• Nenhum resultado encontrado

Exercício dos poderes instrutórios do juiz

4. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA: ASPECTOS GERAIS

4.3. Fundamentos para aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova no Direito

4.3.3. Exercício dos poderes instrutórios do juiz

No âmbito do Direito Processual moderno, o juiz não pode mais ser reconhecido como mero espectador do debate envolvendo os litigantes. Pelo contrário. Deve participar diretamente da relação jurídica processual, inclusive determinando a produção de provas, caso verifique a insuficiência do material probatório existente para o julgamento.

Diante da imposição constitucional de que o Estado deve proporcionar aos jurisdicionados um processo justo, équo, sendo o direito de acesso à ordem jurídica justa erigido à natureza constitucional, o magistrado deve se valer de todos os instrumentos processuais postos a seu dispor para alcançar tal escopo226.

É nesse contexto que se fala em poderes instrutórios do juiz, o qual pode ser extraído do artigo 130 do Código de Processo Civil227, bem como do artigo 765 da Consolidação das Leis do Trabalho228.

De acordo com tal postulado, o juiz deve determinar ex officio a produção de provas quando verificar a insuficiência do conjunto probatório para o deslinde do feito. Com isso, busca-se minimizar a probabilidade de que o julgamento final seja

226“No nosso sentir, diante dos princípios constitucionais do acesso à Justiça, da efetividade e dos princípios

infraconstitucionais do livre convencimento do juiz e da busca da verdade, devem ser deferidos ao magistrado amplos poderes instrutórios. Com efeito, há muito o Juiz deixou de ser um convidado de pedra na relação jurídica processual. Na moderna teoria geral do processo, ao Juiz cabe zelar pela dignidade do Processo, pela busca da verdade real e por uma ordem jurídica justa” (SCHIAVI, Mauro, Aspectos

polêmicos e atuais da prova no processo do trabalho à luz da moderna teoria geral do processo, p. 369).

227 Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à

instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

228

Artigo 765. Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

proferido com base em meras regras abstratas de distribuição do ônus da prova (regra de julgamento), e não em provas efetivas acerca das alegações das partes229.

O princípio dispositivo, o princípio da igualdade das partes e o princípio da imparcialidade do juiz que regem o Direito Processual não podem ser vistos como entraves ao exercício dos poderes instrutórios pelo magistrado, pois o direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa se sobrepõe a esses preceitos230.

Com base nos poderes instrutórios do juiz, sustenta-se a aplicação da teoria da distribuição dinâmica no Direito Processual Brasileiro. Com efeito, estando o juiz autorizado a determinar de ofício a produção de provas, seria também permitida pelo sistema processual a redistribuição da carga probatória, com vistas ao melhor desempenho probatório das partes.

Verificando o magistrado, no caso concreto, que a distribuição estática da carga probatória não estimula a atividade probante das partes (função subjetiva do ônus da prova), seria lícito dinamizar a distribuição, atribuindo o ônus à parte que esteja em melhores condições de produzir a prova231

.

229 “Não há dúvida de que a atividade instrutória por parte do juiz pode diminuir os casos em que seja

necessário recorrer às normas de distribuição dos riscos pela obscuridade dos fatos. Ou seja, se além das partes também o juiz desenvolve esforços para obtenção da prova, maior a possibilidade de esclarecimento dos fatos, o que diminui, na mesma proporção, a necessidade de se apelar para a distribuição dos encargos do art. 333 do CPC. Na verdade, aumenta a probabilidade de um julgamento correto, conforme a vontade

do legislador. As regras sobre o ônus da prova constituem a ‘última saída para o juiz’, que não pode deixar

de decidir. São necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não meras ficções. Essa é a única

relação que se pode dizer existente entre o poder instrutório do juiz e o ônus da prova” (BEDAQUE, José

Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 124).

230 “De qualquer modo, ainda que se dê maior abrangência ao referido princípio, não pode ele implicar

restrição ao poder investigatório do juiz. O chamado princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual não tem razão de ser, pois entre os deveres do juiz está o de tomar iniciativa quanto à determinação dos meios probatórios, atendido o âmbito de investigação estabelecido pelas partes na determinação dos elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir). Os sujeitos parciais do processo podem estabelecer limites quanto aos fatos a serem examinados pelo juiz, não em relação aos meios de prova que ele entender necessários à formação de seu convencimento. E não se trata de atividade meramente supletiva. Deve o juiz atuar de forma dinâmica, visando a trazer, para os autos, retrato fiel da realidade jurídico-material” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 94-95). Nesse mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito

Processual Civil: Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, p. 24-25.

231“Os poderes instrutórios e a iniciativa probatória concedida ao julgador, em face do fim a que se propõem,

qual seja, vinda do elemento probatório aos autos, não só autorizam, como justificam a adoção da distribuição dinâmica dos encargos processuais. (...) Os poderes instrutórios do juiz e a distribuição dinâmica do ônus da prova atuam, em verdade, como mecanismos complementares, que não se repelem, nem se excluem. São dois instrumentos sucessivos, igualmente importantes, que são postos à disposição do magistrado de forma a permitir que o conjunto probatório com base no qual ele irá julgar o feito seja o mais completo, adequado e suficiente possível” (CREMASCO, Suzana Santi, A distribuição dinâmica do ônus

da prova, p. 84). Nesse mesmo sentido: KNIJNIK, Danilo, As (perigosíssimas) doutrinas do “ônus

Assim, haveria maior possibilidade de o julgamento de mérito ser proferido com base em provas efetivamente produzidas no processo, e não em meras regras formais de distribuição de encargos probatórios, fomentando o direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa.

No entanto, os poderes instrutórios do juiz não nos parece como legítimo fundamento de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Em nosso entendimento, os poderes instrutórios se revelam como mecanismo processual apto à aplicação da dinamização na demanda, reequilibrando os sujeitos na relação jurídica processual. O fundamento de aplicação da teoria é o princípio da igualdade material no processo, sendo os poderes instrutórios o instrumento pelo qual a distribuição dinâmica é efetivada.

Isso porque, a atribuição da carga probatória se dá pelo juiz, no caso concreto, de maneira dinâmica, por meio de seus poderes instrutórios, conferidos pelo Direito Processual, com vistas ao reequilíbrio das partes na relação jurídica processual, sob o ponto de vista probatório.