relativa: ela atua – e nisso se exaure o papel que desempenha – na distribuição do ônus da prova, dispensando deste o litigante a quem aproveita a admissão do fato presumido como verdadeiro, e correlativamente atribuindo-o à outra parte, quanto ao fato

contrário. O que há de importante a sublinhar aqui é que essa atribuição prescinde de qualquer referência à

posição acaso ocupada no processo pela pessoa de que se trata. Em geral, como bem se sabe, o ônus da prova é distribuído precisamente em função dessa posição; quer dizer, o critério básico repousa na